Pra não dizer que não falei do Oscar e do Carnaval

Com exceção da publicação de fotos ou frases curtas, evito textos longos ou mais elaborados quando do período da folia de Carnaval e também da festa do Oscar, dois eventos na qual sempre me envolvi muito e que este ano se misturaram e de forma coletiva, claro, pela presença de um filme brasileiro, “Ainda estou aqui”, na celebração da indústria do cinema de Hollywood (cada vez mais aberto ao mundo, diga-se). De maneira que a mistura de domingo de folia e Oscar resultou em clima de Copa do Mundo. Mas passada a euforia das duas festas, vamos lá aos meus apontamentos bem pessoais sobre folia e sétima arte.

Primeiro, o Carnaval. No geral, Rio de Janeiro, Salvador e Recife/Olinda mantiveram o pódio de melhores e mais prestigiadas folias momescas do país, atraindo, como sempre, milhares de pessoas e com registros de problemas pequenos em relação ao mundaréu de gente brincando e/ou envolvida. Percebi mais amigos em Recife/Olinda do que nos anos anteriores o que pode significar um leve desprestígio do Carnaval de Natal, o que abordaremos mais à frente., Ainda sobre a questão nacional, merecem menção honrosa os carnavais de São Paulo e Belo Horizonte que, inteligentemente, investem nos blocões e bloquinhos já existentes e de bairro. Registro necessário e emocionante para a última participação de Neguinho da Beija Flor na avenida, despedida com vitória de sua escola e lágrimas.

Registro negativo para a violência policial (pelos vídeos mostrados, quase sempre totalmente desnecessária) contra foliões desarmados e sem oferecer qualquer resistência. Um horror. E, como muita gente percebeu, violência efetuada contra muitos blocos envolvendo pessoas pretas, periféricas e/ou LGBTQUIA+. Em pelo menos três vídeos que recebi, PMs começaram agressões após os foliões gritaram “Prisão para Bolsonaro” e “Sem anistia”. Um sinal de alerta para o descontrole e atuação política das polícias militares.

Em Natal o Carnaval foi bem organizado e sem problemas, com a gestão atual mantendo os bem sucedidos sistemas de polos e logísticas das gestões anteriores. A reclamação geral foii quanto ao excesso de artistas baianos e pouca diversidade das atrações musicais, num mais do mesmo que não comprometeu a folia nem a boa presença de público mas que não é saudável. Menos artistas locais do que nos anos anteriores e com pouca divulgação destes.

Em Parnamirim, onde há décadas o Carnaval de Pirangi é tradição, a festa foi bem organizada e também sem problemas. A folia bateu recordes de público e teve mais atrações do que nos anos anteriores, com a ressalva sendo a baixa diversidade musical, já que organização e plateia parecem ter se unido para priorizar o axé com batida de swingueira/piseiro. Menos mal que atrações locais como a Deusa do Forró e Priscilla Brow brilharam e deram um indicativo que no ano que vem a organização pode investir em diversidade.

Agora vamos ao cinema. Como todo brasileiro, torci muito para “Ainda estou aqui”, filmaço de Walter Salles que narra a história de Eunice Paiva, que vê o marido desaparecer, após ser levado para um interrogatório pela ditadura militar, e inicía uma jornada para saber o que aconteceu. A vitória na categoria de Filme Internacional já era esperada, após a queda em desgraça do francês “Emilia Perez”. Na torcida para Fernanda Torres como melhor atriz, ainda achei que ela pudesse perder para Demi Moore, com quem dividia o favoritismo, mas deu a jovem Mikey Madison, que está excelente em “Anora”.

Por falar em “Anora”, rapidamente o filme ganhou o ódio da “torcida brasileira”, já que o clima era de Copa do Mundo. Não contem comigo para torcida organizada. A comédia alucinada do também jovem Sean Baker é excelente e criativa, não à toa venceu o Festival de Cannes e tantos outros prêmios mundo agora. Os argumentos de que o filme e a atriz foram premiados pelo erotismo e nudez são equivocados e, mais que isso, beiram o conservadorismo e o preconceito. Baker aborda o tema das profissionais do sexo com sensibilidade e empatia e a personagem da Anora/Ani, é muito mais do que uma stripper, e sim uma mulher que se empodera ao longo da história e reage contra o que os homens e o sistema fazem, ou tentam fazer, com ela. Pelo segundo ano seguinte, o Oscar de melhor atriz é dado a uma atriz cujo papel é de uma mulher que vive livremente sua sexualidade (ano passado foi Emma Stone no excepcional “Pobres criaturas”). Em tempos de caretice nas redes e de extrema-direita no poder, não me parece pouca coisa.

Ademais, acho um saco essa argumentação mais fraca que caldo de batata de que “a academia é etarista, preferiu a novinha em detrimento das mulheres maduras”. Oscar, como boa parte das premiações, é um recorte de um momento que se baseia em quem tem mais votos. Não se trata de um colegiado definindo uma política ideológica de ação. Particularmente achei a interpretação de Fernanda Torres a melhor entre as cinco candidatas, mas é infantil desprezar tanto a interpretação da outra atriz como a percepção dos votantes sobre essa atuação.

Mas afinal era Copa do Mundo. Menos justamente para Fernanda, que sabe que foi vitoriosa numa noite onde estrelas da indústria como Nicole Kidman e Angelina Jolie sequer foram indicadas. Enquanto a torcida organizada range os dentes nas redes sociais, Fernanda e Walter celebram com Mikey Madison as vitórias e conquistas (artísticas, inclusive, que em si, cinema é arte e não competição).

Finalizando com o otimismo em relação ao cinema nacional, que pode ganhar sua milésima retomada (esta pode ser definitiva) com o sucesso de público, crítica e prêmios de “Ainda estou aqui”. Em fevereiro tivemos “O último azul”, de Gabriel Mascaro (do ótimo “Boi neon”) vencer o Urso de Prata (segundo lugar) no Festival de Berlim e tudo indica que em maio teremos em Cannes “O agente secreto”, de Kléber Mendonça Filho (“Aquarius” e “Bacurau”), com Wagner Moura e também sobre ditadura militar. Um deles pode estar na festa do Oscar 2026.

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