Não estamos mais aqui!..

Waldson de Almeida Dias – OPINIÃO

“Nós vamos sorrir. Sorriam!” (Eunice Paiva)

DEFINITIVAMENTE, não estamos mais somente aqui! Estamos no infinito e além…

O tempo! Aprendi que não existe nada pior que o tempo, mas também não existe nada melhor! “Este senhor tão bonito, tempo…tempo, um dos Deuses mais lindos”, Iroko, o Orixá Tempo sempre coloca as coisas nos seus devidos lugares, neste caso específico: a Verdade!

E a verdade é que houve ditadura no Brasil sim! E no período em que ela reinou houve todas as formas de tortura, houve mortes, assassinatos cruéis contra brasileiros que ousaram se posicionar contra os ditadores.

Marcelo Rubens Paiva me cativou na condição de leitor quando publicou seu primeiro livro, “Feliz Ano Velho”, na época ganhei o livro de presente de uma querida amiga e a maneira tal qual ele contou sua história pessoal me fez acompanhar seus escritos conforme o tempo foi passando, até chegar ao livro em que ele narra a história de sua família, do “sequestro” de seu pai, o político e engenheiro Rubens Paiva e da luta de sua mãe, Eunice Paiva, para primeiro descobrir o paradeiro do marido e posterior ter uma resposta do governo brasileiro de onde e como se deu sua morte e o reconhecimento que a morte aconteceu dentro do aparelho governamental repressor.

Ainda Estou Aqui” é um livro que não somente narra a luta de Eunice Paiva, mas desnuda o Brasil que teimam em esconder debaixo do tapete como algo que nunca se passou, nunca aconteceu. É a arte da literatura mostrando muito além do sofrimento do autor e de sua familia, é a arte vindo desnudar o Brasil em mais uma das histórias não contadas nos livros didáticos.

O escritor Fernando Pessoa, se utilizando de um de seus heterônimos, Bernardo Soares, escreveu o livro do “Desassossego” e nele diz: “A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação”. A arte de Marcelo Rubens Paiva e Walter Salles trouxeram para todo um país, o desassossego, a aflição, primeiro em sofrermos com a história da família Paiva que é a história de muitas famílias brasileiras, que é a história de um Brasil recente.

Em um segundo momento, o desassossego, a ansiedade de ao mesmo tempo torcer pelo Oscar, pela glória maior da sétima arte, que ao se unir com a quinta, ou seja, cinema e literatura, trazerem uma união ao povo brasileiro no presente, um povo que no fundo está cansado de fundamentalismo, racismo, violência e extremismo.

Pessoa, tinha razão, sempre optar pelo desassossego! E o livro virou filme e o sucesso começou a acontecer após a exibição no festival de cinema de Veneza, o filme recebeu dez minutos de aplauso dos espectadores presentes e todos os olhares do mundo começaram a se voltar para o filme e sua história e a magistral atuação de sua atriz principal Fernanda Torres, que de quebra ganhou o Globo de Ouro se gabaritando a ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz.

O filme chegou em hollywood como “Ainda estou Aqui” e saiu da cerimonia do Oscar na condição de “Não estamos mais somente Aqui”, pois ao ganhar o Oscar de melhor filme de língua não inglesa, não somente trouxe este Oscar inédito para o Brasil, mas se tornou conhecido mundialmente.

Não estamos mais aqui nos porões da ditadura, onde a tortura e a morte eram habituais; não estamos mais aqui no silêncio das bibliotecas com a capa da história fechada em prateleiras bem altas; não estamos mais aqui encarcerados pela censura da burrice; não estamos mais aqui varrendo a verdade para debaixo do tapete; não estamos mais aqui sozinhos, o mundo viu o filme e ele ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Queríamos mais, claro que sim, queríamos a Fernanda Torres como melhor atriz, mas não foi dessa vez ainda, mas Fernanda Torres, mostrou que filha de peixe grande já nasce sabendo nadar, ou seja, representou não somente as atrizes e atores brasileiros com perfeição, seguiu os passos de sua mãe ao concorrer ao Oscar de melhor atriz e principalmente eternizou Eunice Paiva a mulher que lutou contra a ditadura militar brasileira e também militou pela causa indígena.

Não estamos mais somente aqui, transcendemos, resgatamos Rubens Paiva e todos aqueles mortos durante o período ditatorial que não sabemos se quer onde foram enterrados. “Onde enterraram nossos mortos?”, tal como pergunta ainda hoje o amigo e escritor Aluízio Palmar. Ainda não sabemos onde foram enterrados, mas sabemos que o mundo inteiro agora sabe que eles, mesmo enterrados em lugares desconhecidos de suas famílias e da sociedade, também transcenderam e não estão mais aqui, agora pertencem ao conhecimento de todo um planeta.

Assistir este filme brasileiro, em especial, ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro foi um grito de gol trancado na garganta há muito tempo e um aplauso a luta pela democracia contra o autoritarismo.

O ensaio do grito de gol veio com o Oscar de melhor documentário, para “No Other Land – Sem Chão!” o primeiro filme Palestino a vencer um Oscar de melhor documentário. Eles, os Palestinos também estavam aqui, não mais, agora estamos todos no infinito e mais além…estas histórias de opressão devem ser contatadas pelos que a sentem na pele e que melhor podem contá-las.

O filme de Walter Salles, já ganhou mais de quarenta prêmios e certamente não vai parar por aí, mas o Oscar de melhor filme estrangeiro em pleno carnaval foi como se todas as escolas de samba do país tivessem se fundido em uma só e a Marquês de Sapucaí, a passarela mais famosa do carnaval, recebesse uma única escola chamada Brasil. Vibramos, aplaudimos a conquista do cinema brasileiro. O pelourinho, na Bahia vibrou em uníssono, Fernanda Torres, certamente foi a máscara de carnaval mais usada, drones formaram seu rosto no céu e o troféu que não veio em forma da estatueta do Oscar de melhor atriz, veio em forma de boneca de Olinda, parafraseando o samba, “a Artista não precisa ser membro da academia, ao ser natural em sua poesia, em sua dramaturgia, o povo lhe faz imortal!”. Todos fomos Fernanda e continuaremos a ser, pois Eunice Paiva vive e se expressou através de Nanda Torres e Fernanda Montenegro.

“Ainda estamos Aqui”, o filme, mostrou que temos orgulho dos nossos e que o complexo de vira lata é praticado em número pequeno e inexpressivo de quem não lê, não houve e não vê o que está diante de seus olhos.

O jornalista e escritor Jamil Chade escreveu: “Ainda Estou Aqui” “é uma declaração de amor à resistência e à construção da democracia por cada um de nós.”

Então, é hora de comemorar, de aprender e de atender o pedido de dona Eunice Paiva:

“Nós vamos sorrir! Sorriam!”

Waldson de Almeida Dias – 3/3/25

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