Análise: “Carnaval de rua é disputa política e cultural”

Dílson Ferreira, arquiteto, urbanista e professor da Ufal:

“O Carnaval de 2025 está sendo marcado por uma crescente repressão às manifestações culturais de rua em várias partes do Brasil. Enquanto algumas regiões do país celebram a festa popular com apoio institucional e segurança organizada, outras enfrentam restrições severas, fechamento de bares e restaurantes e até mesmo medidas que se assemelham a toques de recolher, disfarçadas de ações de segurança pública. Esse cenário evidencia uma disputa política e ideológica sobre o espaço público e o direito à cultura e à cidade.

No Sul do Brasil, estados como Rio Grande do Sul e Santa Catarina adotaram posturas restritivas em relação aos blocos de rua. Em diversas cidades, houve uma redução drástica do número de blocos autorizados, além da imposição de exigências burocráticas que inviabilizaram festas populares. A forte repressão policial também marcou a atuação contra foliões que tentaram ocupar as ruas de forma espontânea.

O fechamento precoce de bares e a presença ostensiva da polícia transformaram espaços tradicionalmente festivos em locais de tensão e medo.

No Sudeste, algumas cidades de São Paulo e Minas Gerais também registraram endurecimento contra blocos de rua. Em capitais e municípios com administrações mais conservadoras, a justificativa oficial para a repressão tem sido a necessidade de controle do ‘uso irregular do espaço público’ e questões de segurança. No entanto, a repressão desproporcional a blocos populares e com pautas progressistas contrasta com o apoio dado a festas privadas, reforçando a ideia de que essa disputa não é apenas administrativa, mas política.

Enquanto isso, o Nordeste e o Norte do país reafirmam seu protagonismo na preservação das manifestações culturais populares do Brasil. Cidades como Salvador, Recife, Olinda, Natal, Maceió, Fortaleza, São Luís, Belém e Manaus mantêm ou recuperam o protagonismo de suas tradições carnavalescas, fazendo as ruas pulsarem com o apoio do poder público e forte participação popular. Em contraste com a repressão vista em outras regiões, o que se presencia aqui é uma verdadeira festa democrática.

Esse contraste entre as regiões demonstra como a cultura está diretamente ligada a projetos políticos distintos: enquanto estados progressistas incentivam a ocupação das ruas e a diversidade das expressões culturais, estados mais conservadores impõem restrições e reprimem a manifestação popular.

Diferente do que muitos acreditam, participar do Carnaval, fantasiar-se, cantar, dançar e ocupar as ruas não são atos neutros. O ato cultural é, por si só, um ato político e uma afirmação de quem você é e de como você se identifica na sociedade. É um momento de liberdade, onde as pessoas expressam sua identidade na mais pura forma de alegria e pertencimento.

As manifestações culturais populares carregam, independentemente de sua origem, uma mensagem de resistência, de ocupação dos espaços e de afirmação de identidade. Aquilo que você defende e aquilo que você acredita estão representados na forma como você se expressa culturalmente.

A repressão ao Carnaval de rua não pode ser dissociada de um contexto maior de controle sobre a cultura por grupos políticos. A criminalização das festas populares, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, segue uma lógica de disciplinamento dos espaços públicos e das manifestações espontâneas. Essa disputa revela que a cultura não é apenas lazer e entretenimento, mas um espaço de resistência. E os políticos sabem desse poder. É por isso que tentam controlar essa poderosa máquina de mobilização que é a cultura de rua.

Ao longo da história, momentos de forte repressão política no Brasil sempre tiveram reflexos diretos na cultura popular. Desde a censura a marchinhas na ditadura até a perseguição a blocos de rua nos dias atuais, a festa do povo sempre foi um alvo de governos que enxergam na espontaneidade e na alegria coletiva uma ameaça ao controle social. Não se engane: Carnaval é resistência.

O Carnaval de 2025 expõe, com clareza, a divisão política e cultural do Brasil. Enquanto algumas regiões celebram a riqueza da cultura popular e fortalecem suas manifestações tradicionais, outras impõem barreiras que dificultam o direito à cidade e à expressão coletiva. A disputa pelo espaço público durante o Carnaval reflete um embate maior: a luta entre repressão e liberdade, entre autoritarismo e democracia cultural, entre progressistas e conservadores. Sempre foi assim.

Se há algo que a história nos ensina, é que a cultura sempre encontra caminhos para se manifestar. Seja na avenida, seja nas ruas, seja na fantasia ou na música, quem vive e resiste através da cultura reafirma o direito de existir, de ocupar e de celebrar. Porque estar na rua, brincar o Carnaval e viver a cultura popular é, sim, um ato político.

Então, vá exercer sua resistência naquilo em que você acredita. Consciente ou inconscientemente, ao ocupar as ruas, você está escrevendo uma página na história cultural e política do Brasil.

Viva o Carnaval de Rua!”

 

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