Os bonecos gigantes no carnaval dos Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens

Os bonecos gigantes, que hoje animam o carnaval Brasil afora fazem parte de uma tradição antiga que veio da Europa da Idade Média. Na época, os bonecos eram usados para representar elementos da Igreja, como o presépio.

“Os bonecos representavam as coisas da Igreja, os presépios, desfiles, isso era muito forte na Europa e aqui temos como referência Pernambuco, que teve a primeira grande projeção nacional. Eles se espalharam por quase todo o Brasil, mas lá foi onde se firmou”, conta João Natal, responsável pela confecção dos bonecos dos blocos Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens.

Em Natal, os bonecos já estavam presentes em alguns blocos carnavalescos, mas ganharam força quando o jornalista Edmar Viana decidiu criar os personagens que hoje representam o Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens.

Edmar Viana traçou os personagens, eu cortei e Kátia fez os adereços e a caracterização. A ideia de Edmar era fazer um bloco de rua, autêntico, e ele achava que não podia faltar os bonecos. Foi até Olinda e Recife, fez pesquisa e nos delegou a caracterização dos personagens, só que o bloco foi crescendo. Ele colocava a turma do Boi de Reis, que tinha o Boi, o Jaraguá, os galantes, o Birico, a cobra… só o bloco tinha 14 bonecos, entre os personagens do Boi e os quatro personagens [o poeta, o careca, a bruxa e o lobisomem], além dos estandartes”, lembra João Natal, que faz parte da equipe de coordenação do bloco e é responsável por esculpir os bonecos gigantes.

João fez curso para confecção de bonecos pequenos e foi um desafio fazer a transição para conseguir esculpir os bonecos em tamanho gigante. A inspiração, em grande parte, veio do Alecrim.

Para quem não transita no universo do bairro, o Alecrim tem uma tradição carnavalesca antiga, que foi sendo esquecida ao longo do tempo.

Eu nasci no Alecrim e lá há uma efervescência carnavalesca muito grande. Eu entrei nessa mais recentemente, há 20 anos. Sou arte educador e artista visual com viés na escultura, mas não era um escultor, minha área é mais gravura e pintura, sou desenhista. Sempre trabalhei com entalhe em madeira de figuras de pequeno porte, mas no Alecrim via muito o trabalho do Sr Manoel Andrade, que nos anos 1970 fazia os presépios gigantes de Natal. Como a história da gente se perde, quase não há registro disso. E também fazia figuras para o carnaval… alegorias, bonecos gigantes para as escolas de samba do Alecrim. Havia uma efervescência muito grande, de três a quatro escolas de samba e mais umas tribos de índio que existia em torno da avenida 7.8… que era a Rua dos Pajeús, Caicós, Canindés, depois que botaram esses números desconhecidos. Ele fazia isso no quintal e eu passava e ficava impressionado com aquilo. Ele fazia em barro e depois revestia com papel e cimento, recortava e montava os presépios na praça. Ele que fazia os presépios oficiais de Natal, todos em tamanho natural. Também tinha um vizinho que fazia máscaras”, conta João Natal.

O peso da alegria

Na hora da folia as pessoas não fazem ideia, mas para colocar cada boneco na rua é preciso, pelo menos, duas pessoas. Mas, no caso do personagem da Bruxa, foram necessários quatro bonequeiros por causa da movimentação das mãos.

Nessa época, só de bonequeiros eram 40 homens”, lembra Kátia Dantas, figurinista que trabalha na confecção dos bonecos em parceria com João Natal há, pelo menos, 20 anos.

As encomendas são feitas de maneira esporádica ao longo do ano, mas elas se intensificam no período que antecede o carnaval.

“Sempre tem alguém encomendando um boneco, seja aqui para a Redinha ou para outras praias. Sempre tem algum personagem, como Deífilo Gurgel, o Sr Hélio, da Redinha, já fizemos figuras emblemáticas da cidade. Naldo do Galo dos Perturbados, Pedro Abech, que é vivo, mas fez uma homenagem a ele mesmo. Dos antigos carnavais tem a figura de Dona Severina, que era uma imperatriz que tinha acesso aos gabinetes e se sentia a embaixatriz de Natal e dava pitaco no Governo. Tem também a Maria Sai da Lata, que é uma personagem do Alecrim. Além das pessoas de projeção cultural, tem também os personagens populares, como o Galo dos Perturbados, o Rei Momo da Redinha, conhecido como João Bolão, Seu Hélio, que foi fundador da Banda do Siri, mas que faleceu e a filha fez essa homenagem… então nunca falta trabalho”, detalha João Natal.

