Akira Lima: uma voz trans na ciência potiguar

“Eu tinha muitos questionamentos que ficavam na minha cabeça, e eu percebi que eu mesma poderia correr atrás dessas respostas.” Foi assim, com vontade de aprender e de explorar coisas novas, que nasceu a pesquisadora Akira Lima, 22 anos. Mulher negra e potiguar, ela é a primeira fonoaudióloga transgênero graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

A colação de grau dela foi realizada nesta terça-feira (11), coroando uma trajetória de estudos que começou em 2021. Durante esse período, Akira se envolveu em um projeto de pesquisa que seria fundamental em sua descoberta como mulher transgênero – um projeto sobre a voz de pessoas trans, travestis e não-binárias.

Para ela, fazer ciência é empoderar-se e, no caso desta pesquisa, contribuir com a comunidade trans: “Acho que a ciência é importante para isso. Ela me empodera, ela faz com que eu possa responder aos meus questionamentos e, além de tudo, ajudar a minha comunidade, que eu acho que, para mim, é o mais importante”.

Ainda no final da graduação, Akira foi aprovada no mestrado em Fonoaudiologia pela UFRN, ficando em segundo lugar na seleção. Na pós-graduação, ela seguirá estudando a voz desse público. Seu trabalho de conclusão de curso (TCC), intitulado “Fadiga e desvantagem vocal em pessoas transmasculinas e transfemininas”, é só uma dentre outras produções que ela já fez na universidade.

Para celebrar a carreira de Akira e de outras mulheres, neste 12 de fevereiro comemora-se o Dia Internacional das Mulheres e das Meninas na Ciência. Uma carreira que foi apresentada à recém-formada fonoaudióloga ainda no ensino médio, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) campus Parnamirim.

Akira e sua mãe, Maria Daniela, na noite de colação de grau / Foto: arquivo pessoal

“Foi quando eu vi que a gente poderia nos tornar pesquisadores e fazer trabalhos científicos, que são muito relevantes e interessantes”, conta Akira. 

Mas foi somente na UFRN que a sua vida acadêmico-científica começou: “A minha iniciação científica começou mesmo na UFRN, quando eu ingressei na faculdade, no Laboratório de Voz, Comunicação e Funções Laríngeas”. Ela foi orientada pela professora Juliana Godoy, com a qual segue na pós-graduação.

Uma paixão pela voz

Escolher o curso de Fonoaudiologia foi uma decisão à qual Akira acredita que estava “predestinada”, mas as descobertas que fez no curso a deixaram ainda mais encantada e certa disso.

“Eu sou apaixonada pela área de voz, por voz e comunicação humana, e me encontrei dentro da fonoaudiologia, conseguindo estudar, pesquisar e trabalhar com a voz de pessoas trans e travestis. Eu sempre amei voz, desde muito pequena, amava cantar e tudo mais. Com a fonoaudiologia, eu percebi que poderia trabalhar com a voz numa perspectiva diferente, numa perspectiva fonoaudiológica, e foi quando eu me encontrei nesse processo. [Nesse período,] eu me descobri uma pessoa trans”, diz.

Entre 19 e 20 anos, a descoberta de sua identidade de gênero marcou Akira e fortaleceu, ao mesmo tempo, sua pesquisa científica. “É um universo que me abraçou mesmo, onde eu vi muitas possibilidades, principalmente para responder às minhas perguntas”.

Vozes trans

O projeto de iniciação científica sobre a voz de pessoas trans e travestis já existia na universidade, mas, segundo Akira, ele nunca tinha apresentado conclusões. No laboratório, a equipe trabalha com a atuação fonoaudiológica, auxiliando esse público a encontrar uma voz com a qual se identifique. 

Akira Lima pesquisou e pretende continuar estudando vozes de pessoas trans / Foto: arquivo pessoal

“Geralmente, as mulheres trans e travestis almejam que tenham uma voz mais aguda. Os homens trans, geralmente, desejam ter uma voz mais grave. A gente faz um trabalho fonoaudiológico para encontrar a melhor voz desse indivíduo, a voz que melhor lhe represente”, ela explica.

De acordo com Akira, pertencer à comunidade trans foi decisivo para que ela conseguisse concluir a pesquisa a nível de graduação. A jovem fonoaudióloga destaca que já tem até um capítulo de livro publicado, na obra “Identidade Comunicativa: Pessoas Trans, Travestis e Não-Binárias” (Thieme Revinter, 2023).

