Por uma dieta da informação   

A partir de 2003, com a chamada “revolução” proporcionada pela Web 2.0, houve uma enorme expansão da internet e a possibilidade de ampliação dos canais de informação. O termo Web 2.0, criado em 2003 por Tim O’Reilly (proprietário da empresa de norte-americana O’Reilly Media), significou, para ele,  uma mudança substancial para a internet, uma nova geração de serviços e aplicativos online no qual os usuários não apenas consomem conteúdos, mas também podem criá-los, compartilhá-los etc.

Segundo uma matéria publicada no site da tecmundo no dia 21 de agosto de 2008, “o 2.0 indica uma nova versão da internet, um novo capítulo, novos rumos para a grande rede. O objetivo é fornecer aos navegantes, mais criatividade, compartilhamento de informação e, mais que tudo, colaboração entre eles, fazendo com que esses navegantes tomem parte nesta revolução”.

Será que foi isso mesmo o que resultou da expansão proporcionada pela Web 2.0, com sua promessa de mais informações, conteúdos e conhecimentos a serem democratizados? Significou a ampliação da criatividade dos navegantes, do compartilhamento de informação e colaboração entre eles? Ou, ao contrário, fez com que muitos se sintam, em vez de bem informados e criativos, saturados?

É fato que, com a expansão da tecnologia, da internet e das redes sociais, as pessoas estão expostas a uma quantidade imensa de informação 24 horas por dia. Vivemos em uma era de conexão com excesso de informação, na qual há também uma profusão constante e sistemática de fake news e desinformação que circulam nos mais distintos canais de comunicação.

Em relação à presumível democratização que a Web 2.0 possibilitou, há quem questione, entre eles, Andrew Keen, mais especificamente no livro que trata do tema: O culto do amador: como blogs, MySpace, YouTube e a pirataria digital estão destruindo nossa economia, cultura e valores, publicado em 2007 (no Brasil, pela Editora Zahar).

Em um dos oito capítulos do livro, intitulado A grande sedução ao se referir a Web 2.0 afirma que “A revolução Web 2.0 disseminou a promessa de levar mais verdade a mais pessoas – mais profundidade de informação, perspectiva global, opinião imparcial fornecida por observadores desapaixonados. Porém, tudo isso é uma cortina de fumaça. O que a revolução da Web 2.0 está realmente proporcionando são observações superficiais do mundo à nossa volta, em vez de análise profunda, opinião estridente, em vez de julgamento ponderado. O negócio da informação sendo transformado pela internet no outro barulho de 100 milhões de blogueiros, todos falando simultaneamente sobre si mesmos”.

Sobre os blogs, que se tornaram também um espaço para circulação de informação (e desinformação), ele afirma que Blogar se tornou tal mania que um novo blog era criado “a cada segundo de cada minuto de cada hora de cada dia” e que “estamos blogando com um despudor simiesco sobre nossas vidas privadas,

nossas vidas sexuais, nossas vidas oníricas, nossa falta de vida, nossas Second Life’s” e que “numa Web em que todo mundo tem a mesma voz, as palavras do sábio não contam mais que os balbucios de um tolo”.

Em relação aos “balbucios de um tolo”, em 2015 o romancista, ensaísta e teórico da literatura e da linguagem, Umberto Eco, durante a cerimônia de outorga do título de doutor honoris causa na Universidade de Turim (Itália), afirmou, ao se referir a internet, que ela “deu voz a uma legião de imbecis”.

A ampliação da possibilidade de informação e, com a Web 2.0, com as interações e compartilhamentos não significou a melhoria da qualidade do que circula na internet (incluindo a informação).

No momento em que escrevia o livro, Keen afirmou que havia 53 milhões de blogs na internet e que seu número dobrava a cada seis meses. Não há dados disponíveis sobre isso hoje, mas, se o ritmo estiver se mantido, 18 anos depois (2025), ultrapassa facilmente um bilhão…

Para ele, “os blogs se tornaram tão vertiginosamente infinitos que solaparam nosso senso do que é verdadeiro e do que é falso, do que é real e do que é imaginário”, além do fato de que muitos faziam (e certamente ainda fazem) “com o propósito exclusivo de relatar e partilhar experiências sobre suas vidas pessoais, transmitir o que fazia, com toda a auto admiração desavergonhada do Narciso mítico”.

