AS MAZELAS DE UMA METRÓPOLE EM CRISE

Essa foi a reflexão que propusemos ao nosso entrevistado, Sr. Geraldo de Souza Júnior, natural do Rio de Janeiro e residente em Manaus, mestre em estatística pela UFMG. Destacou um cenário preocupante e contraditório para a capital do Amazonas, que apesar de sua relevância econômica e expressiva arrecadação de impostos, enfrenta sérios problemas sociais.

Manaus, capital do estado do Amazonas, ocupa uma posição de destaque tanto no cenário nacional quanto internacional. Além de sua relevância econômica para a região, a cidade chama atenção no contexto ambiental, com impactos globais, devido à sua vasta floresta e à rica diversidade de fauna e flora. No entanto, essa importância não parece se refletir na qualidade de vida de sua população, que enfrenta desafios significativos devido à falta de políticas públicas eficazes em áreas como habitação, saúde e bem-estar.

Os determinantes sociais da saúde são as condições em que as pessoas nascem, vivem, trabalham e envelhecem, que influenciam sua saúde e qualidade de vida. Esses fatores são moldados pela distribuição de poder, recursos e dinâmicas sociais, econômicas e políticas em diferentes níveis (local, nacional e global). Eles vão além dos fatores biológicos ou individuais, abrangendo aspectos estruturais e contextuais que impactam a saúde das populações.

Com base em dados públicos oficiais, o especialista analisou diversos aspectos que influenciam a economia local, bem como os índices de desenvolvimento social e as condições de vida da população manauara em comparação com o restante do país. Sua análise revela uma realidade complexa, em que o potencial econômico da cidade não se traduz em melhorias significativas para a qualidade de vida de seus habitantes.

Para enfrentar esses desafios, é imprescindível a adoção de políticas públicas eficazes e integradas, que priorizem a equidade, o acesso universal a direitos básicos e a redução das disparidades socioeconômicas. A transformação necessária passa por um compromisso coletivo, envolvendo governo, sociedade civil e setor privado, para garantir que os manauaras tenham condições dignas de vida e oportunidades reais de desenvolvimento. A mudança não é apenas urgente, mas essencial para construir um futuro mais justo e inclusivo para Manaus.

ANF – Quais são os principais desafios e avanços em relação aos Direitos Sociais e Sociais (DSS) na cidade de Manaus, e como as políticas públicas têm impactado a qualidade de vida da população local?

Souza Júnior – “O modelo de Dahlgren e Whitehead, desenvolvido na década de 1990, é uma ferramenta essencial para entender os determinantes sociais da saúde, abrangendo desde fatores individuais até condições sociais e econômicas mais amplas. Em Manaus, essa perspectiva revela um cenário de desigualdades estruturais agravadas por um histórico de negligência estatal, comprometendo a qualidade de vida da população e limitando o acesso a direitos fundamentais.

ANF – O Sr refere que o crescimento populacional e urbanização são realizadas de forma desordenada no município. Recentemente Manaus foi anunciada pelo IBGE como a segunda capital com maior área de favelas, perdendo somente para a capital vizinha Belém. Como esse processo de favelização tem sido observado através da análise dos dados?

Souza Júnior – “Manaus vivenciou um crescimento populacional acelerado, passando de pouco mais de um milhão de habitantes em 1991 para aproximadamente 2,3 milhões em 2024. No entanto, esse aumento não foi acompanhado por uma política eficaz de habitação e infraestrutura, resultando na proliferação de favelas e na precarização dos serviços públicos. Atualmente, mais da metade da população manauara reside em áreas sem acesso adequado a serviços básicos, tornando a cidade a segunda capital com maior número de favelas no Brasil, atrás apenas de Belém.

ANF – Há algum reflexo desse desordenamento quanto a desigualdade racial e exclusão histórica vivido pela população?

Souza Júnior – “Segundo o Censo de 2022, aproximadamente 70% da população de Manaus se autodeclara parda, enquanto a população branca representa 23% e a indígena apenas 0,91%. Apesar da diversidade racial, a desigualdade no acesso a direitos básicos persiste, refletindo um histórico de exclusão social. Os povos indígenas urbanos, por exemplo, vivem em condições de extrema vulnerabilidade, com acesso limitado à educação, saúde e infraestrutura adequada. A resistência dos quilombolas em Manaus reflete uma luta histórica pela preservação de suas terras e modos de vida, que muitas vezes são ameaçados por grandes projetos de infraestrutura, expansão urbana, exploração de recursos naturais e outras atividades econômicas. A falta de titulação das terras deixa essas comunidades vulneráveis a conflitos fundiários, grilagem e despejos ilegais.

