“Iphan não é dono da igreja”, diz presidente após tragédia no Pelourinho

Em entrevista concedida ao Portal A TARDE nesta quinta-feira, 6, o presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass, confirmou que, desde 2014, tinha conhecimento da necessidade de intervenções emergeciais nas estruturas da Igreja e do Convento de São Francisco, localizado no Centro Histórico de Salvador. No entanto, afirmou que, no documento expedido pelo Ministério Público Federal (MPF), o órgão não indicou onde as obras deveriam ser feitas. O diálogo aconteceu em frente à igreja, um dia depois de parte do teto desabar matando uma turista paulista e deixando outras cinco pessoas feridas. “Em 2014, o Ministério Público entrou com uma Ação Civil Pública pedindo para que fossem tomadas providências para o tratamento do complexo, sem indicar necessariamente se era elemento A ou B, se era teto ou azulejo. Essa ação prosperou judicialmente e, em 2022, houve tramitação e conclusão do processo. Quando assumimos, passamos a desenvolver respostas e isso aconteceu com o procedimento de azulejo da obra, item importante. Porque isso também compromete a estrutura, já que ele [azulejo] também é degradável, explicou Grass.Ele afirmou ainda que, na ocasião das obras, também foi feito o tratamento do pináculo – parte mais elevada da igreja -, que já estava despencando e poderia cair e machucar alguém que estivesse passando do lado de fora do templo. Ao ser questionado sobre a queda do forro, o presidente declarou que o Iphan não tinha conhecimento de que a estrutura corria o risco de cair, tampouco havia sido sinalizado do problema pela Comunidade Franciscana da Bahia, dona do imóvel, ou por algum órgão fiscalizador que atuam na capital baiana. “Em relação ao forro específico, a gente tinha nosso movimento de danos, mas sem nada que pudesse apontar o que essa tragédia promoveu. A defesa civil também, pelas suas perícias, pelos seus dados, não sinalizou nada nem ao proprietário, nem ao próprio Iphan. A igreja estava aberta, estava sendo frequentada. Então, como eu disse, existe um proprietário, existem também outros órgãos que averiguam a segurança dos locais públicos, dos locais privados, estruturas e com eles também nós trabalhamos”, apontou Leandro Grass.Já sobre a execução das obras por parte do Iphan, Grass disse que o papel do órgão é orientar e acompanhar a preservação do imóvel, não tendo assim a obrigatoridade de arcar financeiramente com os custos dos reparos. “O Iphan não é dono da igreja, o Iphan ele orienta, ele acompanha. Tratando-se um bem público, no caso hipossuficiente, ou seja, a ordem alega que não tem recursos, o Estado brasileiro ele pode investir, não significa necessariamente que ele vai investir, mas ele pode, assim como a gente atende terreiros aqui na Bahia, a gente atende outras igrejas Nós temos ações aqui em dezenas de bens tombados, agora com o novo PAC, muita coisa acontecendo”, concluiu.A reportagem também conversou com Frei Pedro Júnior, guardião do Convento, há quatro anos. Ele confirmou que intervenções foram realmente feitas no conjunto de azulejos portugueses, mas nada foi realizado nas demais estruturas. “Então, de forma imediata, nenhuma restauração assim estava acontecendo. Aconteceu nos últimos anos, nos últimos três anos, o dos azulejos portugueses, que foi entregue. Foi entregue, com muito louvor, fizeram um bom trabalho. Agora, referente à estrutura do próprio convento, da igreja, em si mesmo, não foi se pensado nada. E é bom ressaltar que a gente não pode fazer nenhuma intervenção”, relatou o Frei, revelando que estava esperando a elaboração de um projeto, por parte do Iphan, para iniciar uma campanha na tentativa de angariar fundos para ajudar a pagar as obras.A advogada da Comunidade Franciscana da Bahia, Maria Bernadete Nogueira Leite Primo, reiterou que a instituição religiosa não possui recursos para executar as intervenções necessárias na Igreja e no Conventos. Além disso, ela afirmou que a direção da templo solicitou uma vistoria no local, mas não foi atendida. “Efetivamente, é cobrada uma taxa irrisória para a manutenção do complexo. Nós temos visitações diárias de turistas, de cidadãos baianos, enfim. Toda essa manutenção fica às dispensas da igreja, dos frades. Porém, não é suficiente para o restauro desse complexo. Infelizmente, nós fomos acometidos por essa tragédia que vitimou uma jovem. Estamos extremamente consternados com essa situação. Jamais imaginamos que poderia de fato ocorrer, até porque nós solicitamos com frequência a presença dos responsáveis, de técnicos, para identificar possíveis falhas, possíveis problemas, justamente porque os frades não possuem conhecimento técnico”, lamentou ela.

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O Ministério Público Federal foi procurado pela reportagem, por meio de e-mail enviado à sua assessoria de comunicação, para informar se o Iphan já havia dado um parecer acerca do andamento das obras na igreja, que, segundo o órgão teria se iniciado em dezembro de 2023 e seria concluído em fevereiro de 2025. Até o fechamento dessa matéria, o MPF não havia se pronunciado. Já a Justiça Federal,  responsável pela sentença condenatória contra o Iphan, por meio da assessoria de comunicação, confirmou que: “o Iphan vem cumprindo com determinações judiciais, inclusive com a contratação de obras urgentes de recuperação, conservação e manutenção da Igreja e Convento de São Francisco, com prazo de execução entre 18/12/2023 a 09/02/2025, bem como informou a formalização de um aditivo para alterar o prazo final de execução, visto que já previa que a conclusão não ocorreria até 09/02/2025”. Não foi informado quais intervenções estão sendo feitas. LutoEm meio às perdas físicas e o embate com o Iphan, Frei Rogério Lopes, Ministro Provincial da Comunidade Franciscana, aproveitou o momento para expressar sua tristeza pela morte de Giulia Panchoni Righetto, 26 anos, turista de Ribeirão Preto, São Paulo, morta no desabamento, pelos feridos. “Hoje [quinta-feira], para nós é um dia de luto, porque uma jovem teve a vida ceifada diante dessa fatalidade. Para nós, o maior patrimônio é a nossa vida. Então, nesse primeiro momento, para nós, é somente de choro, de luto e da comunhão e da solidariedade com a família dessa jovem, como também de todos aqueles que tiveram as escoriações. Segundo momento é esperar a perícia, a polícia técnica está fazendo de fato aquilo que tem que ser feito, apurando. Nós estamos colaborando naquilo que for necessário para que isso aconteça. E o terceiro passo é, justamente, junto com as autoridades, com o poder público a gente tentar reerguer novamente essa obra de mais de 400 anos”, afirmou o ministro.

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