Autismo: expressão por meio da arte transforma vidas

Dentre as várias maneiras possíveis de comunicação do ser humano, a arte é frequentemente o meio escolhido por aqueles que desenvolvem habilidades específicas na área. Essa relação não é diferente entre pessoas que estão no espectro autista. Para algumas delas, a melhor forma de se expressar para o mundo se dá por meio das diversas manifestações artísticas existentes.O multi-instrumentista Alan Cauê Oliveira da Silva, 18 anos, não tem dúvidas de que o lugar onde ele se sente mais à vontade é no palco. A proximidade com a música surgiu na vida do universitário ainda na infância e, ao longo de toda a vida, a dedicação ao aprendizado de diferentes instrumentos o levou a desenvolver outras habilidades, além das musicais.LEIA MAIS:Jader Barbalho apoia Rede de Pesquisa sobre o autismoJader comemora aprovação de parecer sobre autismoAlunos do Marajó vão conhecer Harvard após APP para autistas“A música representa muita coisa, melhorou muito as minhas reações cognitivas de bom humor, de mudança de foco, mudou também o jeito da minha comunicação e da minha interação social porque eu sempre fui uma pessoa meio tímida, ainda tenho algumas dificuldades com isso, e a música sempre me ajuda”, relaciona Alan Cauê. “Quando eu estou no palco, eu nunca fico nervoso, eu sempre me solto muito. O palco é onde eu me sinto mais à vontade. Em nenhum momento da minha vida de músico eu fiquei nervoso”.Além da interação social, Cauê conta que a dedicação à aprendizagem dos instrumentos também contribuiu para o desenvolvimento da coordenação motora e até mesmo de sua caligrafia, especialmente no caso do teclado, da bateria e da sanfona. Além deles, o jovem também toca violão e saxofone, mas foi o canto que despertou, pela primeira vez, a atenção de seus familiares para as suas habilidades musicais.Quer ler mais notícias de Cultura? Acesse o nosso canal no WhatsApp!MÚSICA“Eu já tinha o costume de ouvir música desde pequeno, mas aí, também eu cantava em karaokês. Eu comecei a cantar em karaokê com 8 anos e num dia eu estava cantando sem olhar para a letra e todo mundo ficou surpreso que eu conseguia”, lembra. “Mas, naquela época, eu não me imaginava tocando. Mas anos depois eu já consigo me ver naquele meio da música”.Hoje, Cauê divide o seu tempo entre as duas faculdades que cursa, de fonoaudiologia e de música, e as apresentações musicais. Dentre elas, ele pode participar mais de uma vez do TEAlentos, festival organizado pela Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) com o objetivo de valorizar os talentos artísticos de pessoas autistas.“Foi muito bacana porque o objetivo do TEAlentos era demonstrar os talentos de pessoas autistas para mostrar que não só as pessoas típicas têm seus talentos, as pessoas atípicas também têm os seus dons. E talentos também superam as dificuldades”.Atento a cada passo do desenvolvimento do filho desde a primeira infância, Nilton Magalhães da Silva conta que percebeu, muito cedo, a habilidade especial de Cauê para a música. Em decorrência disso, ele conta que sempre buscou estudar o assunto e aproveitar o potencial do filho.Entre as pesquisas realizadas, foi possível identificar que Cauê possui ‘ouvido absoluto’, como é chamada a capacidade auditiva de identificar cada uma das notas musicais que chegam ao ouvido. Ele aponta que Cauê consegue identificar até sete notas musicais ao mesmo tempo.Testemunha da importância da música na vida do filho, Nilton não tem dúvidas da importância da arte para o desenvolvimento de qualquer pessoa. “Recentemente, em um congresso internacional, uma especialista que falou que ‘a educação das pessoas autistas reflete muito mais uma deficiência dos educadores do que dos alunos autistas’, apesar da gente reconhecer que muitos professores têm muita boa vontade, mas às vezes falta o conhecimento técnico mesmo porque, normalmente, os educadores são preparados e formadas para ensinar apenas para os típicos”, considera.