O que acontece com o corpo humano depois de 9 meses no espaço

Depois de uma missão que deveria durar apenas oito dias, mas se estendeu por surpreendentes nove meses, os astronautas Suni Williams e Butch Wilmore finalmente iniciaram sua jornada de volta à Terra.

Os astronautas estão desde 5 de junho no espaço. Apesar do tempo, esse não é um recorde no espaço. O tempo máximo é do cosmonauta russo Valeri Polyakov, que esteve a bordo da estação espacial russa Mir por 437 dias entre 1994 e 1995.

Mas o que realmente acontece com o corpo humano após tantos meses no ambiente espacial? Quais desafios físicos e mentais esses astronautas enfrentarão ao retornar para a gravidade terrestre?

Nos tópicos e no infográfico abaixo, entenda mais as transformações e a readaptação:

Infográfico mostra o que acontece no corpo de astronautas há tanto tempo no espaço — Foto: Arte/g1
Infográfico mostra o que acontece no corpo de astronautas há tanto tempo no espaço — Foto: Arte/g1

Ossos e músculos: os efeitos da microgravidade

 

Sem a força gravitacional da Terra, o corpo humano passa por mudanças significativas. Uma das alterações mais evidentes ocorre nos nossos ossos músculos.

Em um ambiente de microgravidade (uma gravidade muito fraca, onde pessoas e objetos parecem flutuar, como no espaço), os ossos perdem cerca de 1,5% de sua densidade a cada mês, ou seja, ficam mais frágeis e suscetíveis a fraturas.

Isso acontece porque, sem o peso constante do corpo pressionando contra o solo, o organismo “entende” que não precisa manter estruturas ósseas tão resistentes.

“É como se o corpo dissesse: ‘Por que manter toda essa estrutura se não estou usando?’”, explica a Nasa.

 

Fora isso, os músculos também sofrem uma deterioração acelerada no espaço. Sem o esforço constante contra a gravidade, eles tendem a atrofiar rapidamente.

Justamente por causa disso, os astronautas seguem rotinas rigorosas de exercícios durante toda missão, com treinamentos aeróbicos e de resistência para minimizar essas perdas.

Segundo a NASA, os astronautas devem se exercitar por aproximadamente 2,5 horas por dia quando estão no espaço para reduzir os efeitos da gravidade zero em seus ossos e músculos.

Para isso, a agência desenvolveu máquinas especializadas para que os astronautas façam seus treinos diários. Um dos exercícios tradicionais é corrida em esteira — cerca de uma hora do regime de exercícios é gasta no equipamento.

Mas além da esteira, os astronautas também têm à disposição um sistema de levantamento de peso e uma máquina de ciclismo.

Outro fenômeno curioso no espaço é a redistribuição dos fluidos corporais. Na Terra, a gravidade mantém os líquidos do corpo predominantemente na parte inferior. No espaço, contudo, essa distribuição muda drasticamente.

Os fluidos se deslocam para a parte superior do corpo, causando o que os astronautas chamam de “moon face” – rostos inchados e mais arredondados. E essa mudança também pressiona os olhos, podendo causar alterações na visão que, em alguns casos, persistem mesmo após o retorno.

“Não tenho nenhum sintoma de nada que possa apontar definitivamente como causado por essa quantidade de tempo no espaço, mas tenho algumas mudanças estruturais e fisiológicas em meus olhos — embora não afetem minha visão”, afirmou o astronauta Scott Kelly em entrevista à BBC.

 

Entre 2015 e 2016, Kelly ficou um ano no espaço, enquanto o seu irmão gêmeo Mark Kelly ficou na Terra.

O astronauta da Nasa Steve Swanson é visto correndo preso por elásticos na esteira da estação. — Foto: NASA
O astronauta da Nasa Steve Swanson é visto correndo preso por elásticos na esteira da estação. — Foto: NASA

Sistema imunológico: desafios invisíveis

 

Mas não são apenas os ossos e músculos que sofrem transformações. O nosso sistema imunológico também é afetado durante longas estadias espaciais.

