Iniciativas ampliam acolhimento para alunos neurodivergentes

Desde que foi instituída, em dezembro de 2012, a Lei do Autismo vem sofrendo adaptações para tentar assegurar os direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A mudança mais recente foi proposta pelo senador Mecias de Jesus, autor de projeto que quer garantir a distribuição de protetores de ouvidos gratuitos nas escolas públicas e privadas para alunos com hipersensibilidade auditiva. O PL foi apresentado no início do mês e segue em tramitação no senado. Na defesa do projeto, o senador afirmou que a medida simples pode transformar a experiência educacional de milhares de estudantes autistas. “Estamos trabalhando para garantir que cada um deles tenha condições adequadas para aprender e se desenvolver da melhor forma possível”, disse o político, lembrando que o ruído excessivo no ambiente escolar pode causar crises de ansiedade e comprometer o aprendizado. Caso seja aprovada, a determinação vai se juntar a várias outras, que têm desafiado gestores, educadores e pais, como destaca Alexandre Fontoura, coordenador de Educação Especial da Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC). Ele explica que a educação especial na rede estadual, que recebe alunos a partir do ensino fundamental, não se volta apenas para as pessoas neurodivergentes – grupo que inclui autistas, disléxicos e pessoas com TDAH e Síndrome de Down, entre outros. “No caso dos autistas, nem todos vão usar abafadores, pois cada um deles tem uma necessidade”, relativiza Alexandre, acrescentando que o olhar precisa ser individualizado. Ao ingressar na escola, cada aluno com necessidade especial vai receber um Plano de Desenvolvimento Individual (PDI), elaborado pelos professores, que leva em conta pontos como a dificuldade de socialização, se consegue ou não acompanhar o currículo, se tem restrições alimentares ou se precisa de suporte para atividades básicas, como ir ao banheiro e se deslocar. “O papel da escola é estimular para que eles tenham autonomia, pois a gente tem de se afastar deste modelo médico, essa não é a nossa função. Essa é nossa maior dificuldade, separar o que é saúde e o que é educação”, pondera. Desafios Atualmente, o estado possui 22,3 mil alunos com alguma necessidade especial, sendo 3,6 mil deles autistas. Em Salvador são 1,4 mil alunos. O atendimento conta com as Salas de Recursos Multifuncionais e professores direcionados para o Atendimento Educacional Especializado (AEE). Segundo Alexandre, um dos desafios é encontrar profissionais habilitados para assumir as Salas Multifuncionais, que recebem alunos no contraturno das aulas e é onde eles têm uma atenção voltada para suas necessidades específicas.“Temos parceria com o Instituto Anísio Teixeira e com as universidades públicas do estado e os professores têm procurado muito estes cursos de formação, pois o número de alunos tem crescido”, informa Alexandre. Esse ano foi realizada uma seleção, via Reda, para contratação de 1,6 mil profissionais de apoio. Atuando há pouco mais de um ano como coordenador, Alexandre, que é pedagogo, acredita que a educação inclusiva deu um salto nestes 10 anos da Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, mas que ainda há muito a se fazer, inclusive melhorar a relação com as redes municipais e particulares.“A escola não pode se negar a matricular o aluno. Caso ela não tenha a estrutura, nós é que temos de nos adaptar e providenciá-la. Então, as escolas só vão estar prontas quando os alunos chegarem”, garante Alexandre, que também destaca o importante papel das famílias na fiscalização das escolas e no acompanhamento dos alunos.Referência O professor de português e inglês Adelmário Sena foi um dos profissionais que correu em busca de uma formação especializada em educação inclusiva. Também tem formação em psicopedagogia e em libras. Com 30 anos dedicados ao ensino, ele casa interesses profissionais e pessoais, pois é pai do jovem Samuel Sena, de 17 anos, que é autista nivel 1 de suporte e estuda no Colégio Estadual Satélite, onde Adelmário trabalha. “É um trabalho que exige uma interdisciplinaridade para ajudar o aluno atípico a se adaptar”, afirma o docente, citando o exemplo de um aluno, na última quarta, que estava muito agitado e ele avaliou que era melhor mandá-lo para casa para evitar uma crise. O Satélite é um dos colégios públicos referenciais na educação especial em Salvador, possui recursos como duas salas multifuncionais, oito professores especializados em AEE, rampas de acesso e piscina. Do total de 615 alunos, 120 são PCDs, sendo vinte novatos. “Os outros alunos vão criando uma certa expertise nesse convívio e a interação social se dá de forma bem orgânica”, afirma Adelmário, que tranquiliza os pais que ainda têm medo dessa interação. “Aqui eles vão ter uma equipe à disposição. Diria para os pais que é muito importante trazer seus filhos para o contato social”, aconselha. Mãe da estudante Vitória Maria Mota Oliva, de 20 anos, Vanute sabe bem disso. Ela conta que a filha, que tem Síndrome de Down, está bem adaptada ao Satélite, onde estuda desde o sexto ano. “Tentamos algumas escolas particulares, mas avaliamos que Vitória não estava tendo um bom acompanhamento e não estava fazendo progressos”, diz Vanute, que conseguiu referências através da Apae, onde a jovem estudou. “Temos bastante suporte e espaço para questionar as coisas que não gostamos”, afirma, acrescentamos que a filha cresceu muito, sobretudo na interação social. Vitória, que estuda em tempo integral, diz que adora frequentar a piscina, a quadra e jogar com os colegas. A blogueirinha, que sonha em conhecer o youtuber Felipe Neto, convida todo mundo a visitar seu canal @downtambempode, onde compartilha sua rotina, inclusive sua animada vida escolar.Projeto leva educação para residências e entidadesO colégio Satélite abriga em Salvador o programa Saradho, uma iniciativa que leva educação aos estudantes com comprometimentos que os impedem a frequência a escola. “É a inclusão em seu grau máximo”, sintetiza a professora hospitalar e domiciliar Ana Mateus. Ela é uma das cinco que se revezam, desde 2021, em visitas ao Lar Vida e ao Lar Fonte da Fraternidade, além de algumas residências.Com formação em biologia, Ana se especializou em Minas Gerais e diz que neste tipo de educação não é apenas o aluno que é atendido. “Acaba envolvendo toda a família, pois são alunos com múltiplas deficiências, com comprometimento intelectual e motor”, explica a professora, acrescentando que lidam com realidades muito distintas: alunos que tinham home care, outros que eram cuidados exclusivamente pelas mães e até aqueles que não têm família, como os que vivem nos lares públicos.“A gente percebe que eles melhoram muito, passam a interagir, sorrir, aprendem a pegar no lápis. É muito importante para o desenvolvimento pessoal, social e ambiental deles e é um direito que muitas pessoas desconhecem”, afirma.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.