O fato é que, como ele diz, a consequência real da revolução da Web 2.0 é menos cultura, menos notícias confiáveis e um caos de informação inútil.

E, mais importante, 18 anos desde o lançamento do livro, ele se mantém atual em um mundo hiperconectado, com a ampliação do acesso à internet, na qual as pessoas são constantemente bombardeadas por informações, notícias, análises, comentários etc., e além de não apenas consumir uma quantidade imensa de conteúdos, com a Web 2.0, passaram também a gerar conteúdos (nas redes sociais, sites, blogs, etc.,) ampliando a barafunda.

A questão é como ter um consumo de informação de qualidade? Como selecioná-las? Como diminuir o tempo gasto com informações desnecessárias, inúteis? Como fazer uma dieta de informação em meio ao excesso?

Esse excesso, as distrações digitais (as constantes notificações nos celulares, atualizações em tempo real nos canais de TV, rádio, blogs, sites, redes sociais etc.,) tem como uma de suas consequências fragmentar a atenção e está levando, não ao aumento do conhecimento ou  informações qualificadas, mas ao aumento da ansiedade e do estresse.

Segundo o Dicionário Oxford, a expressão mais usada em 2024 foi brain rot (cérebro podre) uma referência à deteriorização mental decorrente do excesso (e uso excessivo) de conteúdos superficiais na internet, e nas redes sociais em particular.

É ou não verdadeira a afirmativa de que a maior parte das informações que circulam e que são consumidas diariamente pode ser classificada como inutilidades ou então artimanhas para atrair cliques e olhares? E que nem toda informação é confiável e muito menos útil?

Um dos livros que pode contribuir para se refletir sobre isso é A dieta da informação: uma defesa do consumo consciente (publicado no Brasil pela Editora Novatec em 2012) de Clay A. Johnson – fundador da empresa Blue State Digital e coordenador da campanha on-line de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos em 2008 (Obama governou de 2009 a 2017).

Ele se refere inicialmente às dietas alimentares (além da quantidade e diversidade enorme, o modismo e as estratégias de vendas), destacando a importância de seguir uma alimentação saudável, mas defendendo também a necessidade de se fazer uma dieta de informação, que priorize o essencial, com acesso (moderado) a fontes confiáveis.

Há o que chamou de um novo tipo de epidemia, a da ignorância, na qual um dos seus componentes é uma obesidade da informação, uma sobrecarga de informações desnecessárias, além da profusão de fake news . que contribuem para a expansão (e manutenção) da ignorância.

O problema, portanto, não tem como origem a falta de informação, mas, como ele afirma, se originam nesse novo tipo de ignorância, que resulta, entre outros aspectos, da escolha e do consumo de informações “comprovadamente equivocadas”.

Para ele, “Não confiamos ‘nas notícias’, mas confiamos em ‘nossas notícias’; em outras palavras, nas notícias em que queremos acreditar. Essa é uma arma muito mais potente do que nossa visão clássica da ignorância”.

E para analisar o que considera como os problemas do consumo excessivo de informação assim como algumas das estratégias usadas pelos grandes canais de notícias (canais de televisão, jornais impressos e digitais etc.,) para atrair as pessoas (com cliques, publicidade etc.,) com o objetivo mais de lucrar (com patrocinadores e  audiências) do que propriamente informar.

E, da mesma forma que uma dieta alimentar equilibrada é fundamental para a saúde (uma vida saudável, como evitar comidas processadas etc., ) é também de fundamental importância evitar o consumo excessivo de informação, daí a necessidade de se fazer uma dieta. Como ele indaga: “E se começássemos a gerenciar nosso consumo de informações da mesma forma que cuidamos de nosso consumo de alimentos e do consumo de informações não estão tão distantes assim: os campos da psicologia cognitiva e da neurociência mostram que informações podem ter efeitos fisiológicos sobre nossos corpos, assim como consequência relativamente graves e incontroláveis sobre nossa capacidade de tomar decisões”.

Outro livro importante é A nova idade das trevas: a tecnologia e o fim do futuro (Editora Todavia, 2019) de James Bridle – artista e escritor londrino – para quem a abundância de informação e a pluralidade de visões de mundo que hoje nos é acessível através das internet não tem contribuido para a ampliação do conhecimento, na qual prevalece o que ele chamou de “insistência fundamentalista em narrativas simplistas”, difusão de teorias da conspiração etc.

