Deri Andrade: “A arte negra sempre esteve presente”

O alagoano Deri Andrade tem uma missão: que o público soteropolitano da exposição Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira se reconheça nas obras. Ele é curador da mostra que apresenta um panorama da produção artística negra do país, a partir do dia 29 de março, no Museu Nacional da cultura Afro-Brasileira (Muncab), em Salvador. Promovida pelo CCBB Salvador, a exposição reúne 68 artistas históricos e contemporâneos, além de obras inéditas. O sucesso da mostra – que já passou por São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro – é esperado na capital baiana, mas com um tempero diferente. Para Deri, Salvador é uma importante representante da cultura produzida no Brasil, fator relevante para que fosse a primeira capital do Nordeste a ser visitada pela mostra. “A exposição cresceu muito desde que chegou aqui. Aumentamos o número de artistas expostos”, conta. Deri é responsável pelo Projeto Afro, plataforma que mapeia artistas negros no país. Foi a partir do levantamento proposto pela iniciativa que o curador selecionou as 150 obras presentes na exposição. Entre os artistas homenageados estão nomes como os baianos Lita Cerqueira, Rubem Valentim e Mestre Didi, além do carioca Arthur Timótheo da Costa e da mineira Maria Auxiliadora. “O que eu desejo é que o visitante saia da mostra com reflexões sobre como a arte produzida no Brasil tem sido apresentada, vista e colecionada”, diz o curador da exposição que permanece em Salvador até o dia 31 de agosto. Para A TARDE, Deri ainda fala sobre qual é a realidade do artista negro no Brasil, sobre qual é o papel da cultura nas discussões de direitos de minorias e também sobre a felicidade de apresentar Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira em Salvador.A exposição Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira parte do mapeamento feito pelo Projeto Afro, certo?Isso. O Projeto Afro é uma plataforma ativa que existe desde 2016. A iniciativa é um mapeamento de artistas negros em todas as regiões do Brasil. O projeto já realizou uma série de ações além desta exposição, como palestras e curadorias de programações públicas. Esse levantamento está sempre sendo atualizado com novos nomes. A exposição Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira parte da intenção de entender como a arte negra produzida no Brasil está se comportando e como ela tem se apresentado ao longo dos anos. Uma das dúvidas que esta exposição deseja suscitar é se a arte negra está, de fato, inserida na historiografia cultural do Brasil. Essa é uma questão que está presente na pesquisa do Projeto Afro. A exposição é um momento de resgatar essa e outras provocações para levá-las ao público. O que eu desejo é que o visitante saia da mostra com reflexões sobre como a arte produzida no Brasil tem sido apresentada, vista e colecionada.Essa questão é respondida pela exposição? Qual é o panorama atual da arte negra no país?É uma arte plural, diversa. Arte esta que sempre esteve inserida em todos os momentos históricos. Na exposição, por exemplo, temos artistas que datam do século 19. O que me parece é que o público em geral não tem conhecimento de que artistas negros produzem desde os séculos 18 e 19. Isso não está nos livros, não está nas pesquisas, nos museus ou nas exposições. O Projeto Afro mostra esse ponto de modo muito abrangente. É possível ver trabalhos de artistas de todas as regiões do Brasil e de períodos históricos muito diferentes. A mostra explica para o público que a arte negra sempre esteve presente.A exposição já passou por São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Como Salvador contribui para a mostra?Estar em Salvador é muito especial. Já fazia um tempo que a gente queria vir para o Nordeste. Quando abrimos a exposição em São Paulo, recebemos uma enxurrada de mensagens nas redes sociais de um público que queria que a exposição viesse para cá. E olha, Salvador representa muito bem a cultura produzida no Brasil. É uma cidade que produz muitos nomes importantes na música, na literatura, na arquitetura… Acabei de assistir à estreia da turnê nova de Gilberto Gil e fiquei encantado. É a confirmação dessa força que a Bahia tem na criação de desempenhos artísticos fenomenais. A gente não poderia deixar de trazer a exposição para uma capital que é a mais negra fora da África.A mostra homenageia alguns artistas baianos, inclusive.Sim! E