Fadiga de Informação: um colapso psíquico na Era Digital

Imagem: Distopia (arquivo Portal Fio do Tempo)
Imagem: Panóptico Digital (arquivo – Portal Fio do Tempo)

Lucio Massafferri Salles*, Pragmatismo Político

Investigada pelo psicólogo inglês, David Lewis, desde 1996 a Síndrome da Fadiga de Informação (SFI) é um fenômeno que reflete os desafios psicológicos impostos pela nossa era digital informatizada.
Trata-se de um estado de esgotamento mental decorrente do excesso de informações, que sobrecarrega funções psíquicas essenciais, como atenção, memória, percepção e afetividade. Esse cansaço acentuado não só compromete a capacidade de processar estímulos, mas também afeta o sono e a vigília, gerando um ciclo vicioso de desgaste físico e mental.
A era do cansaço: quando a produtividade nunca é suficiente
A razão principal desse colapso é o transbordamento de informações que caracteriza nossa sociedade hiperconectada, onde a velocidade e o volume de dados ultrapassam a capacidade humana de absorção e organização de estímulos de linguagem, sejam eles escritos, falados ou imagéticos, mesclados ou não nas mídias da grande rede.
David Lewis não foi o único a se debruçar sobre esse problema. O físico espanhol Alfons Cornella examinou o mesmo fenômeno, batizando-o de “infoxicação” – uma palavra que evidencia a ideia de que o excesso de informação é capaz de intoxicar a mente.
Apesar das abordagens diferentes – Lewis pela Psicologia e Cornella pela Física –, ambos destacam as consequências negativas do verdadeiro bombardeio informacional que experimentamos atualmente.
Sobre isso, penso que deve-se ter cuidado para que a multiplicidade de conceitos e nomenclaturas não acabe servindo para reproduzir o próprio sintoma investigado: um transbordamento de informações que, em vez de esclarecer, acaba confundindo e inchando o conhecimento sobre o assunto. A diversidade de perspectivas é um exercício livre e enriquecedor, mas penso que devem convergir para ações práticas que visem à prevenção e ao cuidado e tratamento dessa afecção psíquica.

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O cansaço da informação está contido na descrição das sociedades de controle psicopolítico, como analisado pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.
Em suas reflexões, Han destaca que a exigência constante de produtividade, conectividade e atualização gera uma pressão insustentável sobre os indivíduos. Essa dinâmica é amplificada pela lógica das redes sociais e dos dispositivos digitais, que nos exortam a estar sempre “ligados” e informados sobre tudo.

O Cansaço da Informação – leitura 16 da série Byung-Chul Han

Nietzsche já havia alertado que humanos não têm estrutura psíquica para suportar exposição contínua a estímulos e informações. A mente necessita de momentos de afastamento, silêncio e repouso – como ocorre no sono e no sonho – para não colapsar diante da realidade, que sempre escapa a qualquer tentativa de apreensão absoluta.
Em um texto chamado “Introdução Teorética Sobre a Verdade e a Mentira no Sentido Extramoral (1873)”, Nietzsche usa uma metáfora impactante para ilustrar essa ideia: o corpo humano tem um véu que o recobre, ocultando a visão direta de seus processos internos, como o fluxo sanguíneo ou o funcionamento dos intestinos. Da mesma forma, a mente precisa de filtros e limites para não ser sobrecarregada pela exposição excessiva à informação. Na verdade, o que sabe o humano dizer completamente sobre si mesmo?
No entanto, na era digital esse véu foi rasgado em prol da ilusão de transparência total. Vivemos em um mundo onde a mais alta tecnologia nos oferece volume, intensidade e velocidade de comunicação sem precedentes. Mas, o uso que fazemos desses recursos apresenta algumas consequências profundamente nocivas.
Nós somos o “Big Brother”
A humanidade parece ter sido lançada ao mar da informação volumosa e veloz sem ter aprendido a nadar. Nos últimos trinta anos, o avanço tecnológico nos colocou diante de um oceano de dados, mas nós não nos equipamos com as habilidades necessárias para navegar por ele de forma equilibrada, saudável. Em vez de desenvolvermos letramento digital eficaz – uma educação que ensine a filtrar, selecionar e processar informações de maneira crítica –, nos contentamos com o “nado de cachorrinho”, que nos mantêm à tona, mas não nos preserva e nem leva a lugar algum. O resultado são milhões de pessoas cada vez mais cansadas, distraídas e incapazes de reter a atenção em diálogos ou memorizar informações relevantes. Só no ano de 2024, aproximadamente 500 mil pessoas foram afastadas do trabalho e das atividades cotidianas devido à desarmonias psíquicas severas, configurando um quadro de crise de saúde mental no Brasil. No ano passado, cerca de 15% das licenças concedidas pelo INSS se deveram por solicitações motivadas por algum tipo de sofrimento psíquico, entre esses a “campeã” depressão..
Crise de saúde mental: Brasil tem maior número de afastamentos por ansiedade e depressão em 10 anos
Enquanto docente, atesto que os jovens são bastante afetados por essa síndrome. A dificuldade de muitos deles em manter o foco em uma conversa, a diminuição da capacidade de memorização e a constante sensação de cansaço mental são sintomas que se tornaram comuns. A situação chegou a um ponto tão crítico que foi necessária a intervenção da Lei para proibir o uso de smartphones em salas de aula, numa tentativa de mitigar os efeitos negativos da hiperconexão e ausência de limites para a prática do descanso.
No entanto, sabemos, medidas punitivas não são suficientes. Jamais uma clássica “guerra às drogas” resolve questões dessa ordem, simplesmente. Considerando que somos seres constituídos de corpo e mente, precisamos ir além do alerta e promover uma reflexão profunda sobre como estamos lidando com a informação e a tecnologia.
A Síndrome da Fadiga de Informação não é apenas um problema individual, mas um sintoma de crise coletiva, psicossocial.
É urgente que desenvolvamos uma nova relação com a informação, baseada no letramento digital, na educação crítica e na conscientização sobre os limites da mente humana. Quem sabe assim possamos colher os frutos da tecnologia sem sucumbir aos excessos.

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*Lucio Massafferri Salles é psicólogo/psicanalista, filósofo, jornalista e professor da rede pública de ensino/RJ. Doutor e mestre em filosofia pela UFRJ, especialista em psicanálise pela USU, realizou o seu estágio de Pós-Doutorado em Filosofia Contemporânea na UERJ. É o criador e responsável pelo canal Portal Fio do Tempo, no YouTube.

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