Aplicativos de sexo “aposentam” bordéis tradicionais em Marabá

Chicona. Cabaré do Deri. Cabaré da Luciana. Cabaré da Tia Chica. Portão de Ferro. Cheiro Verde. Cabaré do Wellington. Cabaré do Chicão. Pé de Caju. Cabaré da Marluce. Cabaré da Fabrícia. Esses são alguns dos nomes de bordéis que fecharam em Marabá nos últimos anos, grande parte deles por falta de interesse dos clientes e – também – das meninas que eram oferecidas nesses locais. Os dois grupos acabaram migrando para as plataformas digitais, mas não eliminaram a figura do intermediário.

O Capixaba, no núcleo Cidade Novam, é praticamente o único que ainda resiste neste ramo em Marabá.

Nos cabarés tradicionais, o dono da casa ganha um percentual considerável por oferecer as garotas e fatura mais ainda com a venda de bebidas. Agora, os sites e aplicativos são os novos cafetões, que também ganham uma parcela de dinheiro no serviço de intermediação de sexo.

Em Marabá, a plataforma mais buscada é a fatalmodel.com, que oferece mulheres, homens e trans, com sexo físico ou por webcam que variam de R$ 80,00 até R$ 500,00 por hora de programa.

A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho traz em sua listagem a ocupação “Profissional do Sexo” como sinônimos: garota de programa, garoto de programa, meretriz, messalina, michê, mulher da vida, prostituta e trabalhador do sexo. Ou seja, a prostituição é reconhecida pelo Governo como uma forma de trabalho.

Com o ganho mais fácil e “autônomo”, as garotas e garotos decidem onde e quando querem trabalhar. A plataforma oferece o perfil de cada “produto” com fotos, vídeos e o perfil completo.

O padrão self-service de sexo na era digital permite que cliente e o acompanhante se conectem, marquem o local e hora para um atendimento personalizado.

Durante três anos, uma equipe de quatro jornalistas do CORREIO conversou e acompanhou meninas e meninos que ganham dinheiro “facilmente” com a plataforma Fatal Model de Marabá e Parauapebas. Mas também ouvimos homens que procuram o serviço em busca de uma experiência sem compromisso e, ao mesmo tempo, diferente da que costumam ter em casa. Sim, a grande maioria é casada, segundo o que as garotas informaram à Reportagem.

A Fatal Model é uma empresa gaúcha que já patrocina clubes como Paysandu, Ponte Preta, Vitória, Amazonas e Vila Nova. Em 2024, o site divulgou um faturamento de R$ 100 milhões, e iniciou um processo de internacionalização em Londres.

A Fatal Model se define como “o maior site de acompanhantes do Brasil”. Desde 2016, a plataforma afirma conectar pessoas interessadas em comprar a profissionais dispostos a vender “experiências inesquecíveis” – de performances eróticas por webcam a relações sexuais de fato.

Com oito anos de estrada, a empresa tem números pujantes para mostrar: 3 milhões de clientes, 50 mil anunciantes ativos e faturamento de R$ 70 milhões em 2023. Tudo embalado em um discurso de valorização de profissionais desse segmento, “focando em segurança e empoderamento”.

Hotéis viram motéis para receber “meninas do job”

 

Com os bordéis em declínio em Marabá, o negócio de “acompanhantes de luxo” cresceu tanto que os ambientes em que as relações sexuais acontecem agora são variados.

Os rapazes, geralmente, aceitam sair para motel ou atendem em casa mesmo. Já as garotas têm outro perfil. Uma pequena parte atende em “local próprio”, ou seja, a própria residência, raras aceitam ir para motel, enquanto a maior parcela está hospedada em hotéis.

E a quantidade de hotéis em Marabá que recebem as “meninas do job” é surpreendente. Às proximidades da Rodoviária da Folha 32 há pelo menos seis deles que abriram as portas para elas e permitem que recebam clientes de forma discreta ao longo do dia e da noite.

A reportagem do CORREIO agendou conversa com seis meninas em dias diferentes e quando chegamos à recepção a senha era apenas o nome da mulher e o número do quarto. Terminado o “serviço”, os clientes vão embora e a moça fica com o dinheiro. “Recebo entre quatro a seis clientes por dia. O valor do hotel, R$ 150 a diária, eu pago facilmente, compro comida e ainda sobre o suficiente para guardar na minha caixinha no Nubank”, narrou Mariel Fernanda, que é de Belém e passava uma temporada de 15 dias em Marabá e mais 15 em Parauapebas.