O estresse do ambiente confinado, a exposição à radiação e as alterações nos ritmos corporais podem enfraquecer as defesas naturais do organismo, tornando os astronautas mais vulneráveis a infecções reativações de vírus latentes.

Por isso, nesses casos, a radiação espacial também representa um desafio importante. Sem a proteção do campo magnético terrestre, os astronautas ficam expostos a níveis elevados de radiação cósmica, o que aumenta os riscos a longo prazo de desenvolverem câncer e doenças degenerativas.

Aliado a isso, o sono também é frequentemente comprometido. A ausência do ciclo natural de dia e noite, combinada com o espaço limitado e os ruídos constantes dos equipamentos da estação, dificulta um descanso adequado.

Por causa disso, muitos astronautas dependem de medicamentos para conseguir dormir bem durante as missões.

“As viagens espaciais expõem as pessoas a um ambiente bastante diferente, apresentando uma série de desafios fisiológicos e psicológicos, especialmente com exposição prolongada” explica Afshin Beheshti, diretor do Centro de Biomedicina Espacial da Universidade de Pittsburgh, em entrevista à agência Reuters.

Como é a volta à Terra — Foto: Arte/g1
Como é a volta à Terra — Foto: Arte/g1

Reaprendendo a viver com a gravidade

 

Não bastasse todos esses desafios em órbita, para Williams e Wilmore, os primeiros dias aqui na Terra também serão particularmente desafiadores. Após nove meses em microgravidade, seus corpos precisarão reaprender a funcionar sob a influência da gravidade terrestre.

Nos momentos iniciais após o pouso, os astronautas geralmente precisam de apoio físico para se manterem em pé.

Isso acontece porque o nosso corpo, acostumado com a ausência de gravidade, perde temporariamente a capacidade de coordenar movimentos e manter o equilíbrio. A tontura e o enjoo são sintomas comuns nessa fase inicial.

De modo geral, a recuperação física completa segue um cronograma rigoroso de aproximadamente 45 dias, com exercícios diários específicos para recuperar força e resistência.

O astronauta da Nasa Frank Rubio é visto sendo carregado após voltar à Terra em 27 de setembro de 2023, depois de 371 dias no espaço – a missão mais longa de um norte-americano. — Foto: NASA/Bill Ingalls
O astronauta da Nasa Frank Rubio é visto sendo carregado após voltar à Terra em 27 de setembro de 2023, depois de 371 dias no espaço – a missão mais longa de um norte-americano. — Foto: NASA/Bill Ingalls

Durante esse período, uma equipe médica especializada monitora constantemente o progresso e ajusta os protocolos conforme necessário.

“É como aprender a andar novamente”, comentou Kelly após sua missão no espaço. “Seu cérebro sabe o que fazer, mas seu corpo simplesmente não responde como você espera.”

 

Um dado preocupante, porém, é que cerca de 92% dos astronautas sofrem algum tipo de lesão após o retorno à Terra, sendo que metade delas ocorre no primeiro ano.

As mais comuns são: distensões e torções musculares (59%), lesões em tendões (20%)fraturas (16%) e problemas relacionados à baixa densidade óssea (5%).

Entenda como será o retorno dos astronautas ‘presos’

 

Ao todo, Suni Williams e Butch Wilmore, passaram 287 dias na ISS devido a problemas técnicos na cápsula Starliner. A principal preocupação era que a Starliner não conseguisse alcançar o impulso necessário para sair da órbita e iniciar sua descida à Terra.

Com o retorno adiado indefinidamente, a solução foi embarcar na cápsula Dragon Freedom, da SpaceX. A bordo também estão os astronautas Nick Hague e o cosmonauta russo Aleksandr Gorbunov, que fazem parte missão Crew-9.

O trajeto inclui várias fases críticas: o desacoplamento da estação, uma série de manobras orbitais para posicionar a cápsula corretamente, a queima de reentrada que desacelera a cápsula, e finalmente a descida controlada até o oceano usando paraquedas.