Uma pesquisa realizada pela Kaspersky em 2021 (em plena pandemia da COVID-19), intitulada A infodemia e os impactos na vida digital, revelou que naquele momento, “3 em 4 latinos sentiam-se saturados de informações”. E que “Dar ao cérebro a chance de digerir as noticias e desconectar podem ser os remédios para essa infodemia”.

Infodemia, termo popularizado a partir de 2003 e, segundo informa a matéria, foi criado pelo jornalista e cientista político David Rothkopf em um artigo publicado em sua coluna no jornal Washinton Post (EUA), significando uma mistura de “informação” e “epidemia”, na qual a infomedia “se refere a uma disseminação rápida e amplo alcance de informações precisas e imprecisas sobre um determinado assunto. À medida que fatos, rumores e medos, se misturam e se espalham, torna-se dificl compreender até mesmo as informações mais simples sobre o tema”.

E uma das principais conclusões da pesquisa foi a de que, dos países pesquisados (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru), o Brasil é o que mais consome noticias (e o México, menos), e que as principais fontes de informação são as redes sociais e os telejornais.

Nesse sentido, fazer uma dieta da informação se torna hoje algo essencial para todas as pessoas submetidas a um bombardeio constante de informação. Não significa não se informar, mas ser seletivo, saber desconectar, quando necessário, e refletir sobre o que lê, vê ou ouve nos noticiários, nas redes sociais etc. Querer saber e se especializar em tudo é se perder (e perder tempo), além do fato de que, mesmo que se tenha tempo, nem todos têm conhecimento suficiente para compreender todo tipo de informação que circula.

O desafio é o que deve ser selecionado, com fontes confiáveis,  em meio a uma imensa cacofonia,  ter discernimento, saber distinguir que é relevante e necessário, separar o que é mentira do que não é (e a profusão de fake news se torna um grande desafio nesse sentido), e assim não confiar nem compartilhar cegamente (às vezes, sem ler ou compreender). Existe hoje a possibilidade de verificação de fatos, com vários checadores de noticias, como, entre outras,  a Agência Lupa, Fato ou Fake, Agência Pública, E-Farsas e Fake Check e a Reuters  (em fevereiro de 2025, na matéria Checagem de fatos, de olho em narrativas e desinformação nas mídias sociais, desmentiu vários vídeos que circularam (e ainda devem circular) na internet, com montagens, mentiras, falsidades. Veja algumas dessas farsas.  Mas, a pergunta é: quanto utilizam esses checadores?

O objetivo é o de combate à desinformação, as mentiras que circulam nas redes sociais etc, que podem ajudar as pessoas, contribuindo para o desenvolvimento do pensamento crítico e não ser vítima do excesso desordenado de informação.

A psicanalista Maria Rita Khel no artigo Terra sem lei, publicado na revista Carta Capital no dia 18 de julho de 2024, ao analisar as redes sociais, as plataformas e seus usuários diz:  

“Pela facilidade do acesso, pela diversidade de ‘informações’ (90% irrelevantes, quando não perniciosas), as plataformas que deveria, apenas facilitar a comunicação, tornaram-se uma terra sem lei, onde as pessoas postam desde mensagens de carinho e saudades até injúrias  e difamações. Sem contar, é claro, com o tempo que passamos vendo cachorrinhos fofos e gatinhos irresistíveis – cujo poder de adicção cresce na mesma proporção da inevitável sensação de vazio que não entendem de onde vem”. E mais adiante ao comentar sobre a interação entre usuários que às vezes se unem a linchamentos virtuais de pessoas “que ele nem sabe quem são” afirma que “o dispositivo que poderia ensejar a diálogos interessantes entre desconhecidos descamba em pouco tempo, em uma arena de touradas, na qual o toureiro e o touro somos todos nós. Aí começa o adoecimento mental dos adictos das redes sociais”.

E uma dieta de informação, pode ser uma boa opção para se evitar – ou diminuir – o adoecimento mental dos adictos das redes sociais – as fake news e desinformação que circula na internet e se dedicar a leituras que acrescentem e ampliem o conhecimento e não o contrário.

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