Defensor de presos políticos na ditadura, morre ex-deputado Roberto Furtado

Morreu nesta quinta-feira (27), aos 91 anos, o ex-deputado estadual e ex-vice-prefeito de Natal, Roberto Furtado. Ele estava internado no Hospital São Lucas. O advogado teve uma trajetória ligada à defesa da democracia. Trabalhou no governo Djalma Maranhão — prefeito deposto pelo golpe militar de 1964 — e defendeu presos políticos da ditadura, tendo ainda ajudado a fundar o MDB no Rio Grande do Norte.

Roberto nasceu em 2 de junho de 1933 e fundou o MDB em 1965, época em que se dizia que o partido “cabia num fusca”. Ele foi eleito deputado estadual em 1966, 1974 e 1978 (já PMDB).

Era filho de João Maria Furtado, um dos presos pela Intentona Comunista de 1935. A força para lutar contra as injustiças, contou em abril do ano passado em entrevista ao canal Pós TV DHnet, foi aprendida com o pai, detido quando Roberto tinha apenas três anos:

“Tinha três anos de idade quando meu pai foi preso, em 35, na chamada Intentona Comunista. Ele era juiz de direito de Baixa Verde, depois João Câmara, o município. João Câmara explorava muito os pequenos agricultores, com a plantação de algodão, tudo isso. E papai, aqui e ali, como juiz, era procurado e dava uma checada para tentar resolver. E criaram uma certa inimizade por conta disso. E João Câmara aproveitou 35. Nós estávamos na praia de Cajueiro, veraneando. Então, chegou um carro com uma patrulha, um caminhão, com a patrulha para prender papai. E veio a família toda no caminhão de volta. Chegando lá em Baixa Verde, perguntaram se o papai deixasse o juizado, saísse, aceitasse uma remoção para outro município, estava tudo acabado. Aí ele disse ‘não, não faço. Eu continuo juiz, a não ser que me tirem, mas eu continuo juiz aqui’. Então, essa revolta com as injustiças é ideia dele”, afirmou, na entrevista concedida em 24 de abril, a menos de um ano.

Foto: Memorial do Legislativo Potiguar

No governo Djalma Maranhão, atuou como secretário de Finanças e foi um dos advogados de Djalma, já quando ele foi preso pelo regime militar. 

“Eu olhei pela janela do primeiro andar, que era a minha secretaria, e ia saindo o carro do Exército, e Djalma ia lá. Pois bem, levaram Djalma para o quartel-general. Pediram para ele renunciar ao cargo de prefeito, que não tinha problema, podia voltar para casa. Aí ele disse que não, alegando que não teria coragem de olhar no Grande Ponto para as pessoas que votaram nele”, disse à Pós TV Dhnet.

Em 2015, convidado para um debate no Festival Literária de Natal, falou da relação com o prefeito deposto. Destacou o desprendimento com o poder e o compromisso que Djalma Maranhão tinha em promover melhorias para os cidadãos. Muitas vezes, esse ímpeto acarretava problemas para o próprio Roberto, já que os recursos eram escassos: 

“Eram tempos difíceis, mas éramos motivados pelo espírito público de Djalma”, revelou. A relação com Maranhão rendeu o lançamento de um livro escrito por Furtado, “Memórias de um secretário”, contando as experiências que teve no período.

Para Marcos Guerra, ex-vice-presidente da OAB, Furtado foi um dos melhores assessores diretos de Djalma Maranhão. 

“Agora, com a grande simplicidade, com a grande generosidade. É a imagem que eu tenho dele”, recorda.

Defesa dos presos políticos da ditadura

Roberto Furtado, além da atuação ao lado de Djalma Maranhão, notabilizou-se em defender presos políticos, a partir de 1964. Trabalhando ao lado do pai, João Maria Furtado, a rede de advogados contava também com Mércia Albuquerque e outros nomes. Na OAB, foi presidente da entidade no triênio 1981/1983, tendo exercido posteriormente também o cargo de Conselheiro Federal da Ordem. Como presidente da OAB/RN, Roberto Furtado criou a Comissão de Direitos Humanos e presidiu, ainda, o Comitê de Anistia.

“Nas lutas dos presos políticos do Rio Grande do Norte, nas lutas dos presos políticos do Nordeste, Roberto Furtado, sendo com seu pai João Maria os esteios desse pessoal que defendia presos políticos, faziam parte dessa rede no qual a doutora Márcia participava”, revela Roberto Monte, da DHnet.

Nos últimos meses, conta Monte, Roberto estava animado em poder ouvir novamente a voz do pai presente em um acervo de seis fitas k7 recebidas do acervo da professora e socióloga Brasília Carlos Ferreira.

“Eu tinha tido contatos com o Roberto nos últimos meses, nos últimos dias. Porque ele tinha ficado muito animado que ele ia ouvir a voz do pai dele gravada por Brasília Carlos. Eu também estava atrás de Roberto porque ele tem os inquéritos de 1935 que foram os que o pai dele participou”. 

De acordo com Monte, a morte do advogado e ex-deputado é uma perda para o campo dos democratas e humanistas.

“[A morte de Roberto Furtado é um] fechamento de um ciclo, um ciclo que começa com a insurreição de 1935 com seu pai João Maria Furtado, a questão do cafeísmo, também com seu pai, Djalma Maranhão e a resistência democrática. Porque ninguém que conhece a história do Rio Grande do Norte não pode dissociar Roberto Furtado do seu pai, João Maria Furtado. Eles eram muito ligados e atuaram muito no campo jurídico.”

Em nota, o MDB-RN manifestou profundo pesar pelo falecimento do ex-deputado estadual Roberto Furtado.

“Um dos fundadores do MDB no estado, Roberto Furtado teve uma trajetória marcada pela defesa da democracia e pelos serviços prestados ao Rio Grande do Norte, seja como parlamentar ou em funções na administração pública. Seu compromisso com a política e com a justiça deixa um legado inestimável”, disse o partido.

O Governo do RN destacou o ex-parlamentar como uma “figura marcante da política potiguar” e a sua trajetória pautada pela defesa da democracia e pelo compromisso com o desenvolvimento do RN. 

“Seu legado permanecerá na história e na memória de todos que acreditam na política como instrumento de transformação social”, comunicou o Governo, que se solidarizou com familiares, amigos e admiradores e expressou condolências.

Já a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte (ALRN) destacou, além dos períodos como deputado, as passagens de Furtado como vice-prefeito de Natal (1985); chefe da Casa Civil da Prefeitura; secretário de Estado de Segurança Pública (1995); e secretário de Administração Pública (1996), cargo que exerceu até o fim de 1998, além dos cargos na OAB.

“O Poder Legislativo, em nome dos 23 deputados estaduais e do presidente Ezequiel Ferreira se solidariza com os familiares e amigos pelo momento de dor e luto. Descanse em paz, Roberto Furtado”, informou a Assembleia.

A OAB decretou luto oficial de três dias a partir dessa sexta-feira (28) pela morte do ex-presidente da Ordem e disse que se une em oração com todos os familiares, a esposa Marilda e os filhos, Gina, Maria Helena, João Roberto, Ana Roberta, 5 netos e 2 bisnetas e amigos, “a fim de que encontrem consolo e amparo nesse momento de saudade.”

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