Covid: a luta de uma mãe que sofre com sequelas da doença

Já pensou não sentir mais o cheiro da comida no fogo, de seu perfume favorito ou não conhecer o cheiro do seu próprio bebê? Essa é a dura realidade da dona de casa, Driely Checcucci, de 35 anos, que perdeu seu olfato após pegar Covid-19 ainda no primeiro ano de pandemia. Na época, Driely perdeu o olfato e o paladar e, quando não conseguiu voltar a sentir cheiros, nada mais foi como antes.Ela conta que teve a doença logo no final da gestação de sua segunda filha, com sintomas de coriza, dor de cabeça e febre, mas acreditou que se tratava apenas de uma gripe, justamente pelo cuidado redobrado que teve diante de sua gravidez. No entanto, com a persistência dos sintomas, Driely fez um teste logo antes de ir ao hospital para o parto, contudo, deu negativo.

“Quando eu cheguei na maternidade, estava com teste negativo, porém também continuava com sintomas. Quando eu tive minha filha, peguei ela normal no hospital”.Driely relata que o momento em que percebeu que realmente poderia estar com Covid-19, foi quando chegou em casa da maternidade. Sua mãe estava preparando uma sopa e outras pessoas que estavam no local afirmaram que o cheiro estava muito bom, mas ela não sentia nada.”No dia em que cheguei em casa, minha mãe estava preparando uma sopa para mim, e o pessoal elogiou. Mas, eu só pensava: ‘Não estou sentindo nada’. Fui até a cozinha, tomei a sopa e percebi que não estava sentindo o sabor. Falei: ‘Gente, não tô sentindo o gosto, nem o cheiro’. Na hora, todo mundo pegou minha filha mais nova, Maria Cecília, no colo e disse: ‘Você não pode ficar com ela, isso pode ser covid’. Eu respondi: ‘Não, acabei de fazer o teste e deu negativo’”, relatou.

Após dois meses, seu paladar voltou, mas o olfato ainda não se recuperou até hoje.

Impactos no dia-a-diaSegundo Driely, sua vida nunca mais foi a mesma após o sintoma permanente, afetando completamente sua dinâmica como mãe e dona de casa: “Por muitas vezes eu vou fazer comida e sou surpreendida com pessoas batendo em minha porta para dizer que a comida está queimando porque simplesmente não senti o cheiro. Então prejudica muito o meu dia-a-dia”.Além disso, ela detalha que por ter uma filha pequena isso também impacta muito na vida dela com a mãe, e que para ela pior do que sentir cheiros bons é não sentir odores, já que muitas vezes ela está com uma fralda suja e ela não consegue perceber o mau cheiro.“Muitas vezes, coloco a fralda usada no lixo do banheiro, e aí alguém comenta que está sentindo um mau cheiro na minha casa. Eu corro para retirar, porque, como não me incomoda, não tenho ideia do que os outros estão sentindo. Muitas vezes, minha casa está fedendo, ou eu estou fedendo, ou até minhas filhas, e eu não percebo. Isso é terrível. Estar em um ambiente onde o cheiro não é agradável, ou até está bom e eu não sinto nada, é uma sensação muito ruim. É realmente muito desconfortável.”Drielly dasabafa que algo que ela sempre gostou foi de usar perfume, porém, hoje em dia, a experiência não é nem de longe a mesma. Tendo que recorrer às mesmas linhas que usava antes por saber que o cheiro a agrada.

|  Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Meus perfumes não fazem diferença para mim. Eu só uso os mesmos perfumes porque eu não sei se vai ser um cheiro que me agrada, se é muito doce, ou muito amadeirado