Ruivinha fica sempre em hotel da Folha 32 quando vem a Marabá para job de uma semana

Tainá Dias, de 23 anos, é do Ceará e ganha a vida viajando como garota de programa entre o Nordeste e Norte. Em fevereiro deste ano, passava sua segunda temporada em Marabá, cidade que soube que circulava muito dinheiro. Suas fotos na Fatal Model são performáticas e chamam bastante atenção. Pessoalmente, é bonita também, tem sotaque nordestino e aceitou a conversa com a Reportagem do CORREIO porque não é da cidade.

Ela conta que ficar em hotéis é muito mais seguro porque os homens, em geral, não tentam fazer nada contra a vida da outra pessoa, porque seriam facilmente reconhecidos. “É um ambiente prático, limpo e seguro. Além de ter uma certa discrição para os clientes, porque a maioria, a imensa maioria, é casado. Alguns querem mais conversar, desabafar, ser ouvido”, revela.

No Núcleo Cidade Nova há também alguns hotéis que recebem “garotas do job”. O padrão é o mesmo e basta chegar, informar apenas o número do quarto previamente repassado por ela para que o cliente entre sem precisar se identificar. “É um negócio bom para os três lados. Todos ganham”, diz Alexssandra Clauss, de Parauapebas, que veio “conhecer” a clientela da cidade vizinha durante uma semana.

Ela revela que todas as colegas de outras cidades são unânimes em informar que os homens de Parauapebas procuraram mais esse serviço do que em Marabá.

O “corre” dos garotos que se vendem por apps em Marabá

 

Na era digital, as fronteiras da intimidade se expandem, moldando novas formas de conexão. No Brasil, um fenômeno em ascensão ganha destaque: a prostituição online masculina. À medida que a sociedade mergulha nos meandros da tecnologia, a busca por serviços sexuais encontra um novo palco na web, levantando questões sobre legalidade, segurança e bem-estar.

A reportagem desvenda como acontece a prostituição de homens cisgêneros em Marabá, no ambiente digital que posteriormente ocupam locais físicos, como hotéis e motéis. Interagimos com diversos garotos de programa do site FatalModel.com e dentre tantos que anunciam seus serviços através da plataforma, apenas dois aceitaram falar de suas experiências.

*Cisgênero é a designação para pessoas que se identificam com seu sexo biológico de nascimento, ou seja, homem cisgênero é uma pessoa com órgãos genitais masculinos que se identifica como homem.

SEXO A APENAS UM CLIQUE

Foi-se o tempo em que só era possível contratar garotos de programa procurando em ruas específicas. Com a popularização da internet e a insegurança crescente em Marabá, boa parte dos profissionais migrou para o meio virtual para marcar seus encontros.

Ao pesquisar no Google por “acompanhantes masculinos Marabá” ou “garotos de programa Marabá”, inúmeros sites com perfis de profissionais do sexo masculino são exibidos. Desde sites com anúncios pagos a sites gratuitos. Há guias extensos com contatos de homens que fazem sexo tarifado. Tudo isso com fotos que exibem todas as partes do corpo destes homens, inclusive o órgão genital.

Com fotos do corpo e escondendo o rosto na Fatal Model, Kaleo* foi o primeiro a ser contatado. Em seu anúncio, ele diz cobrar R$ 150 a hora. Veja bem, é que os 26 milhões de acompanhantes precisam informar o valor a ser cobrado, como uma espécie de propaganda aos milhares que acessam o site anualmente. Somente em 2020, foram 275 milhões de acessos.

Além do preço, os usuários também informam o gênero das pessoas com quem estão dispostos a se relacionar. Kaleo, um homem cisgênero heterossexual, só atende mulheres e casais. Aos 22 anos – outra informação que também aparece em seu perfil – ele é muito receptivo ao ser contatado pela reportagem através do número disponível no site.

Ao saber que a conversa se tratava de algo que ele definitivamente não estava esperando, se mostrou curioso em saber se teria que divulgar seu nome real. Muitos dos usuários optam por se apresentar com um nome diferente do nascimento, para preservar a própria identidade. Motivo pelo qual também não usam fotos do rosto. Sigilo é algo que, tanto o acompanhante quanto quem contrata os serviços, prezam.

