Anvisa vai decidir se proíbe de vez uso de “gel da beleza”

Mariana teve que reconstruir a boca após passar por um procedimento de harmonização com aplicação de PMMA | Foto: Arquivo pessoal

Com relatos que se acumulam nos últimos anos de pacientes que apresentam sequelas e deformidades após o uso de PMMA (polimetilmetacrilato), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai decidir se proíbe ou não o uso no País da substância como preenchedor.O Conselho Federal de Medicina (CFM) chegou a se reunir no mês passado com a Agência, pedindo oficialmente que o produto seja banido para este uso.Procurada, a Anvisa informou que o relatório e dados apresentados pelo CFM, assim como outras informações encaminhadas sobre o tema, foram acrescidos ao processo de investigação em curso na agência. “Nesse momento, além da segurança e eficácia, a Anvisa também está avaliando toda a cadeia de comercialização do produto, que incluem a fabricação, a distribuição e o uso”.O 2º tesoureiro do CFM, Carlos Magno Dalapicola, explicou que o tema foi debatido em uma plenária temática com representantes da cirurgia plástica e dermatologia, que costumam lidar com complicações do PMMA.“Embora ele já seja usado há um tempo, temos observado na prática médica um aumento nas complicações provocadas pelo uso do PMMA. A comunidade médica entende que existem substâncias preenchedoras que podem ser usadas, com menor chance de complicações”, pontuou.O Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) informou que há dois casos de problemas envolvendo a aplicação de PMMA em apuração. Um deles, em fase de sindicância (apuração preliminar à possível instauração de processo) e outro processo ético-profissional.O presidente do CRM-ES, Fernando Tonelli, destacou que o posicionamento segue o do CFM, que é respaldado por farta fundamentação técnica e científica.“O uso indiscriminado desse produto para fins estéticos, inclusive por não médicos, é um grave problema de saúde pública. Ele é responsável por danos que podem ser irreversíveis e até por mortes de pacientes”.Ele orienta que pacientes que buscam esse tipo de tratamento se informem se serão atendidos de fato por um médico e, preferencialmente, por um médico especialista nas áreas que atuam com estética, como os cirurgiões plásticos e os dermatologistas.“Substância é uma bomba relógio”, diz influenciadoraForam mais de quatro anos e cinco cirurgias até a influenciadora Mariana Michelini, 36, conseguir sair de casa sem o rosto coberto por máscara. Ela fez um procedimento de harmonização com aplicação de PMMA em 2020. “Como era modelo influenciadora na minha cidade, o procedimento foi um trabalho de divulgação com uma dentista”.Segundo ela, a dentista disse que era ácido hialurônico. “O pesadelo começou exatamente seis meses depois. De uma hora para outra, acordei inchada”.Após procurar vários médicos e fazer a biópsia, veio a notícia que era o PMMA. “Foi um ano tratando, tentando conter o inchaço, a vermelhidão e a dor insuportável. Até que o produto migrou para o buço e o dermatologista disse que teria que remover”.Para isso, buscou um profissional de Porto Alegre, que aceitou ajudar, fazendo a cirurgia. “Passei a contar minha história nas redes sociais. Fiz vaquinhas e rifas para conseguir viajar. Tive de remover minha boca, buço e ainda um retalho do lado do nariz”.A reconstrução da boca foi um novo desafio, com um ano voltado aos procedimentos. “Sigo com o pensamento positivo. Estou livre da máscara. Foi 4 anos usando máscara para sair de casa”.Ela torce para que o PMMA seja proibido. “Inúmeras mulheres entraram em contato comigo, relatando problemas até após anos. O PMMA é uma bomba relógio, que depende do organismo para dar o tempo da reação”.Documento em defesa do produtoMesmo com o posicionamento contrário de entidades ao uso de PMMA, mais de 200 médicos que fazem o uso da substância em seus pacientes se uniram em defesa do preenchedor.Eles informaram que protocolaram no Conselho Federal de Medicina (CFM) um requerimento em que pedem a realização de plenária com a participação dos médicos que atuam com a substância, além da revisão do pedido de banimento do produto no Brasil.O médico ortopedista Thanguy Friço está entre profissionais que defende o uso da substância. Segundo ele, trabalha com o PMMA há 26 anos, tanto na área da ortopedia, quanto na harmonização corporal.“Temos no País mais de 600 médicos que atuam com o PMMA. Ele não é uma substância nova e até hoje não foi banida do mercado exatamente não ter embasamento para isso”, pontuou.Ele ainda destacou que o que se tem buscado hoje é uma regulamentação do ato médico e fiscalização das clínicas que realizam os procedimentos.“O PMMA está na mesma classificação de risco que o ácido hialurônico. Ele é uma excelente arma para ajudar os pacientes e, quando bem manejado, os resultados são maravilhosos para correção de deformidades, como sequelas de poliomielite”.O médico Pedro Lima também atua com o PMMA há seis anos e é contrário a banir o produto do mercado. “Apesar da polêmica, em seis anos, nunca precisei tirar produto, internar paciente ou tive problemas com relação ao PMMA. Quando bem utilizado, por profissionais capacitados, os resultados são fantásticos e mais duradouros”.Ele acrescentou que hoje há só duas marcas aprovadas no mercado. “O que temos visto de intercorrência são produtos aplicados em alta concentração, em plano errado ou até mesmo de substâncias que não tem registro”.Aprovado para fins corretivosPMMAO PMMA, ou polimetilmetacrilato, é um tipo de preenchedor usado em procedimentos médicos e precisa ter registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).O PMMA pode ser encontrado em lentes de contato, implantes de esôfago e cimento ortopédico – no entanto, foi na área estética que a substância ganhou maior repercussão ao ser usada como preenchimento cutâneo.Ela é usada em áreas como glúteos, boca, rosto, peitoral, entre outras.Uso da substânciaA Anvisa autoriza o uso da substância para tratamento reparador, nas seguintes situações:Correção volumétrica facial e corporal, que é uma forma de tratar alterações de volume provocadas por sequelas de doenças como a poliomielite (paralisia infantil).Correção de lipodistrofia, alteração no organismo que leva à concentração de gordura em algumas partes do corpo, provocada pelo uso de medicamentos antirretrovirais em pacientes com HIV/Aids.A Anvisa destaca que o PMMA não é indicado em procedimentos com fins estéticos, sendo aprovado apenas para fins corretivos.AplicaçãoA aplicação do PMMA deve ser feita por profissional médico ou odontólogo habilitado, segundo a Agência.RiscosSegundo entidades médicas, como o material é permanente, ou seja, não é absorvido pelo corpo, ele pode causar deformações, inflamações, necrose e até a morte.Médicos também afirmam que, depois de aplicado, sua remoção é praticamente impossível, porque o produto se espalha pelos tecidos.Fonte: Anvisa e entidades médicas.

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