Contrabando de Mounjaro no Brasil aumenta e eleva os riscos à saúde

Os bons resultados no controle do diabetes tipo 2 e da obesidade, o sucesso entre famosos e nas redes sociais e o fato de não ser vendido ainda no Brasil transformou o Mounjaro no medicamento dos sonhos do momento. Tanto que as tentativas de contrabando só crescem nos aeroportos nacionais. Em Salvador, a Receita Federal fez duas apreensões este mês: no dia 20, um passageiro de 29 anos, que veio de Londres e ia para Goiânia, foi detido com 60 canetas de Mounjaro; no dia 10, um jovem de 22 anos de Vitória da Conquista foi preso com 100 canetas. E um mês antes, foram localizadas 681 caixas vazias do medicamento, procedentes do Reino Unido.Segundo a Receita Federal, de junho passado até agora foram cerca de 8 mil canetas apreendidas no País – sendo 3 mil no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. “Desde o ano passado vivemos uma febre de Mounjaro, em toda minha experiência nunca vi nada igual. Essas caixas vazias significam que alguém comprou, abriu, tirou as canetas, dobrou as caixas e depois vai remontar e revender no Brasil, muitas vezes em clínicas médicas, por até R$ 10 mil uma caneta”, detalha o auditor fiscal Luiz Wilson Noronha, que atua no Aeroporto Internacional de Salvador.Além do preço inflacionado, o comércio ilegal também representa um perigo à saúde, já que as canetas não são acondicionadas da forma correta, em temperatura em torno de 8º C. Em casa, elas devem ser mantidas na parte de baixo da geladeira. Para driblar os scanners que radiografam as bagagens, os traficantes trazem as canetas presas ao corpo, deslocando-se com elas em longas rotas, por exemplo, entre Dubai, Paris, São Paulo e Salvador.Foi desta forma que o baiano tentou entrar com o produto, que ele informou ter adquirido em Londres – um dos mercados preferidos pelos compradores. “Eles não têm a mínima preocupação com a saúde das pessoas”, resume Luiz Wilson, acrescentando que as canetas serão destruídas e os dois casos reportados junto ao Ministério Público Federal, que segue com a investigação.Vendas no BrasilMas as tentativas de burlar a lei – pelo menos em relação à importação – devem estar com os dias contados. A farmacêutica Eli Lilly anunciou para o dia 7 de junho o início das vendas do Mounjaro no Brasil. O que acontece quase dois anos após o medicamento ter sido aprovado pela Anvisa, mas apenas para combater o diabetes. O Comitê de Regulação do Mercado de Medicamentos (CRMM) estabeleceu o preço máximo de R$ 3.791, mas ainda não definiu o valor final. Com isso, comprar nas nossas farmácias será mais barato do que importar.Por enquanto, explica o auditor, o caminho legal exige que a pessoa apresente receita e relatório médicos para ingressar no País com o remédio. E em uma quantidade equivalente a, no máximo, seis meses de tratamento. Wilson reforça que a Receita Federal trabalha de forma interligada em todos os aeroportos, para identificar possíveis suspeitos, como o português preso no dia 20, cuja bagagem foi submetida ao scanner. Na mesma semana, um homem foi preso com 270 canetas no corpo, em Guarulhos. “Nossa preocupação é garantir a saúde das pessoas, que às vezes não têm consciência de como esse remédio chega”, pontua.EsperançaEnquanto os pacientes esperam o início das vendas no País, a comunidade médica aguarda a aprovação do uso da trizepatida no tratamento da obesidade, como já acontece nos Estados Unidos e em países da Europa. O pedido já foi feito pelo fabricante junto à Anvisa e segundo a endocrinologista Ana Maria Souza Dias a resposta deve ser positiva, pois a substância “está revolucionando o tratamento da obesidade”, com vários benefícios comprovados além do controle da diabetes e da perda de peso. Ela cita a segurança cardiovascular – em relação a problemas como AVC e infarto -, o controle da gordura no fígado e até da apneia do sono.Integrante da equipe do Centro de Prevenção e Tratamento da Obesidade do Hospital Santa Izabel, a médica explica que a demora das liberações da Anvisa tem a ver com a escassez de material para a fabricação das canetas, devido ao uso irregular. “Há muita falsificação e até manipulação em laboratório, então poderia acabar faltando para garantir a demanda do mercado”, informa a médica, acrescentando que a caneta que será vendida no Brasil será do tipo descartável. O uso é semanal, com dosagens que começam em 2,5 mg e pode chegar a 15 mg e precisa ser definida pelo especialista.A novidade que o Mounjaro traz em relação a outros medicamentos é que ele é o único que atua no controle dos hormônios GLP-1 e GIP, cuja função é estimular a liberação de insulina pelas células do pâncreas, reduzir a quantidade de glicose produzida pelo fígado, diminuir o esvaziamento gástrico e a promover a saciedade. O principal concorrente, o Ozempic (semaglutida), age também sobre o GLP-1, mas não sobre o GIP. Com isso, explica a endocrinologista, a medicação regula os níveis de açúcar do sangue e diminui a sensação de fome. “Alguns pacientes chegaram a uma perda de peso de até 25%, só conseguida com a cirurgia bariátrica”, afirma.É justamente a grande perda de peso que faz com que o acompanhamento profissional seja fundamental. Ana Maria lembra que a presença do nutricionista, por exemplo, vai garantir a ingestão adequada de proteínas, para evitar a perda de massa magra e a deficiência nutricional. Em alguns casos será preciso fazer uma suplementação alimentar, pois a perda de apetite pode ser muito grande. Entre os principais efeitos colaterais ela cita náuseas, vômitos e obstrução intestinal. “O Mounjaro não é indicado para pessoas que querem perder poucos quilos, motivadas por modismos”, reforça.Atividade físicaOutro ponto destacado pela médica é a prática de atividades físicas, que vai ser definida de acordo com o perfil do paciente e pode começar com uma hidroginástica e até mesmo uma fisioterapia. A equipe do Centro de Obesidade conta com educador físico, que atua em conjunto com médicos, enfermeiros, psicólogos e nutricionistas. “Nossos pacientes são mais complexos, com IMC acima de 30, fazem uso de outras medicações e têm problemas associados como hipertensão, diabetes e esteatose hepática, entre outros”, pontua.Independente das medicações e tratamento, a médica alerta para a necessidade de uma mudança de mentalidade em relação à obesidade, epidemia que atinge mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo. “Precisamos focar em cuidar da saúde e não em emagrecer e afastar a ideia simplista de que se a pessoa fechar a boca e fizer exercícios físicos vai emagrecer. A situação é muito mais complexa e às vezes o preconceito, inclusive do profissional de saúde, faz com que o paciente demore de cinco a sete anos para buscar ajuda”, completa.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.