isso é muito significativo. Dos cinco principais artistas homenageados na exposição, três são baianos. São 12 artistas nascidos na Bahia numa lista de 68 apresentados na mostra. Então, é sim, muito importante que estejamos aqui. A exposição cresceu muito desde que chegou a Salvador. Aumentamos o número de artistas expostos. Essa relação com o Muncab também é outro ponto muito importante. Eu fiz questão de selecionar algumas peças da coleção do museu, que acabou de receber 700 obras repatriadas para o Brasil.A realidade do artista brasileiro é marcada por diversos desafios, especialmente no que tange à sustentabilidade financeira. O artista negro tem ainda os dificultadores da falta de oportunidade e da discriminação. Como você avalia esse recorte?O artista brasileiro depende muito de editais e de todo um apoio público. Esse é um ponto que interfere diretamente na produção artística no Brasil. Mas eu gosto muito de citar uma frase do Sílvio Amaral, um dos artistas que estão na exposição Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira. Ele diz que é muito difícil ser artista no Brasil, e é ainda mais difícil ser um artista negro no Brasil. A primeira discussão que essa exposição tenta criar é a importância desse espaço como um fomento à pesquisa da cultura no país. É um ambiente para trocas. A seleção dos artistas e das obras que compõem essa mostra foi bem difícil, justamente pelo número de nomes que gostaríamos que entrasse. Temos mais de 300 artistas na plataforma do Projeto Afro. Essa seleção precisou dar conta dos temas e das discussões propostas por cada um desses expositores. Mas, o mais importante foi tentar abraçar, de alguma maneira, a importância da produção negra que está inserida na história da arte há muitos anos, em todas as regiões do Brasil. O artista brasileiro negro não produz apenas o que está relacionado com questões étnico-raciais. Então, na exposição eu tentei abarcar esse panorama da produção de arte cosmológica no Brasil desde o século 19. Esses artistas ampliam as discussões e ajudam a aumentar o número de temas trazidos pelos próprios nomes homenageados.Qual é o papel da arte no processo de valorização de grupos minoritários e na resistência política e social?A arte tem o poder de engajar discussões importantes. É muito bonito, muito bacana, ver esses temas surgindo a partir das produções de artistas negros, não é? De pessoas que estão à frente de debates, pessoas que vivenciam essas dificuldades, inclusive, e passam por situações de racismo. A exposição, de alguma maneira, propõe que o público se engaje e queira participar não só da mostra, mas também dessas discussões. Por isso é tão importante conhecer a produção de artistas vivos no Brasil inteiro. Isso é engajamento político, social e racial. A exposição tem esse caráter da imersão, o público pode interagir com uma série de livros que estão disponíveis e que fizeram parte da pesquisa. O público vai poder acessar o que foi lido para que a pesquisa fosse feita durante todos esses anos. Outro ponto bacana dessa interação é que os visitantes vão acessar a plataforma do Projeto Afro e conferir o trabalho de vários artistas que não estão fisicamente na exposição. Uma coisa que fizemos para essa atração do público foi incluir obras “instagramáveis” [para conteúdos em redes sociais]. São artes que puxam o público e criam esse engajamento. É muito interessante acompanhar como o público se comporta em cada cidade e Salvador promete uma experiência bem particular. Eu estou muito feliz de estar aqui e ver como o soteropolitano estava desejando que viéssemos. Eu quero que esse público se reconecte com a arte produzida no Brasil a partir da produção de artistas negros. Esse é o meu maior desejo: que o público conheça e se reconheça nessa produção.ServiçoExposição: “Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira”Abertura: 29 de marçoVisitação: Terça a domingo, das 10h às 16h30Local: Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab). Rua das Vassouras, 25, Centro Histórico, SalvadorEntrada: os ingressos para visitar o Muncab se encontram disponíveis na bilheteria do museu ou pelo site: https://museuafrobrasileiro.com.br/index.php/ingressos/Valores: R$20 (inteira) e R$10 (meia). Clientes do Banco do Brasil têm direito à meia-entrada mediante a apresentação do RG e Cartão de Crédito ou Débito. Direito a um acompanhante.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.