Pesquisa eleitoral e fake news: uma combinação fora da margem de erro

Por Sebastian Faustino[1] e Breno Tavares[2]

(e-)Leitor, prepare-se: na última sexta-feira, dia 16, começou o período eleitoral oficial e, junto com ele, a temporada de divulgação das pesquisas eleitorais registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em obediência à legislação eleitoral, passa a fazer parte da rotina diária de todos, nos próximos 45 dias, até 5 de outubro.

Enquanto setores da sociedade direcionam sua atenção ao combate à desinformação (fake news) com uso das mídias sociais, como ameaça à democracia, um aspecto relevante do debate político ainda é discutido de forma lateral, menor: o falseamento estratégico, por políticos, da divulgação de pesquisas eleitorais como instrumento de difusão em massa de fake news.

A propósito, essa problemática fora recentemente abordada no Programa de Pós-graduação em Gestão de Processos Institucionais – PPGGPI/UFRN (veja aqui), a partir do recorte da disputa ao governo do estado do Rio Grande do Norte em 2022, e muitos números derivados do trabalho chamaram atenção: o volume de gastos com pesquisas registradas (cerca de R$ 1,5 milhão), a quantidade de levantamentos realizados em 9 meses (57), o índice de acerto de uma entre as 57 realizadas, a oscilação de preço de entrevista individual das pesquisas registradas de até 1.530% entre a mais barata (R$ 5,33) e a mais cara (R$ 81,83), a quantidade reduzida de contratantes (apenas 14), entre outras inferências observadas.

Para se ter uma ideia das disparidades que envolvem essa discussão, enquanto no Brasil a cultura política privilegia a iniciativa privada, no cenário nacional, há apenas alguns exemplos isolados de universidades que monitoram regularmente as eleições, casos da Unicamp e da UFG, entre as mais de 140 instituições públicas de ensino superior do país. Nos Estados Unidos, por exemplo, ao menos 58 entre cerca de 70 instituições de ensino públicas realizam pesquisas eleitorais em parcerias com grandes veículos da mídia tradicional, como forma conferir mais credibilidade aos trabalhos.

Alguém pode ponderar que “pesquisa é fotografia, e não filme” para dizer que não há compromisso entre aquilo que é revelado pelos institutos e o resultado emergido das urnas. Embora haja verdade nisso – posto que pesquisa não faz prognóstico ou previsão para o futuro, limitando-se a retratar o momento em que fora realizada a investigação – mas, parte significativa da percepção coletiva tende a ser influenciada pelos números frequentemente trazidos à baila.

O cenário potiguar

No caso do Rio Grande do Norte, a partir da análise da base de dados constante no sistema eletrônico (PesqEle) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi possível estabelecer um comparativo evolutivo das pesquisas eleitorais registradas nos pleitos de 2016, 2020 e 2020, nos períodos compreendidos entre o 1º de janeiro e a data oficial de início do pleito, em cada ano.

Os números verificados revelam um contexto de crescimento atípico e vertiginoso na realização dos levantamentos, além de exponencial nos valores arrecadados com esse tipo de serviço, em relação à média nacional para o mesmo recorte, a saber:

2016 (01/01-16/08):

Número de pesquisas: 28 – Custos: R$ 100.700,00

Média preço/pesquisa: R$ 3.596,00

Número de pesquisas no Brasil: 1.255

2020 (01/01-27/09):

Número de pesquisas: 95  – Custos: R$ 345.999,00

Média preço/pesquisa: R$ 3.642,00

Número de pesquisas no Brasil 2.299

2024 (01/01-16/08):

Número de pesquisas: 302 – Custos: R$ 1.862.503,44

Média preço/pesquisa: R$ 6.167,00

Número de pesquisas no Brasil: 4.663

Em síntese, nota-se que, em relação a 2020, o período atual traz um aumento de 218% na quantidade de pesquisas registradas, muito acima da média nacional para o mesmo lapso temporal, que foi de 102%. E se o comparativo for com os dados de 8 anos atrás, o salto é abissal: crescimento superior a 1000% ou 11 vezes mais, enquanto a média nacional foi de 271%.