ANF – O Sr fala sobre “O Fracasso do Modelo Econômico”, como consequência dos índices de pobreza e desemprego. Manaus não é uma cidade pobre de acordo com os dados oficiais, de produção de bens e arrecadação, essa melhoria na arrecadação não é uma boa perspectiva?

Souza Júnior – “Embora Manaus tenha um PIB de R$103 bilhões, ficando entre as cinco capitais mais ricas do Brasil, a distribuição de riqueza é profundamente desigual. A Zona Franca, principal motor econômico da região, falhou em garantir condições dignas de trabalho para a maioria da população. Apenas 30,86% dos trabalhadores possuem emprego formal, uma das menores taxas de educação entre as capitais brasileiras. Além disso, o salário médio mensal de três salários mínimos é insuficiente para cobrir os custos de vida crescentes, levando milhares de famílias à informalidade e ao subemprego. A pobreza extrema afeta cerca de 500 mil pessoas em Manaus, enquanto aproximadamente 900 mil sobrevivem com menos de meio salário mínimo. O programa Bolsa Família atende 726 mil habitantes, evidenciando a forte dependência de políticas assistenciais frente à falta de oportunidades reais de ascensão social.

ANF – Quanto a Infraestrutura e Saneamento, que o Sr diz ser um “Direito Negado” à população, tem sido noticiado os investimento na construção de passagem de nível(viaduto), bem como afirmação do prefeito como compromisso de campanha do primeiro mandato, que asfaltaria 10(dez) mil ruas, os dados não revelam essas melhorias?

Souza Júnior – “A precariedade do saneamento básico é um dos principais entraves para a qualidade de vida da população manauara. Enquanto a média nacional indica que 65% dos domicílios possuem acesso a redes de esgoto, em Manaus esse percentual é de apenas 50%. O abastecimento de água também é deficitário, alcançando só 76% dos domicílios. A falta de saneamento adequado impacta diretamente a saúde infantil e contribui para a disseminação de doenças de veiculação hídrica, evidenciando a negligência gestora na garantia de condições básicas de vida.”

ANF – Uma publicação em 2024, em referência ao aniversário da cidade de Manaus revela que: “Em seis anos, o Governo do Amazonas investiu mais de R$760 milhões na Educação em Manaus”. Mas o Sr refere crise na educação como “Barreira para o Desenvolvimento”?

Souza Júnior – O acesso à educação é um dos pilares fundamentais para a redução das desigualdades, mas Manaus enfrenta desafios sérios nesse setor. Apesar de o Brasil dispor de matrículas suficientes para atender toda a população de zero a 17 anos no ensino infantil, fundamental e médio, a taxa de escolarização na capital amazonense é inferior à média nacional: enquanto 97% dos brasileiros frequentam a escola, em Manaus esse percentual é de apenas 91%.
No ensino superior, a situação é ainda mais desafiadora. O Brasil oferece cerca de 10 milhões de matrículas em universidades públicas e privadas, mas a população entre 18 e 24 anos é de aproximadamente 21 milhões de pessoas. Quando consideradas apenas as instituições públicas, o país consegue atender apenas 9,7% da demanda. Em Manaus, a oferta de vagas é um pouco mais favorável, alcançando cerca de 60% da população-alvo. No entanto, quando se trata exclusivamente da rede pública, a capacidade de atendimento é de apenas 13,4%, revelando um obstáculo significativo para a democratização do ensino superior na região.

ANF – Na saúde o Sr relata a possibilidade de Colapso do Sistema de Saúde, os dados revelam essa fragilidade e qual a sua conclusão sobre a reunião destas informações?

Souza Júnior – “A precarização da saúde pública é um reflexo direto da falta de investimentos e do crescimento populacional desordenado. Com apenas 360 equipes da Estratégia Saúde da Família, a capacidade de atendimento deveria ser de 1.080.000 pessoas, mas os cadastros apontam um total de 1.848.375 usuários, resultando em um colapso operacional. A cobertura das equipes de Estratégia de Saúde da Família – ESF é de apenas 47,4%, evidenciando a deficiência no acesso aos serviços essenciais. A falta de profissionais, o subfinanciamento e a sobrecarga do sistema resultam em longas filas, desassistência e agravo de doenças evitáveis.

A conclusão sobre a urgência da transformação em Manaus, com base na análise dos determinantes sociais da saúde, evidencia um cenário crítico e complexo. A cidade, marcada por desigualdades estruturais e históricas, reflete as consequências de décadas de negligência por parte dos gestores públicos. O crescimento populacional acelerado, aliado à precariedade dos serviços públicos, à crise na educação e à falta de acesso à saúde, perpetuam um ciclo de exclusão social que afeta diretamente a qualidade de vida da população.

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