“Isso foi uma coisa muito especial, poder fazer parte de um projeto que é tão importante, onde a gente está falando sobre voz e comunicação de pessoas trans e travestis. Eu era uma graduanda e já estava numa produção tão gigantesca, com profissionais tão relevantes”, pontua. 

Vitórias compartilhadas

Enquanto comenta sobre suas conquistas, Akira frisa que elas são coletivas ou existem devido à coletividade. Na fonoaudiologia, por exemplo, ela foi acompanhada por muitas mulheres cientistas. Durante a pesquisa, foi abraçada pelas pessoas LGBTQIAP+, especialmente trans, travestis e não-binárias.

“Eu fico muito feliz, porque foi a realização de um sonho gigantesco, que teve participação de muitas pessoas, principalmente da minha comunidade, que fez o possível e o impossível, mesmo sem me conhecer, para que uma gata preta, sabe? Uma mulher trans aqui, em Natal, conseguisse ser fonoaudióloga. Acho que isso é o que me deixou mais feliz”, diz sobre a ainda recente colação de grau.

Akira afirma que suas conquistas foram sendo construídas aos poucos, ao longo de quatro intensos anos. Ela diz que ter sido a primeira aluna trans graduada em Fonoaudiologia pela UFRN carrega um “peso muito maior”, mas “um peso muito feliz”. E frisa: ela não quer ser a única.

“Eu agradeço muito a quem veio antes de mim. Eu estava muito agradecida pela oportunidade de estar ali, porque eu sei que teve muita gente que lutou e se dedicou durante muitos anos para que hoje eu pudesse dizer: ‘Eu sou Akira, sou uma mulher trans, estou fazendo faculdade. Agora, eu sou fonoaudióloga’. Isso é muito importante”, afirma.

Ela ainda não conhece novas estudantes transgênero no Departamento de Fonoaudiologia da UFRN, mas torce para que haja outras no futuro. “Ser a primeira tem um peso muito grande, é muito importante, mas eu não quero ser a única.”

“Na minha pesquisa, eu precisei que a comunidade me abraçasse, respondesse, me ajudasse, que estivesse ali naquela pesquisa comigo. Essa é uma vitória que não é só minha, é uma vitória que eu compartilho com todas as pessoas que vieram antes de mim. E eu fico muito feliz de estar colaborando para que novas pessoas possam achar os seus caminhos e encontrar novos espaços.”

Uma trajetória tranquila

Akira contou à Agência Saiba Mais que se sente “privilegiada” pelas companhias que encontrou na UFRN, em seu nicho de pesquisa. Ela diz que não enfrentou desafios muito expressivos durante a graduação. Para ela, a maior dificuldade acontecia quando lidava com algo novo que ainda não entendia.  

“Eu já sofri questões pequenas enquanto estava na graduação, nada gritante. Alguns comentários ou as pessoas errando o meu pronome, ou às vezes me tratando pelo nome morto e tudo mais”, ela relata. Akira não elimina a possibilidade de sofrer algum tipo de preconceito durante a jornada acadêmica, pois é algo que “ainda está muito enraizado na sociedade”.

Completa: “Estou num departamento dentro de um ambiente que é muito acolhedor, onde eu me sinto muito bem e sou extremamente respeitada. Tenho medo do preconceito por tudo que vivi, então acho que esse pode ser um possível obstáculo, mas, sinceramente, no que depender do núcleo em que estou inserida, do meu laboratório, no departamento em que eu me encontro, eu acho que isso não vai acontecer”.

Futuro

Akira ainda não fechou um tema para a pós-graduação, mas a área é certa: ela vai continuar pesquisando sobre a voz de pessoas trans e travestis. Entretanto, ela já sabe que o foco não será mais a fadiga vocal.

Para o futuro, a jovem sonha em continuar estudando, pesquisando e fazendo ciência: “Isso mudou minha vida e fez com que eu me encontrasse, então é isso que eu quero para o meu futuro”. 

Ela já projeta fazer o doutorado, após o mestrado, e ser docente. Ao mesmo tempo, quer por os conhecimentos teóricos em prática e continuar atuando em sua comunidade.

“Além de estar trabalhando com a pesquisa e com os benefícios que a pesquisa científica sobre voz de pessoas trans e travestis, quero trabalhar para a minha comunidade, com terapia de voz, de comunicação, para pessoas trans”, conclui.

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