Renovação das águasA redução da água doce na Baía de Todos-os-Santos afeta não apenas a vida marinha, mas também sua capacidade de renovar as águas e manter o equilíbrio com o oceano. “Os rios que deságuam na baía desempenham um papel fundamental nesse processo, pois reduzem a salinidade interna, criando duas massas d’água com densidades distintas”, explica Lessa.Ele detalha: “A gravidade empurra a água mais densa do oceano para dentro da baía pelo fundo, enquanto a água da baía escoa para o oceano pela superfície.” Esse mecanismo de renovação, embora lento, é constante e mais eficiente do que as correntes de maré. Quando essa troca é comprometida, alerta Lessa, os nutrientes deixam de circular, criando um cenário de estagnação. “Sem renovação, a baía se torna o ambiente ideal para a proliferação excessiva de certas algas na superfície, o que pode levar até a episódios de anoxia, ou seja, a falta de oxigênio na água”, explica.Entre 2020 e 2023, a Baía de Todos-os-Santos teve um alívio temporário devido ao fenômeno La Niña, que causou verões menos quentes e mais úmidos, resfriando as águas costeiras. “A tendência observada ao longo de seis décadas foi momentaneamente revertida nesses anos, pois a La Niña intensificou as trocas de água com o oceano”, explica Lessa. No entanto, em 2024, o calor voltou com força total. “Tivemos um aquecimento excepcional das águas, sem precedentes na série histórica”, destaca o pesquisador.Branqueamentos dos corais
A elevação da temperatura das águas tem provocado outro fenômeno preocupante na Baía de Todos-os-Santos: o branqueamento dos corais. Segundo o CEO da Carbono 14, José Roberto Caldas Pinto, conhecido como Zé Pescador, esse processo não afeta apenas os recifes, mas desencadeia um desequilíbrio em toda a biodiversidade marinha. “Quando os corais adoecem e morrem, a gente perde um ambiente rico, que atrai peixes, crustáceos e moluscos. O ecossistema fica empobrecido”, explica.No último ano, a Baía de Todos-os-Santos enfrentou um branqueamento significativo dos corais, embora menos severo que em estados vizinhos como Pernambuco e Alagoas. Ainda assim, o impacto foi expressivo, evidenciando a urgência de ações para a recuperação do ecossistema. Diante desse cenário, a Carbono 14 desenvolveu uma metodologia inovadora para restaurar os corais e fortalecer a biodiversidade marinha.A Carbono 14, como explicou Zé Pescador, é uma startup dedicada a soluções socioambientais inovadoras, integrando ciência e conhecimento tradicional. Seu projeto de recuperação dos corais envolve a coleta de fragmentos de organismos danificados e sua fixação em estruturas feitas a partir do esqueleto do Coral Sol, uma espécie invasora. “Trituramos esse material e o transformamos em bloquinhos, que servem como base para o crescimento dos corais nativos”, detalha.O método, único no mundo, já foi reconhecido internacionalmente e tem garantido a recuperação de colônias que, de outra forma, não sobreviveriam. Atualmente, a startup mantém berçários subaquáticos na Ilha de Maré e em Itaparica, onde milhares de corais são cultivados antes de serem reintegrados aos recifes naturais.No entanto, a restauração dos corais é apenas uma peça no complexo quebra-cabeça da preservação marinha. Para Zé Pescador, o sucesso dessas ações depende de um esforço conjunto entre ciência, comunidades tradicionais e políticas públicas. “Não adianta só recuperar coral. A gente precisa conscientizar as pessoas, envolver pescadores, quilombolas e jovens dessas regiões na proteção do meio ambiente”, ressalta. Além disso, Zé Pescador destaca a importância da reciclagem e do descarte correto de resíduos, já que a poluição agrava a degradação dos recifes.Combate a poluição
Iniciativas de preservação do meio ambiente podem ajudar a combater os efeitos da crise climática na BTS, como também observou José Rodrigues, doutor em Geologia Marinha e professor do Instituto Federal Baiano (Ifba). Além dos projetos de recuperação de recifes de coral, o especialista destacou que investimentos em saneamento básico são fundamentais, pois ecossistemas saudáveis têm maior capacidade de recuperação diante das mudanças climáticas e do aumento da temperatura da água.Outro ponto crucial é o combate à pesca predatória e à introdução de espécies invasoras, que agravam o processo de degradação dos recifes. Rodrigues alertou que práticas como o uso de explosivos na pesca, ainda registradas em algumas áreas da Bahia, causam danos irreversíveis ao meio ambiente marinho. Além disso, a chegada de organismos exóticos tem ameaçado as espécies nativas, comprometendo a biodiversidade e afetando diretamente atividades econômicas como a pesca e o turismo subaquático.“A longo prazo, a combinação de fatores como aquecimento global, poluição e práticas insustentáveis pode comprometer a resiliência dos ecossistemas da Baía de Todos-os-Santos”, afirmou ele. O professor ressaltou que, sem ações concretas de mitigação e conservação, a tendência é o empobrecimento da vida marinha e a perda de serviços ecossistêmicos fundamentais para a economia e o bem-estar das populações costeiras.