Ciência cidadã contra os negacionismos: iniciativas no nordeste brasileiro

Ana Gretel Echazú Böschemeier
Integrante do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da UFRN, DAN/PPGAS UFRN e Ministério da Igualdade Racial
[email protected]

Raquel de Assunção Oliveira
Decom/UERN e PPgEM/UFRN
[email protected]

Os negacionismos são um problema persistente na nossa sociedade, mas que tem se aprofundado com a intensificação do uso indevido da internet para a propagação de notícias falsas.

Os negacionismos desestimam, ignoram, invalidam a realidade, os acordos, as conquistas que abraçam o bem comum. Eles se manifestam na ação de grupos que fazem circular informações com distorções sistemáticas da realidade e ignoram as evidências científicas, os estudos acadêmicos e também os avanços sociais que tanto contribuíram para fazer da ciência uma ferramenta do saber ao serviço da sociedade.

Eles criam versões excludentes da realidade que ameaçam os nossos territórios compartilhados. São feitos a partir do cultivo de ignorâncias persistentes. Eles não são produto da falta de acesso à informação, mas sim da validação de falsas evidências a partir de lugares de exclusão e ódio.

O fenômeno do negacionismo é uma ameaça à democracia e aos direitos humanos. Está a sociedade preparada para enfrentá-los?

A partir da pandemia da COVID-19, um dos territórios mais nitidamente atacados pelos negacionismos foi a ciência. A negação das vacinas, das mudanças climáticas e do aquecimento global foram posicionamentos políticos que cobraram e cobram, diariamente, vidas no país. A história traz vários exemplos de atitudes negacionistas que configuram genocídios: isso afeta a ciência, mas vai muito além dela.

É assim que, paradoxalmente, ainda quando o negacionismo ataca os consensos da ciência, não é somente com a Ciência – aquele campo institucional de práticas relativamente autônomo – que iremos poder combater e enfrentar o negacionismo da forma mais eficaz.

Nessa alçada, entendemos que alimentar o diálogo constante das pessoas que fazem ciência com a sociedade civil, através de estratégias de participação e co-construção de saberes tal como são os casos da ciência cidadã, da pesquisa participativa ou da comunicação popular, é uma estratégia preventiva e eficaz.

Nesses estratégicos processos de diálogo onde a Ciência vem “fazer sentido” no cotidiano das pessoas, as lideranças comunitárias de comunidades tradicionais e de movimentos sociais se destacam como interlocutoras chave, pois são elas que promovem, de formas muito concretas, a conexão entre os saberes técnicos e científicos e as ciências plurais, ancestrais e experienciais dos povos e comunidades tradicionais.

Somos categóricas: não há ciência que valha a pena ser cultivada se ela não puder ser uma ciência para todos/as, que cuide das pessoas e grupos na sua particularidade, que seja representativa de todos os grupos de pessoas que fazem parte da sociedade, que se reconheça nos territórios e que estimule o direito das comunidades à produção do conhecimento, ao acesso ao conhecimento, à possibilidade de fazer parte do cultivo de uma saúde plena e coletiva. Essa ciência deve ser acessível e continuar a estar em diálogo com todos os setores da sociedade. Essa ciência deve ser plural, mediada por uma diversidade de vozes e construtora de alianças estratégicas.

Um exemplo da consecução desta tarefa é o recém-publicado livro “Gerações de Luta: Honrando as Faces da Resistência”, uma obra que reflete o processo de construção de saberes para o enfrentamento aos desafios da saúde pública desde o reconhecimento das formas de organização plural de grupos específicos que habitam os territórios em foco.

Disponível em quatro línguas – tupi-nheengatu, português, inglês e finlandês – esta obra é o resultado de uma colaboração entre a Edições UERN, editora universitária da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, e a Editorial Áporo (SP).

A publicação reúne relatos e retratos visuais de 22 lideranças do Nordeste brasileiro. As lideranças homenageadas participaram do projeto de pesquisa participativa “Boas Práticas de Enfrentamento à COVID-19”, realizado entre 2020 e 2023 nos estados de Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba.

Os retratos incluem as vozes de representantes indígenas, ciganos, maricultoras, pescadores, pessoas em situação de rua e catadoras de materiais recicláveis vinculadas às seguintes comunidades tradicionais e movimentos sociais:

  • Comunidade cigana Calon de Pedro Maia, no sertão de Sousa, na Paraíba.
  • ACREVI – Associação Comunitária Reciclando para a Vida, de Mossoró/RN.
  • MNPR-RN – Movimento Nacional da População de Rua do Rio Grande do Norte.
  • Associação de Pescadores da Vila de Ponta Negra, de Natal/RN.
  • AMBAP – Associação de Maricultura e Beneficiamento de Algas de Pitangui/RN.
  • Comunidade do Amarelão, localizada no território Mendonça, no município de João Câmara/RN.
  • Aldeia Fidelis, localizada a 22km da cidade de Quiterianópolis, no sertão do Ceará.
  • Comunidades Jacinto, Mundo Novo e Olho D’Aguinha, localizadas no município de Monsenhor Tabosa, sertão do estado do Ceará.

Os relatos são acompanhados por registros da história coletiva das comunidades e movimentos aos quais pertencem, redigidos ou narrados pelas próprias lideranças com apoio do restante da equipe do projeto para a sua formatação final. A compilação foi organizada por Raquel Assunção Oliveira, Ana Gretel Echazú Böschemeier, Breno da Silva Carvalho, Jocyele Marinheiro, Maria Teresa Nobre, Matheus Rios Silva, Jasmin Immonen e Raphael Schapira.

Você pode acessar o livro através dos links:

  • Site do Projeto Boas Práticas: https://sites.google.com/view/projetoboaspraticas
  • Publicações e demais redes sociais do projeto: https://linktr.ee/bpcovid 

The post Ciência cidadã contra os negacionismos: iniciativas no nordeste brasileiro appeared first on Saiba Mais.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.