“Ele” era meu “amigo”

Não, “ele” não era seu “amigo”. Primeiro porque “ele” nunca foi ele. “Ele” sempre foi ela.

Segundo porque, se fosse “seu amigo” você não o estaria chamando de amigo, nem de “ele”.

Se um dia você teve a oportunidade de conviver com alguém que transicionou, você só pode continuar se considerando amigo ou amiga dessa pessoa caso você respeite a identidade de gênero com a qual ela passa a se identificar.

A história de usar o costume, o fato de não ter visto a pessoa durante alguns anos, não saber como a pessoa passa a se identificar e a se apresentar após a transição não cola.

Não cola porque, se há um processo de mudança, se você vê que há uma mudança de comportamento, se aquela pessoa da sua infância passa a se autoidentificar de outra forma, você só vai poder continuar dizendo ou chamando essa pessoa que transicionou de amigo ou de amiga se realmente você respeitar essa transição.

Tratar uma pessoa Travesti, uma mulher Trans pelo nome masculino, falando sobre sua vivência com ela usando pronomes masculinos, referindo-se a essa pessoa a partir de uma memória morta e passada, sinaliza que você não aceitou sua transição.

Sinaliza que você nunca reconheceu a identidade assumida por essa pessoa. Sinaliza que você não respeita as mudanças que ocorreram e todas as lutas e violências pelas quais essa pessoa Trans ou Travesti brigou tanto para conquistar.

Quando uma pessoa Travesti morre, quando uma pessoa Trans morre, ela morre Trans, ela morre Travesti. E, portanto, sua identidade deve ser respeitada, deve ser celebrada, deve ser valorizada e validada por todas as pessoas que um dia chamaram-na de amiga.

Do contrário, ela foi uma pessoa que um dia você pode até ter convidado com, que você até tenha tido algum tipo de relação, mas amizade de verdade, não. Você nunca cultivou isso de fato, sobretudo depois da transição.

Amizade pressupõe respeito, acolhimento, amor e alianças. Amizade pressupõe defesa, companheirismo e o uso do pronome correto, estando essa pessoa Trans/Travesti viva ou morta.

Esse texto não é só pra alertar às pessoas sobre uso de pronomes ou sobre amizade com Travestis. Esse texto é um grito por respeito à memória de todas aquelas que, vivas ou mortas, não são reconhecidas dentro de suas mulheridades e feminilidade.

Esse texto é para dar a Josely Babalu, Travesti traviarca seridoense, vítima de assassinato no começo dessa semana, a voz que ela não mais tem e pedir, por ela, e também pelas outras tantas que não foram respeitadas após suas partidas o direito de dizer: RESPEITEM NOSSAS IDETIDADES E FALEM DE NÓS, REFIRAM-SE A NOSSAS EXISTÊNCIAS USANDO OS PRONOMES QUE NOS CABEM.

NÓS SOU “ELAS”. BRIGAMOS PARA SERMOS “ELAS”. E MORREREMOS “ELAS”.

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