Vale Tudo estreia na Globo corrigindo erro de 1988, mas enfrentando desafios

Quase quatro décadas depois, a Globo decidiu encarar um desafio grandioso: atualizar uma das novelas mais inesquecíveis da teledramaturgia brasileira. Vale Tudo estreia nesta segunda-feira, 31 de março, cercada de expectativa. Não é para menos, pois até hoje a trama é lembrada por cenas épicas e personagens icônicos, como a vilã Odete Roitman. Mas como o público receberá essa nova versão?Essa é uma pergunta difícil de responder. O folhetim chega em um momento em que a televisão disputa atenção com diversas outras formas de consumo audiovisual. Plataformas de streaming, redes sociais e conteúdos sob demanda mudaram o comportamento da audiência, tornando cada vez mais raro o hábito de sentar diante da TV no mesmo horário todos os dias.

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O cenário de 2025 é bem diferente daquele de 1988. Além disso, a questão da representatividade se tornou um dos temas centrais da TV aberta nos últimos anos, refletindo mudanças que a Globo tem buscado escancarar em suas produções.Na primeira versão, apenas dois atores negros tinham destaque: Fernando Almeida, como o “pivete” Gildo, e Zeni Pereira, no papel da empregada doméstica Zezé. Agora, o remake conta com mais de 15 nomes no elenco, incluindo protagonistas. Taís Araújo e Bella Campos foram escolhidas para interpretar os papéis centrais da história de Manuela Dias, o que representa uma importante evolução.Essa é, sem dúvidas, a correção mais significativa que Vale Tudo fará após 37 anos. Trata-se de uma reparação histórica necessária, especialmente em uma novela cuja música-tema é Brasil, de Cazuza. Como falar em “Brasil, mostra a tua cara” sem um elenco que realmente represente a diversidade do país? A decisão da Globo acerta em cheio e, só por isso, já merece aplausos.Mas há algo que nenhuma mudança poderá apagar: Vale Tudo sempre será a novela de Odete Roitman. A personagem interpretada por Beatriz Segall não apenas se tornou uma das maiores vilãs da teledramaturgia brasileira, mas também um símbolo da elite que despreza o Brasil e seus cidadãos. Seu assassinato mobilizou o país inteiro e se tornou um dos maiores mistérios já exibidos na TV.No remake, a missão de reinterpretar Odete caberá a Débora Bloch, um nome que por si só carrega peso e experiência suficientes para o desafio. Mas será que a vilã terá o mesmo impacto em tempos de discursos mais politicamente corretos e vilões cada vez mais humanizados?

Débora Bloch como Odete Roitman

|  Foto: Divulgação | Globo

A transformação de personagens como Odete para um modelo mais “aceitável” na era das redes sociais pode suavizar a acidez e a força da personagem original, talvez tornando-a mais plana ou até desprovida do choque de valores que a primeira versão gerou. Esse será um teste crítico: o quanto o remake consegue resgatar a tensão dramática e social de uma obra que, à sua maneira, confrontava e questionava o status quo, ou se sucumbirá às expectativas de uma audiência que busca vilões mais redimidos ou até “compreensíveis”?A história original, escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, abordava temas como corrupção, desigualdade social e a falta de ética no Brasil. Esses assuntos seguem relevantes, e o desafio do remake será conectá-los à realidade de 2025. Contudo, será que uma trama que refletia o país de 1988, ainda sob os ecos da Ditadura Militar, será capaz de trazer uma análise crítica do Brasil de hoje, em um momento tão diferente?O risco é que, ao atualizar a história, ela perca a mordacidade que a fez tão relevante, transformando temas como a desigualdade social em apenas um pano de fundo sem a mesma força que tinha em uma época de redemocratização.É inevitável que a nova versão seja comparada com a original. Muitos vão sentir falta de diálogos antológicos, mas é preciso considerar que estamos em outro contexto e que adaptações são necessárias. As discussões que envolvem questões de classe, política e ética podem não ter a mesma força se forem abordadas com a suavização que o novo contexto exige.O público mais jovem, que talvez não tenha o mesmo vínculo emocional com a obra de 1988, poderá interpretar essas questões de maneira diferente, o que pode dificultar a conexão com a trama original. Além disso, as redes sociais devem amplificar esse debate, com comparações em tempo real e opiniões divididas entre os saudosistas e aqueles que veem a modernização como essencial.Ainda assim, o maior desafio da Globo não está apenas no conteúdo, mas em como Vale Tudo conseguirá prender a atenção de um público cada vez mais disperso. A trama de Manuela Dias estreia no horário nobre com a missão de reverter a crise intensificada por Mania de Você, que saiu de cena na última sexta-feira, 28.A novela de João Emanuel Carneiro precisou mudar drasticamente ao longo dos capítulos para tentar conquistar telespectadores, mas não conseguiu, gerando uma crise interna na emissora. O fracasso da antecessora aumentou a pressão sobre Vale Tudo. Será que a trama conseguirá repetir o sucesso de público e repercussão do remake de Pantanal, exibido em 2022?O certo é que o público pode esperar um novelão clássico, com personagens marcantes, uma vilã inesquecível e grandes reviravoltas – como só as boas novelas brasileiras sabem entregar. No entanto, o verdadeiro teste será se Vale Tudo, agora com um elenco mais diverso e com a missão de modernizar temas fundamentais, conseguirá manter a acidez crítica e a tensão que a versão original soube oferecer.Em um mundo cada vez mais acelerado, vale perguntar: será que uma novela clássica ainda consegue fazer o Brasil parar diante da TV?

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