Os astronautas da Crew-9 posam na Estação Espacial Internacional. À esquerda, Butch Wilmore e Suni Williams, que estão há nove meses no espaço. Com eles, Nick Hague e o cosmonauta Aleksandr Gorbunov. — Foto: Nasa
Os astronautas da Crew-9 posam na Estação Espacial Internacional. À esquerda, Butch Wilmore e Suni Williams, que estão há nove meses no espaço. Com eles, Nick Hague e o cosmonauta Aleksandr Gorbunov. — Foto: Nasa

Após a amerissagem (pouso na água), equipes de recuperação estarão prontas para resgatar os astronautas e a cápsula, finalizando assim a missão que manteve Wilmore e Williams no espaço por muito além do tempo inicialmente previsto.

No domingo (16), após avaliar as condições meteorológicas na costa da Flórida, onde a cápsula deve pousar, equipes da agência espacial e da SpaceX decidiram antecipar o retorno da tripulação.

“As previsões indicam condições favoráveis para terça-feira à noite, oferecendo uma janela de oportunidade antes da chegada de condições climáticas menos favoráveis previstas para o final da semana”, informou a agência.

 

O local exato da amerissagem, contudo, será confirmado mais próximo do horário de retorno.

A Crew-9 voltaria à Terra na quarta-feira (19), mas a agência decidiu antecipar a operação em um dia para facilitar a troca de tripulação na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) e evitar o mau tempo esperado para a semana.

A cápsula Dragon Freedom, da SpaceX, se aproxima da Estação Espacial Internacional com o astronauta da Nasa Nick Hague e o cosmonauta da Roscosmos Aleksandr Gorbunov. — Foto: Nasa
A cápsula Dragon Freedom, da SpaceX, se aproxima da Estação Espacial Internacional com o astronauta da Nasa Nick Hague e o cosmonauta da Roscosmos Aleksandr Gorbunov. — Foto: Nasa

No domingo, como parte da missão Crew-10, a cápsula Dragon Endurance, também da SpaceX, chegou à ISS após uma viagem de aproximadamente 29 horas.

A missão é comandada pela astronauta norte-americana Anne McClain, com Nichole Ayers como piloto, além do japonês Takuya Onishi e do cosmonauta russo Kirill Peskov como especialistas. Eles substituíram a atual tripulação da Crew-9.

Este período de sobreposição é padrão nas operações da estação espacial, garantindo uma transição suave das responsabilidades entre as equipes.

Inicialmente, a SpaceX planejava construir uma nova cápsula Dragon para a missão Crew-10, com lançamento previsto para fevereiro.

Contudo, atrasos na fabricação, possivelmente combinados com pressão política – evidenciada em publicações do presidente Donald Trump e do CEO da SpaceX, Elon Musk, sobre os astronautas “presos” no espaço – levaram a Nasa a reatribuir a missão para uma Dragon que pudesse estar pronta para voar mais cedo.

A saga da dupla

 

A cápsula Starliner da Boeing é vista acoplando à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). — Foto: Nasa
A cápsula Starliner da Boeing é vista acoplando à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). — Foto: Nasa

Os astronautas deveriam ter retornado em junho de 2024 na cápsula Starliner da Boeing. Após problemas, a Nasa decidiu retornar a cápsula vazia e reposicionar os astronautas para uma missão com a SpaceX neste ano.

Mas a SpaceX também enfrentou atrasos. O lançamento da nova cápsula que viabilizaria o retorno de Butch e Suni, preparada para substituir a anterior, teve que ser adiado devido a ajustes técnicos, o que prolongou ainda mais a missão dos dois.

Com isso, devido a esses atrasos na produção da cápsula da SpaceX, a equipe de gerenciamento da missão decidiu usar uma cápsula Dragon Endurance, utilizada previamente em diversas missões à ISS.

A decisão da volta pela SpaceX foi tomada pela Nasa e discutida com a Boeing. A escolha da agência pela SpaceX para trazer os astronautas de volta é uma das mais importantes nos últimos anos.

Há dez anos, a Nasa encomendou uma nova cápsula à Boeing e outra à SpaceX para transportar seus astronautas até à ISS. Com dois veículos disponíveis, haveria uma solução viável em caso de problemas em um deles, mas a empresa do magnata Elon Musk prevaleceu sobre a Boeing.

(Fonte:G1)

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