‘O foco desses novos investimentos é evitar que as pessoas adoeçam’

Na semana passada, o governo baiano anunciou um pacote de investimentos de R$ 2,07 bilhões para fortalecer a saúde pública nos municípios, considerado histórico pela secretária estadual de Saúde, Roberta Santana. “Ele é histórico porque completa um processo pensado para a saúde pública, que começou com a expansão da rede de hospitais de alta e média complexidade e, agora, avança para o fortalecimento da atenção primária”, afirma a secretária, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE.De acordo com ela, o governo do Estado, nessa nova estratégia, não apenas expande a rede voltada para a prevenção e promoção do cuidado, como também cofinancia recursos diretamente aos municípios. Tudo isso dentro de um grande pacto que envolve não só o Estado e as prefeituras, mas também o governo federal, a Justiça, o Ministério Público e entidades não governamentais. “A ideia é permitir que mais pessoas tenham acesso aos postos de saúde para realizarem seus exames preventivos e, assim, reduzirmos o número de doenças mais graves”, explica. Saiba mais na entrevista a seguir.O governador anunciou esta semana um pacote de investimentos para a Saúde da Bahia. Tanto ele, quanto a senhora, classificaram esse pacote como histórico. O que diferem esses investimentos de outros que já foram feitos no estado?Quem acompanha a nossa trajetória sabe que muitas políticas públicas que fizemos na área de saúde foram direcionadas à expansão da rede de média e alta complexidade, os grandes hospitais. A secretaria dá conta hoje de 52 hospitais, 12 unidades de oncologia, além dos centros de referência. Nessa trajetória, a gente ampliou muito a rede, fizemos 26 policlínicas. Mas a gente sempre está se perguntando: o que podemos fazer para melhorar? E falar da saúde é falar de promoção e prevenção. A gente tem ampliado a rede de hospitais, mas temos a necessidade também de trabalhar na prevenção e na promoção da saúde. Tem o envelhecimento natural da população, as condições climáticas, uma série de fatores que interferem na saúde das pessoas. O governo do Estado, nessa estratégia que lançamos agora, não só expande a rede voltada para o fortalecimento da prevenção e promoção ao cuidado da pessoa, como co-financia recursos diretamente aos municípios. Então, a primeira estratégia foi o fortalecimento e montagem de uma estrutura de média e alta complexidade. O Estado fez isso. Hoje, nas nove macrorregiões de saúde, nós temos grandes hospitais de alta complexidade. E agora a gente vem num outro caminho, que é estender a mão ao município. E a gente não só leva a estrutura, mas dá condição de manutenção e custeio. Dos R$ 2 bilhões previstos no pacote, R$ 1 bilhão e meio está focado em ações de expansão de rede. O que é essa expansão? Ela é dividida em quatro grandes programas. O ‘Mais Atenção Primária Bahia’, no qual a gente faz a construção de 284 novas unidades básicas de saúde no interior. Com isso você faz o quê? Prevenção e promoção no posto de saúde, a primeira porta de entrada da população. Numa segunda linha, a gente tem o programa ‘Mãe Bahia’, que visa o fortalecimento do parto humanizado, seguro, para melhorar os serviços de obstetrícia e dar condição aos hospitais locais. Temos outro programa na linha de atenção à pessoa com deficiência e também na expansão de centros de reabilitação, que são 17. E com o co-financiamento, ajudando o município a manter o atendimento básico. E no psíquico social, que conta com 27 novos CAPs. Então, ele é histórico porque completa um processo pensado da saúde pública, que foi de expansão de alta e média complexidade num primeiro momento, e agora o fortalecimento da atenção primária.De onde virão os recursos para esse pacote? A ideia é que ele seja implementado em quanto tempo?Na verdade, esses recursos são oriundos de duas grandes fontes. Uma é do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que são os grandes investimentos das maternidades, principalmente, e boa parte das unidades básicas de saúde que serão construídas no interior. O PAC traz agora a parte de saúde. E uma segunda é a parte do PROSUS, que é um acordo de empréstimo, que foi feito pelo governador Jerônimo Rodrigues, focado no fortalecimento do SUS. Com esses recursos, a gente vai construir 27 CAPs, que são os centros de atenção psicossociais, e 17 centros de reabilitação, inclusive um grande centro de reabilitação aqui em Salvador. Esse centro vai dar conta de todas as deficiências físicas, auditivas, intelectual e visual e a parte de autismo. Basicamente é essa composição de recurso que vai viabilizar esse aporte de R$ 2 bilhões.A iniciativa faz parte do Pacto Bahia pela Saúde, um compromisso do governo com prefeituras, Judiciário e entidades para fortalecer a saúde pública. Como está