“Com certeza. Sem problemas! Será um prazer contribuir para a sua matéria”, ele responde após saber o porquê foi contatado. Logo de cara, ele diz ser paraense, embora não tenha residência fixa. Explica que o ramo em que trabalha desde 2018, o permite viajar para várias regiões do país, como o Centro-oeste, por exemplo, onde tem ficado por alguns meses para atendimentos.

A primeira pergunta feita a ele é algo que rende curiosidade em todos. O motivo pelo qual teria adentrado este universo. Por meio de um áudio, Kaleo explica que esse tipo de ofício é mais vantajoso, em sua opinião. Ele tem a oportunidade de fazer o próprio horário, algo que o regime “CLT” não permite.

O jovem chega a brincar e dizer que sente muito por quem trabalha 8 horas por dia.

Dos três homens entrevistados, Kaleo foi o único que não se importou em mostrar uma foto do rosto. Lábios grossos, pele pardo, cabelos escuros, corpo malhado e uma altura mediana. É assim que ele pode ser descrito.

A respeito de sua trajetória, da qual parece não ter vergonha, ele relembra que a primeira vez que se submeteu ao ofício do sexo remunerado, foi aos 17 anos: “Antes mesmo de começar os atendimentos, já haviam me oferecido. Isso partiu de outras pessoas que, por conta da minha aparência e o interesse em pagar por sexo, sugeriram isso”, diz, com um ar de confiança que transcende a tela do celular.

Um ponto levantado por ele foi que, apesar da exclusividade em atender mulheres e realizar fetiches de sexo a três com casais, seu físico também chama atenção de homossexuais que, por vezes, chegam a insistir para que Kaleo os atenda.

Além de ir a motéis e hotéis para encontrar clientes, ele afirma receber muitas propostas de viagens e festas. Pontua que como se veste bem, porta e conversa é sua maior aliada, fazendo com que as mulheres o prefiram dentre muitos outros para levar a locais públicos.

Questionado sobre essa exposição, ele responde que existe uma seleção de clientes por sua parte. Kaleo diz que seu público-alvo são mulheres com “trabalhos renomados” como diretoras de empresas, advogadas, engenheiras, entre outras.

Mas, isso não parece impedir que surja situações delicadas: “Certa vez, uma mulher com quem sai teve um início de overdose durante o nosso atendimento. É comum que as pessoas usem drogas durante e ela exagerou. Felizmente não chegou a morrer, mas ficou hospitalizada e bastante debilitada por um tempo. Foi uma das únicas com quem mantive contato para saber do estado de saúde”, relata.

Garotos não ganham tanto quanto as mulheres em Marabá, mas garantem prazer às clientes

NÃO HÁ PADRÕES

Ao final da entrevista, Kaleo fala que não passa necessidade e nem faz isso porque foi abusado ou coisa parecida. Foi uma escolha feita pelo jovem. Uma forma de ganhar a vida.

Mas, nem todos os usuários estão ali pelas mesmas razões. Esteban*, de 24 anos, surpreende ao dizer que vive em um relacionamento e optou por ser acompanhante porque une o útil ao agradável. Expressão usada por ele.

O jovem afirma que começou os atendimentos em outros sites há dois anos, também conhecido, sexlog.com: “Fui conhecendo pessoas, me aprimorando e conforme o tempo fui me adaptando. Muitos optaram por pagar para manter o sigilo e isso me fez investir no ramo”, conta.

Heterossexual, Esteban diz que seu público-alvo são mulheres entre 35 a 40 anos. Nunca atendeu mulheres mais novas e, por mais que não seja sua intenção principal com o ofício, os atendimentos lhe rendem uma média de R$ 1 mil por semana. No site, o valor que aparece é de R$ 150 por hora.

“Trabalho com manipulação de alimentos e cursos profissionalizantes”, responde ao ser questionado se possui outra função.

Um fato curioso é que, nem sempre os atendimentos culminam em sexo. Como em algumas situações em que, se quer, precisou tirar a roupa. Ele exemplifica relatando a vez em que uma mulher solicitou uma hora para desabafar e receber uma massagem sua. O jovem tem clientes fixas em Marabá. Segundo ele, duas são casadas e quatro são solteiras.

Esteban vive uma “vida dupla”. Ele prefere que os atendimentos que faz, sejam sigilosos. Inclusive, mostrou preocupação com o fato de ter a identidade exposta. Também pede para que sua foto, mesmo que só de corpo, não seja divulgada. Segundo o jovem, ser discreto o ajuda com seu público na mesma medida que proporciona a confidencialidade que necessita.

