Editora Katuka fortalece cenário do pensamento e autoria negra

No segundo andar de um casarão colonial de esquina, na Praça da Sé, o designer de moda Renato Carneiro, o professor universitário Carlos Danon e a internacionalista Sarah Odara, que compartilham a administração da Editora Katuka, recebem a reportagem de A TARDE para contar a trajetória do empreendimento, voltado essencialmente à publicação de autores negros, embora haja exceções.A editora, que tem como meta publicar quatro livros anualmente, iniciou suas atividades com recursos próprios dos sócios Renato e Carlos, parceiros na loja Katuka Africanidades, que funciona no térreo do mesmo prédio, vendendo roupas, acessórios e livros. ” A gente não cobra qualquer valor do autor para que ele publique conosco”, pontua Renato.No momento, a Editora Katuka tem 12 livros em fila de espera para publicação e o recebimento de novos originais foi suspenso. Este ano, pela primeira vez, a editora vai lançar um livro financiado com recursos externos. A partir de um edital da Embaixada da França no Brasil, deve ser lançado até setembro um livro, ainda sem título em português, de contos franceses traduzidos pelo escritor e tradutor César Sobrinho. No mês que vem, deve ser lançado o livro Memórias de infância nos contos de Conceição Evaristo, de Daiane Santos.Katuka é uma palavra Kimbundo que significa, entre outras coisas, sair. “Aqui, ressignificamos essa palavra com o sentido de movimentar-se, ou seja, sair de um estágio a outro”, afirma Sarah.Para se mover no mercado de livros, a Katuka contou com antecedentes próprios. “O grande barato da editora é o processo anterior e a pessoa fundamental para que a gente começasse esse trabalho foi a professora Ana Rita Santiago, pontua Renato Carneiro.Antes da editora, o terceiro andar do imóvel funcionava como espaço para que um grupo de intelectuais discutisse questões de raça e gênero, além de lançamentos de livros. Um dia, a professora Ana Rita propôs encontros com escritoras negras baianas e várias rodadas de conversa aconteceram. “Nesses bate-papos, a gente percebeu que uma das questões era encontrar canais para a circulação dessas obras”, lembra Renato, que é o diretor de arte da editora.Já havia editoras especializadas nesse segmento, como a Ogum’s Toques Negros, a Segundo Selo e a Malê (Rio), mas ainda assim pensou-se na criação de uma outra alternativa. “A gente pensou que quantos mais canais a gente puder ter, melhor”, declara Renato.Sem o domínio da parte burocrática do mercado editorial, a Katuka Edições começou em 2021 como um selo hospedado na Editora Devires, especializada em questões de gênero, raça e classe. “Era interessante para a Devires, que teria um selo ligado às questões raciais, e era interessante para a gente, que queria entender como pegar um manuscrito e trabalhar até o momento em que o livro sai”, destaca Renato. Depois, chegou o momento em que a equipe da Katuka se sentiu preparada para conduzir todo o processo.Logo no início da editora, quando a maioria dos originais vinha de Moçambique e Renato não tinha assumido a direção de arte, as ilustrações das capas ficavam a cargo de estudantes de Belas Artes ou recém-formados, como Tita Anjos e Carlos Victor, além fo gravurista Bruno Costa. A fotógrafa paulista Val Souza, que participou do Prêmio Pipa 2024, fez as imagens da capa do livro de ensaios O Amor não é cego, organizado por Ana Rita Santiago e Maria de Lourdes Reis Brito.A revisão dos originais que chegam à Katuka é feita pela professora Ana Rita Santiago, que é coordenadora editorial da Editora Katuka. Mas antes da aprovação, o texto passa pelo crivo do conselho editorial, composto por 20 pessoas, incluindo o próprio Carlos Danon, o poeta, antropólogo e historiador Marlon Marcos e a poeta Lívia Natália.”Essa foi uma sacada para dar legitimidade ao livro, um conselho editorial com personalidades daqui da Bahia e de outros lugares, do movimento negro, do universo acadêmico”, avalia Carlos.Cada integrante do conselho emite um parecer sobre os originais. “É sempre um parecer construtivo. Quando a gente recebe a proposta, a ideia é de reafirmar a publicação”, declara Carlos, pontuando que o conselho pode sugerir ajustes.Como exemplo, o professor cita o caso do livro Os nossos feitiços, da escritora moçambicana Virgília Ferrão. “Esse livro, que foi premiado, passou por mudanças. A ideia original de Feitiço, se fosse acatada, como estava escrito, pareceria um tanto estigmatizada”, defende Carlos. A crítica foi reportada à escritora, que reelaborou o conceito. Refeito, o livro ganhou em 2023 o segundo lugar no Prêmio Bunkyo de Literatura, que destaca protagonistas femininas.A Editora Katuka, aliás, já publicou cinco autores africanos, sendo a maioria de Moçambique. Um dos nomes do cast da editora é a ex-ministra da Educação de Cabo Verde, Vera Duarte, autora de Desasossegos e acalantos, um livro de microcontos.Autora de Fragmentos de mim, primeiro livro a ser publicado pela Editora Katuka, a professora Ana Célia Silva, é considerada a primeira pesquisadora baiana a discutir o racismo no livro didático. “Eu achei uma ótima experiência. Recebi recomendação do poeta Jairo Pinto, que publicou com a Katuka antes, e gostei do resultado”, afirma a professora, que publicava seus livros acadêmicos ou não pela Edufba, mas essa editora decidiu não lançar mais publicações autobiográficas.”É uma autobiografia diferente, que remete a eventos políticos do Brasil e do exterior”, define a professora, uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado, em 1978. O livro aborda, por exemplo, a criação do Ilê Aiyê, em 1974. O livro da Katula que mais vendeu exemplares foi Afroturismo – Afeto, afronta e futuro, de Guilherme Soares Dias, com mais de 500 cópias comercializadas.
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