sendo a construção desse pacto e quais são as metas que pretendem atingir com ele?Isso ajuda a explicar esse marco histórico, que foi chamar todos os entes para unir forças e fortalecer a saúde pública do Estado num grande acordo de cooperação. A gente envolveu os órgãos do Estado, Ministério Público, as prefeituras, a Defensoria Pública e o próprio Tribunal de Justiça, porque a gente tem muitas ações judicializadas. Isso com intuito de reduzir os grandes indicadores de saúde. Quais são os grandes indicadores desse pacto? O índice de mortalidade materna. O programa Mãe Bahia é muito focado nisso. Para você ter ideia, 52% da população da Bahia é de mulheres e, dessas, 60% estão no período fértil. É um público que a gente precisa cuidar, principalmente na prevenção. Nas consultas, nas realizações de pré-natal, para que a gente possa ter o acompanhamento. A gente foca no índice de mortalidade materna, que é muito alto em mulheres negras. A redução da mortalidade neo e infantil também faz parte do nosso pacto. E a ampliação da cobertura da atenção primária, que é nossa grande estratégia. A ideia é permitir que mais pessoas tenham acesso aos postos de saúde para que façam seus exames preventivos e, assim, a gente reduza o número de doenças mais graves.Ao aderirem ao pacto, as prefeituras assumem o compromisso de fortalecer suas redes de atendimento. Como o governo fará para assegurar que esses compromissos virem ações na prática?Aí é o grande diferencial dessa estratégia desse pacote que soltamos. O programa ‘Mais Atenção Primária’ foi um pedido do governador Jerônimo. Ele disse ‘olha, eu estou disposto a ajudar os municípios, porque eles falam do subfinanciamento do SUS e tem dificuldade de ter profissionais de saúde, por exemplo, para garantir o atendimento no posto de saúde’. A gente não só vai construir unidade básica de saúde, como vai colocar recursos’. A Bahia, desde 2017, tem um co-financiamento em que paga R$ 1.5 mil para uma equipe de saúde da família. Na proposta que lançamos agora nesse pacote de R$ 2 bi, a gente agora pode pagar até R$ 5 mil. Mas tem uma condição: o município precisa trabalhar em indicadores importantes. Que indicadores são esses? O controle da diabetes, por exemplo, tem uma demanda muito alta. A hipertensão, que é algo que se não for tratado e cuidado, se agrava. Essa é a estratégia que nós utilizamos. Para o município ter acesso a esses recursos, ele vai precisar cumprir indicadores de desempenho. Nós vamos monitorar a partir dessa execução dos indicadores. Controle de pré-natal, vacinação do primeiro ano de idade… Se a gente garantir que o município dê acesso à população a essa consulta e controle essas doenças que efetivamente têm maior incidência e devem ser tratadas na atenção primária, a gente evita que esses pacientes se agravem. Além disso, cuidando preventivamente a gente não terá repercussão ou sobrecarga na rede de urgência e emergência. Essa é a grande estratégia que estamos fazendo dentro da atenção primária.A ampliação do Telessaúde é outro foco do governo com esse pacote. Como vem funcionando o atendimento remoto no estado e de que forma ele será ampliado?Dentro do ‘Mais Atenção Primária’, a gente constrói unidade básica, aporta recursos para ter acesso e garantia às consultas e tem uma estratégia muito importante que é reduzir as distâncias. A gente conversa muito com os municípios, eles falam, ‘secretária, para ter acesso a um dermatologista, às vezes tenho que percorrer uma grande distância para ter uma consulta. Vão ser distribuídos agora 180 kits de teleconsulta e telediagnóstico, que vão permitir de forma remota que o paciente tenha acesso a especialistas, tanto no âmbito de dermatologia ou outras especialidades sem precisar deslocar o paciente. Dentro da unidade básica de saúde, ele vai ter o kit. Vai ser possível, por exemplo, você está num distrito e orientar o paciente, claro, com um médico presente e toda a estrutura. A Sesab hoje tem uma equipe que cuida da telessaúde nos municípios e nós vamos ampliar isso. É nossa estratégia para reduzir essas distâncias e o acesso da população à consulta, à primeira porta de entrada.Com os investimentos, o Estado também espera ampliar e tornar mais humanizado o atendimento para pessoas com transtornos mentais e dependência química?Hoje, a Bahia tem 16 centros de reabilitação para dar conta de 15 milhões de habitantes, 80% dependentes do SUS. A gente sabe que essa demanda tem crescido. Não só especificamente sobre TEA (transtorno do espectro autista) , mas de outras deficiências também. O que nós estamos propondo agora é duplicar essa quantidade de centros. O governador Jerônimo vai construir mais 17 centros de reabilitação espalhados pelo interior do Estado. Eles vão desde Paulo Afonso, passando por Salvador, que terá um grande centro de reabilitação, a