No caso do Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens foi uma criação de Edmar Viana, que recorreu a João Natal para encomendar os bonecos gigantes.

Eu já tinha feito outros trabalhos com ele, que era do setor cultural da Cosern. Ele e Iracema [esposa de Edmar] conheciam meu trabalho, então foi sugerido que eu fizesse os bonecos, disse que também tinha que falar com Kátia, que cuida dos adereços, eu dou conta do corte, da forma. A partir do desenho original do bloco que ele fez fomos criando e adicionando coisas aos personagens

Além dos bonecos que são personagens do bloco, outras figuras também foram homenageadas ao longo dos anos.

Já homenageamos Chico Antônio, a presença de Mário de Andrade, Tonheca Dantas, o aniversário do Royal Cinema, Deífilo Gurge. Geralmente temos uma temática do ano, levamos um elemento da cultura local para a avenida. Tinha sempre essa pegada cultural que era discutida por Edmar, de trazer uma cara local para o bloco”, revela João Natal.

Cada personagem tem seu significado. O Poetas é a beleza e sensibilidade da poesia; o Carecas é uma referência direta ao Morro do Careca; a Bruxa é a energia e força da mulher; já o Lobisomem faz referência a uma antiga lenda que circulava por Ponta Negra.

“Quando eu era criança e a gente veraneava em Ponta Negra, minha mãe dizia, menino, não vá para o Morro do Careca à noite porque tem lobisomem! Então a gente só podia ir ao Morro do Careca de dia, porque arrodeávamos Ponta Negra, íamos por trás e descíamos por cima, descíamos o Morro do Careca bolando… tô falando de coisa de mais de 50 anos”, conta Hugo Manso, coordenador do bloco.

Para este ano, os amigos montaram um verdadeiro mutirão para recuperar os bonecos e adereços que irão alegar as ruas no sábado de carnaval.

Amigos fazem mutirão para recuperar bonecos e adereços I Fotos: Mirella Lopes

Uma parceria de décadas

Para este ano, além do Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens, também haverá bonecos de figuras do folclore popular, como o Jaraguá, o Boi Calemba e uma Burrinha.

“Ele cuida da parte de esculpir e o resto vem para mim. Um trabalho desses, você jamais faz só, é uma equipe. Eu já estou nisso há quase 30 anos, depois que um cara de Pernambuco, Eder Feitosa, veio fazer uma oficina e de lá para cá não parei”, conta Kátia Dantas.

Os bonecos são esculpidos no isopor, depois é feita a papietagem, emassa, lixa, pinta e recebe selador para que a pintura dure mais tempo, a técnica também deixa o boneco mais resistente à água, para o caso de chuva.

“Depois vem o figurino e os adereços necessários, dependendo de cada personagem”, explica Kátia.

No carnaval, os pedidos costumam chegar de última hora. Mas, o ideal, é que cada peça fosse feita num prazo de 20 dias.

Esse seria o prazo ideal para fazer tranquilamente, mas claro que cada artista tem seu processo. Agora, se chegar pedido, não tenho como atender, porque está muito em cima e já estou com outras encomendas”, revela a figurinista, que já trabalhou com nomes como Racine Santos e João Marcelino.

Eu já tive momentos de querer deixar isso. Você envolve muita gente num trabalho desse, eu gostava de trabalhar com equipe perto de mim, porque você consegue controlar tudo. Hoje em dia já terceirizo algumas partes. Eu que bancava tudo, do café da manhã, até o lanche das 23h, transporte… mas é um trabalho pouco valorizado”, lamenta Kátia, que já trabalhou em peças teatrais e inúmeros autos de Natal.

Tinha na Catedral, em frente à Capitania… fui uma das iniciantes que entrou para fazer figurinos e adereços. Comecei sozinha na equipe porque era uma coisa mais simples, acanhada, foi dando certo e aumentando a equipe. Venho do grupo Alegria, Alegria e já fiz muitos espetáculos de teatro para a Casa da Ribeira, Companhia Burlesca, do Artes e Traquinagem, são tantos, que nem lembro os nomes”, conta Kátia.

Os bonecos gigantes do Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens saem no sábado (1º) de carnaval. O bloco se concentra na Praça ecológica de Ponta Negra (Praça do Gringos) a partir das 16h com o Poetinhas. Na sequência tem show de Diogo das Virgens no Palco, desfile pelas ruas do bairro com percussão de Folia de Rua e início do desfile com Frevo do Xico. O encerramento será na altura do Praia Shopping com um pranchão (trio elétrico de menor porte) comandado por Cida Lobo e sua matilha.

O percurso

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