“Então, na expectativa que se avance mais nesse campo da educação, eu estou junto com ele, sempre atento, sempre tentando achar um caminho novo e a gente vê que a arte, especificamente a música, é um uma tábua de salvação. É onde ele passa a ter uma maturidade muito acima da média, é onde ele se desenvolve também muito acima da média, então, temos que aproveitar o ponto forte dele”.HISTÓRIAS EM QUADRINHOSA arte também sempre foi um ponto forte do designer Lucas Moura Quaresma. Mantendo um interesse grande por desenhos desde muito pequeno, ele encontrou na autoria de histórias em quadrinhos não apenas uma forma de expressão, mas também a sua atual profissão. “Eu não consigo ficar sem desenhar, hoje é o meu trabalho e é algo que eu gosto de fazer. É muito importante desenhar. Com meus desenhos, HQs e livros, eu me expresso, falo tanto de mim como também dos outros, dos meus medos e das vontades, daquilo que eu acho importante dizer para o mundo”.A primeira história de Lucas teve como tema sua fobia de cachorros. Estimulado pela mãe, ele decidiu expressar através dos quadrinhos como se sentia. Desde então, a criação de histórias passou a fazer parte da rotina do autor, que já chegou a 12 títulos impressos e outros títulos em e-books lançados pelo selo HQs do Lucas.“Os temas surgem de várias formas na minha cabeça, pode ser aleatoriamente, às vezes é alguém que me fala de algum tema, por exemplo: Uma novela cujo final eu não gostava e para ela eu criava um novo final; falar das fobias tem a ver com meu próprio medo de cachorro, mas também aconteceu de pessoas, como Arthur, Mayra, Emídia, abordarem comigo situações de seus próprios medos ou de pessoas próximas e eu desenhar sobre elas. Tem também as questões ambientais, sociais, gerais e da nossa cultura, para as quais, a equipe da HQs do Lucas está sempre sugerindo novas ideias”, explica.“Me dá alegria ver as crianças apreciando minhas histórias em quadrinhos, livros ilustrados e desenhos. Também me sinto honrado por poder proporcionar mais inclusão só contando as histórias que eu conto e que desenho”.Mãe do Lucas, Eliane Quaresma conta que o interesse do filho caçula pelos desenhos foi percebida muito cedo. Ao comprarem um filme para a filha mais velha, Amanda, os pais de Lucas notaram que ele foi quem mais se interessou pelo longa, mesmo tendo menos de um ano de idade. “Para ela, compramos um filme de longa metragem ‘A bela e a Fera’ e quem aproveitou mesmo foi o Lucas. Naquele momento, com apenas 10 meses de idade, ele conseguia ver o filme por completo e se desligássemos antes de todos os créditos passarem na tela ele ficava descompensado e gritando. Dava pra perceber que interagia de forma impressionante com o filme, o que não apresentava com ninguém”.Eliane lembra que desde os 3 ou 4 meses de idade começou a observar alguns comportamentos atípicos em Lucas, incluindo a habilidade extraordinária que ele tinha de se concentrar para acompanhar desenhos animados em uma idade em que esse comportamento não é comum. Apesar disso e dos alertas feitos pela mãe aos médicos que acompanhavam o Lucas, o primeiro diagnóstico de autismo veio apenas aos 2 anos e meio de idade, e aos três anos a confirmação. “Tivemos desde cedo a percepção de que Lucas tinha um hiperfoco em desenhos animados e personagens prediletos, então se quiséssemos que desse alguma atenção a algo, eu desenhava um desses personagens, por exemplo no quadro das atividades diárias dele”, lembra Eliane. “Na junção de várias dessas situações, fomos adquirindo a percepção do quanto Lucas era focado nos desenhos, mas ainda não se manifestava por intermédio deles”.Naquela época, a interação entre Eliane, Lucas e o desenho se dava como um mecanismo da vontade dele, que levava caneta e papel e empurrava para a mãe quando queria que ela desenhasse. Mas, quando Lucas estava com 4 anos de idade, isso mudou. Eliane lembra que ele já conseguia segurar com firmeza uma caneta e, em um dado momento, ela estava muito cansada e disse ao filho que naquele dia não estava bem e que não poderia desenhar para ele. “Depois de tentativas de sua parte, apenas sentou-se ao lado da cama e com seu papel e caneta começou a desenhar sozinho. Daí para frente foi desenhando sem parar, era como respirar para ele, uma necessidade mesmo”.Aos poucos, Lucas também desenvolveu a habilidade de usar o computador com o objetivo de desenhar, apenas olhando o avô, pai de Eliane, fazer o mesmo. “Daí começamos a ser retratados como personagens, passamos a fazer parte de uma expressão de sua comunicação, nos tornamos desenhos em forma de quadrinhos, onde ele podia expressar seu dia a dia, suas vontades e frustrações”, recorda a mãe.“Os quadrinhos são uma expressão artística facilitadora para a comunicação em todas as idades e principalmente para as crianças. Lucas percebeu cedo essa força, e de forma espontânea, buscou meios através do desenho de quadrinhos para se comunicar e interagir com o mundo, apesar de seu encapsulamento devido ao autismo”.
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