Bom Jesus da Lapa. O governo não só vai construir, como também vai colocar 20% do custeio que hoje o Ministério da Saúde faz para um equipamento desses. Mas lembrando que essa gestão é feita pelo município. O que o governo do Estado está fazendo é dar condições ao município, à infraestrutura, ao equipamento montado. Importante registrar que o equipamento estará montado e entregue ao município para que ele faça a gestão. Essa é uma estratégia que o governador Jerônimo utilizou para dar a condição e viabilizar o custeio de uma forma como um auxílio, um co-financiamento. É uma estratégia importante. Isso vai ampliar a possibilidade de pessoas que hoje se deslocam ou que não têm sequer assistência na linha do psicossocial, é semelhante, mas a gente tem uma amplitude maior de CAPs do que os centros de reabilitação. No caso dos CAPs a gente também vai expandir. São mais 27 novos CAPs, que vão desde dependentes de álcool e drogas, depressivos, pessoas que precisam de uma forma geral desse apoio na saúde mental, dessa rede. E o governador também traz uma outra iniciativa: o cofinanciamento do governo do Estado era destinado a apenas dois tipos de CAPs. Com esse novo pacote ele amplia para 100% do CAPs. Você tem CAPs tipo 1, 2, 3. Claro, isso vai depender da quantidade de pessoas atendidas e os tipos de especialidades que são atendidas dentro do Caps. Para você ter uma ideia, hoje são nove CAPs financiados pelo governo da Bahia. E passará para 100%, que dá mais de 280 CAPs financiados pelo governo do Estado da Bahia. Hoje, eles só recebem recursos do governo federal e vão agora receber em torno, que pode variar de 15% até 25% de aporte do governo do Estado de forma adicional. E tem uma outra linha, que é a assistência farmacêutica também. O governo do Estado também fez um incremento de 17% na assistência farmacêutica, em torno de R$ 43 milhões, para a gente poder fortalecer.Como vocês chegaram nesses eixos de investimentos?Volto a dizer sobre a necessidade que nós temos do fortalecimento da prevenção e a promoção à saúde. A gente verificou que somente ampliar e abrir leito não vai vencer a demanda da rede de urgência e emergência. Esse é inclusive o desafio da regulação, que hoje é deitar pacientes graves em leitos no Estado. Nós construímos muitos leitos. Na gestão do governador Jerônimo, em dois anos, foram mais de 3.500 novos leitos abertos. Então, por que eu ainda tenho uma quantidade tão grande de pacientes que precisam ser regulados para leitos de alta e média complexidade? A gente vem estudando que a maioria desses pacientes que agravam não tem acesso nem à primeira consulta. Uma das maiores demandas que nós temos na regulação hoje é paciente com demanda vascular ou que chegam para fazer a amputação do seu pé. O que a gente verifica é o grau de gravidade que esses pacientes têm chegado nas UPAs. Significa que uma etapa, que é a causa fundamental, a prevenção e a promoção, os pacientes não estão tendo acesso. Por isso, essa estratégia de a gente sair em cinco linhas de ação. Uma na parte da atenção primária, onde a gente vai vencer essas condições. Outra na parte de parto e nascimento, porque é importantíssimo também que a gente dê acesso às mulheres ao pré-natal. Por isso a gente fortalece e aporta recursos aos hospitais. Na linha da assistência farmacêutica, ajudando os municípios a colocar, colocando recurso para que ele garanta que a medicação básica da hipertensão, por exemplo, esteja disponível. E na linha das outras especializadas que é a deficiência e a psicossocial. Por isso que ele se torna histórico. Entendo que a gente fechou um ciclo. A gente expandiu o regime de alta e média complexidade e agora a gente abre outra vertente trabalhando na prevenção e na promoção da saúde. Completando: a gente tem uma estrutura hoje montada de média e alta complexidade boa no Estado e a gente agora está trabalhando na vertente da necessidade da causa fundamental para que as pessoas não adoeçam, sobretudo. Essa é a grande estratégia, por isso que eu acho que ela é um marco.O pacote foi lançado durante um grande evento com mais de três mil representantes de municípios, de técnicos e secretários. Qual é a importância desse primeiro contato, dessa conversa para fortalecer a saúde nos municípios?Eu diria que é altamente estratégico. Primeiro, porque é o início das gestões. E a gente tem a oportunidade de, em menos de 30 dias, falar com os novos prefeitos sobre a importância do cuidado da saúde e as prioridades. E trazer os novos secretários para mostrar como funciona o SUS, mostrar que tipos de financiamento e equipamentos, como deve ser conduzido, que tipo de acesso aos serviços de saúde eles podem fazer. Isso é muito importante nesse momento. Primeiro, porque a gente começa a planejar junto. A gente também tem a oportunidade de fazer a