Outro dado curioso é relativo à quantidade de pesquisas custeadas pelos próprios institutos/mantenedores: 75 das 302. Isso equivale a dizer que 1 a cada 4 pesquisas registradas foi paga pelo próprio realizador dos levantamentos.

Ao longo das próximas semanas as pesquisas de opinião inundaram mídias sociais em todos os 5.570 municípios brasileiros, e não serão raros exemplos em que, para uma mesma cidade, duas ou mais pesquisas realizadas em intervalo mínimo de dias e sob metodologias similares, tragam resultados muito discrepantes, com o candidato A liderando com 2% de maioria em um dos levantamentos, e o candidato B na frente com 33% a mais na outra pesquisa.

Recentes exemplos disso têm sido verificados por todo o Rio Grande do Norte, de Leste (São Gonçalo do Amarante, com 16 pesquisas, e São José de Mipibu, com 11) a Oeste (Apodi, com 19 levantamentos, em que há uma semana foram divulgadas 3 pesquisas de uma vez, com um cenário de maioria pró-Sabino de apenas 1,6% conforme o instituto Seta, e de 17,09%, de acordo com a Consult, vide quadro abaixo) e, inclusive, na capital, Natal (33), em que, em menos de 24 horas, também 3 institutos trouxeram resultados destoantes entre si. Enquanto uma empresa mostra empate técnico e diferença de 1,8% entre Carlos Eduardo e Paulinho Freire (Veritá), outra traz Carlos Eduardo com 29% a mais que seu adversário(Quaest), conforme ilustrado a seguir:

Atlas/Intel: quebra de paradigma e modelo a seguir

Em meio aos problemas que envolve a discussão, há um exemplo que merece menção, advindo da iniciativa privada: é o caso do instituto AtlasIntel, uma startup brasileira, sediada em São Paulo, pertence a um romeno radicado há mais de uma década no país.

O instituto representa uma quebra de paradigmas no universo das pesquisas de opinião pública, pois que criou seu método autoral de coleta de dados, denominado Random Digital Recruitment (RDR), feito 100% via coleta web, e que desde 2019 apresenta os melhores resultados nas coberturas eleitorais, em termos de acertos, em vários países como Argentina, Colômbia, Chile, Espanha e Estados Unidos, e aqui mesmo no Brasil.

No cenário nacional, as pesquisas AtlasIntel foram as mais precisas em 9 dos 11 estados em que realizou levantamentos sobre as disputas locais, inclusive apontando tendências não capturadas por outros institutos, a exemplo da ‘virada’ de Elmano de Freitas (PT) sobre Capitão Wagner (UB), no Ceará, e de Jerônimo (PT) sobre ACM Neto (UB), na Bahia, da previsão de vitória de Marcos Pontes (PL) na disputa ao Senado, em São Paulo, e da projeção de vitória do Sérgio Moro (UB) para o Senado, no Paraná. Detalhe: precisão em resultados aliada à eficiência, haja vista o custo muito abaixo das pesquisas em relação ao cobrado por institutos tradicionais. AtlasIntel cobra até R$ 65 mil por um levantamento, enquanto IPEC (antigo IBOPE) chega a faturar mais de R$ 500 mil por um trabalho de mesma abrangência, e o Datafolha até R$ 600 mil, conforme tabela a seguir:

E aqui fica o alerta a você (e-)leitor: pesquisas acertam e erram, para mais e para menos, e por vezes elas podem extrapolar a margem de erro. Faz parte. No entanto, olho aberto para os casos em que esses trabalhos são financiados informalmente por terceiros interessados, que chegam a desembolsar entre R$ 15 mil a R$ 50 mil por cada levantamento, e que claramente buscam fazer da junção entre pesquisa e fake news uma combinação danosa à soberania da vontade popular, na medida em que buscam induzir à manipulação de parcela do eleitorado, no particular desta abordagem.

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[1]     Sebastião Faustino é professor Decom/UFRN Superintendente de Comunicação da UFRN.

[2]     Breno Tavares é doutorando PPGJOR/UFSC.

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