Ela também afirma que por conta disso, muitas vezes recorre ao paladar para saber se a comida vai estar azeda. “Como eu não tenho olfato, recorro ao paladar. Então sempre procuro experimentar tudo antes de dar qualquer coisa a elas”, relata.Ela nunca sentiu o cheiro da filhaAinda segundo Driely, o período em que o sintoma se manifestou é algo que a deixa muito triste, já que ela nunca teve a oportunidade de sentir o cheiro de sua própria filha. “Eu nunca senti o cheiro de Maria Cecília. Comprei aquelas linhas de perfume para bebê e nos primeiros banhos ficava desesperada porque não sentia. Eu acho lindo quando a bebê é cheirosa e você quer pegar, agarrar e eu achava que minha filha não era por nunca ter conseguido sentir”.Sua memória já não é mais a mesmaAlém de afetar seu olfato, a Covid-19 também comprometeu a memória de Driely, fazendo com que ela esquecesse tanto de coisas pequenas quanto importantes, como não responder mensagens no aplicativo ou deixar a comida no fogo.“Minha memória também não é mais a mesma. Eu converso com a pessoa aqui agora, se você disser assim: ‘Driely, o que foi que a gente estava conversando pontualmente?’ Eu não vou saber, não vou lembrar pontualmente o que você falou ou o que eu falei. Eu vou lembrar algumas coisas que a gente conversou, mas pontualmente alguns assuntos eu não consigo lembrar”.Ela contou ainda uma situação em que sua memória a enganou e a deixou muito constrangida: sua filha iria fazer uma cirurgia no quadril e estava realizando vários exames. Para isso, ela precisaria buscar os resultados em uma clínica. No entanto, ao chegar no local, lhe disseram que não havia nada registrado lá. Foi quando ela percebeu que havia ido à clínica errada.“Minha mente está assim. Eu esqueço as coisas, eu esqueço de ligar, eu esqueço de dar retorno às pessoas. Eu abro o WhatsApp, leio a mensagem, mas se eu fizer qualquer outra coisa, eu esqueço de voltar para responder”, desabafou Driely.Falta de cuidadosDurante esse processo, Drielly conta que nunca perdeu a esperança de que um dia seu olfato voltará ao normal. Contudo, nunca procurou ajuda médica para isso. Ela explica que por ser mãe de duas crianças e uma delas sendo atípica, ser mãe leva todo o seu tempo, o que faz com que muitas vezes os cuidados com sua própria saúde fiquem em segundo plano.

|  Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

“Quando a gente é mãe abre mão do cuidado da gente para cuidar das crianças. Meu cuidado é totalmente voltado para minhas filhas. Sei que preciso fazer essa consulta, mas ainda não consegui”.

Pesquisando, Drielly conta que descobriu algumas dicas de pessoas que passaram pelo mesmo e conseguiram recuperar. “Vi várias opções que eu poderia estar fazendo, como terapia, cheirando café, cravo ou perfumes fortes. Eu faço isso sempre, mas até então, não tive nenhum resultado, nem de longe”.O que dizem especialistasO médico infectologista Adriano Oliveira, que esteve na linha de frente durante o período de pandemia da covid-19, afirmou que a perda de olfato e paladar é comum entre as pessoas que tiveram a doença e frequentemente alguns dos pacientes não apresentam a recuperação completa desses sentidos.“Alguns pacientes podem ficar durante meses a anos com perda da capacidade de perceber determinados odores, podem ter uma alteração no tipo de percepção, então sentir um odor como se fosse outro. A mesma coisa acontece com os sabores, pode ter uma perda global, como pode também ter uma tendência a sentir determinados sabores, outros não, ou confundir uns com os outros”.“Existe inclusive aquilo que a gente chama de perversão do sentido, tanto do olfato quanto do paladar, onde o indivíduo sente sabor, sabores e odores desagradáveis na presença de outros cheiros e sabores, então virtualmente qualquer alteração pode acontecer”, completou.Segundo especialistas, a maioria das pessoas recupera o olfato normalmente com o tempo. No entanto, para aqueles em que isso não acontece, a situação se torna mais complexa, já que, devido à recente natureza da doença, ainda não existem estudos suficientes sobre o tema.Veja entrevista:

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