troca com os municípios e abrir a porta da secretaria. O governo federal também esteve presente no evento. Aqui a gente pode ver a governança do SUS funcionando de forma tripartite. Os municípios com as dificuldades deles. O Estado que também tem suas dificuldades, e a União. Mas os três juntos tentando encontrar o caminho para levar a melhor saúde. Por isso, foi altamente estratégico. Nós conseguimos reunir esses secretários de saúde, trocar a experiência com eles, mas, sobretudo, muni-los de informações, de dados e, com esses grandes programas. Dando condição a eles e dizendo: ‘O Estado está com a mão estendida e o que a gente quer é que vocês venham vencer os desafios da saúde pública junto com a gente’. Foi uma avaliação muito positiva. Eu estive com diversos prefeitos depois disso e eles disseram, ‘secretária, a gente não conhecia essa realidade’.O governo federal anunciou o fortalecimento de R$ 200 milhões a mais de repasses do SUS para o Estado. Esses recursos chegam em boa hora?Sempre vem em boa hora. É importantíssimo falar que o governo federal tem tido cada vez mais uma parceria mais forte com a gente. E a gente fica muito feliz com o resultado. Se você pegar historicamente o aporte de recursos que o governo federal fez nesses dois últimos anos para a Bahia, ele é bastante significativo. A gente sabe da realidade do SUS. Mas, em dois anos, foram quase R$ 22 bilhões de investimentos somente dessa secretaria. Boa parte desse recurso, mais de 70%, é do governo do Estado. É a prioridade que o governador Jerônimo tem colocado na saúde. Mas o governo federal não tem faltado com a gente. Quando a gente traz um novo hospital, como nós inauguramos agora o Hospital de Cuidados Paliativos, o governo federal entra com um aporte de recursos para que fortaleça a média e alta complexidade do nosso Estado. Sem falar da entrega das ambulâncias do Samu. Foram 80 novas Samu renovadas aqui para a Bahia, porque ajuda a rede de urgência e emergência. São sempre sinais muito positivos. E também tem os aportes de recursos do PAC que vem do governo federal. Para a maternidades, por exemplo. O que o Estado fez?Como esses novos recursos vão impactar na questão da regulação, uma questão que sempre preocupa a Saúde da Bahia?Dentre as estratégias que nós pensamos da regulação e dos desafios que nós temos, vem a necessidade da gente poder intensificar o trabalho na prevenção e na promoção à saúde. A estratégia clara da gente de fortalecimento, seja no programa Mãe Bahia, que é o parto e nascimento, seja na estratégia Mais Atenção Primária, são dois programas focados, direcionados, para que a gente possa atingir a melhor eficiência no processo de regulação. E aí você me pergunta, o que tem a ver a urgência e emergência com o parto e nascimento e atenção primária? Primeiro, que a gente tem hoje a quantidade de pessoas agravando muito por conta da falta de acesso à consulta ou a primeira porta de acesso, que era o posto de saúde. A gente está abrindo muitos leitos, e é isso que nós fizemos. Mas a gente não consegue diminuir a quantidade de pessoas que entram na tela da regulação. Essa estratégia visa trabalhar na prevenção e na promoção da saúde das pessoas, o que é muito importante, porque as pessoas vão ter a possibilidade de ter uma qualidade de vida melhor. O que a gente quer aqui é evitar que as pessoas adoeçam. E que a gente reduza, com isso, a sobrecarga na porta da rede de urgência e emergência. É trabalhar nas doenças que são mais evitáveis se forem tratadas. No parto e nascimento, eu só queria chamar a atenção para um programa que vai permitir que as pessoas possam nascer no seu local de origem. Com esse programa, o governador Jerônimo vai conseguir colocar recursos em maternidades em hospitais locais para ter uma enfermeira obstetra e para garantir a segurança de um parto, um parto humanizado. Isso passando o recurso direto para a maternidade, aumentando a segurança do parto e reduzindo o índice de mortalidade materna. Mas também dando a possibilidade da pessoa nascer no seu município, o que é uma dignidade para muitas pessoas. Também evita que gestantes de risco habitual não tenham que ir para a unidade de maternidade de gestação de alto risco. São duas formas que vão ajudar na regulação.Raio-XGraduada em Administração pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e mestre em Administração Estratégica (Unifacs-2009), Roberta Santana se especializou na área de Administração Pública, com ênfase em Planejamento e Gestão Estratégica. Ocupa funções estratégicas de gestão no governo do Estado desde 2007 e, em janeiro de 2023, assumiu o cargo de secretária da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Ela conduziu a Diretoria-geral no enfrentamento da pandemia causada pela Covid-19.
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