“Nunca tive problemas fazendo os atendimentos, mas evito entrar em carros com casal ou mulheres, pois além de colocar minha vida em risco, é passível de algum marido ou namorado tirar satisfações”, explica.

*Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados

(Thays Araujo e Ulisses Pompeu)

ENTREVISTA

Lições de uma garota de programa em Marabá

Para entender melhor o universo das acompanhantes de luxo, conversamos com Mariana (nome fictício), que trabalha na área há alguns anos e utiliza a plataforma Fatal Model para divulgar seus serviços. Na entrevista, ela fala sobre sua rotina, desafios da profissão e quebra estereótipos sobre o trabalho sexual:

 

Garotas de programa sumiram das ruas em Marabá e agora atendem clientes por aplicativo

 

Repórter: Você pode nos contar um pouco sobre como começou na profissão de acompanhante de luxo?

Mariana: Claro! Eu comecei há cerca de três anos, quando ainda estava na faculdade. No início, era mais uma forma de complementar minha renda, mas, com o tempo, percebi que podia fazer disso uma carreira. Sempre gostei de sedução e do poder que o meu corpo me dá, então foi um caminho natural para mim.

Repórter: O que te levou a escolher a Fatal Model como plataforma para divulgar seu trabalho?

Mariana: Eu já tinha ouvido falar da plataforma por outras meninas e decidi testar. O site me dá mais autonomia para gerenciar minha agenda, definir meus próprios valores e selecionar os clientes com quem quero me encontrar. Além disso, há um certo nível de verificação que traz um pouco mais de segurança para nós.

 

Repórter: Como é a sua rotina de trabalho? Você tem um horário fixo?

Mariana: Não tenho um horário fixo, e essa é uma das vantagens do meu trabalho. Eu escolho os dias e horários em que estou disponível. Alguns dias, atendo mais cedo, outros à noite, dependendo da minha agenda e do meu estado de espírito. Mas sempre tiro um tempo para mim, para cuidar da saúde e da aparência, que são essenciais na minha profissão.

Repórter: Existe um perfil específico de clientes que você atende?

Mariana: Atendo homens, casais e, às vezes, até mulheres. Mas, no geral, meu público é composto por empresários, profissionais liberais e até algumas figuras públicas. Muitos deles buscam discrição e um momento de relaxamento sem compromisso emocional.

 

Repórter: Você já enfrentou preconceito por conta da sua profissão?

Mariana: Sim, muitas vezes. As pessoas ainda têm uma visão estereotipada do trabalho sexual, como se toda acompanhante fosse vítima de exploração ou não tivesse outras opções. Mas, no meu caso, eu escolhi esse caminho e me sinto muito bem com isso. Tenho total autonomia sobre meu corpo, minha rotina e minhas finanças. O que faço não define meu caráter nem minha inteligência.

Mariana: E em relação à segurança? Você toma precauções especiais?

Mariana: Sim, sempre. Antes de encontrar um cliente, converso bastante para entender seu perfil, faço chamadas de vídeo quando necessário e, em alguns casos, exijo referências. Também sempre aviso uma amiga sobre onde estou e combino códigos de segurança. Fora isso, escolho hotéis e locais que me proporcionem mais tranquilidade.

 

Repórter: Existe algum mito sobre as acompanhantes que você gostaria de desconstruir?

Mariana: Sim! O primeiro é que somos todas infelizes ou obrigadas a fazer isso. Conheço muitas mulheres que são independentes, felizes e que vivem muito bem com esse trabalho. Outro mito é que todas fazem tudo pelo dinheiro – claro que é um trabalho, mas muitas de nós também gostam da experiência, do jogo de sedução e da troca de energia com os clientes.

Repórter: Você tem planos para o futuro? Pretende continuar na profissão?

Mariana: Por enquanto, sim. Eu gosto da liberdade que essa profissão me dá. Mas também invisto meu dinheiro e penso no futuro. Quero abrir um negócio próprio em alguns anos, mas sem pressa. Enquanto estiver me sentindo bem e segura, continuo.

 

Repórter: Para finalizar, que conselho você daria para alguém que quer começar nessa profissão?

Mariana: Estude muito antes de entrar! Não é só sobre sexo, é sobre inteligência emocional, segurança e marketing pessoal. Escolha bem seus clientes, tenha uma rede de apoio e, acima de tudo, saiba impor seus limites.

(Ulisses Pompeu)

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