O Brasil é dos brasileiros? (Sobre o viralatismo de sempre)

Na batalha de narrativas e simbolismos que se tornou a política atualmente, principalmente no que tange à divulgação de ações na mídia, me chamou muito a atenção a indignação de políticos de extrema-direita com o uso, por ministros do Governo Lula licenciados para voltar a deputados federais, de bonés azuis com a frase ‘O Brasil é dos Brasileiros’.

A frase em si é simples, na verdade até banal e bem óbvia. De quem é esse país chamado Brasil se não de nós, brasileiros e brasileiras? Mas na política, aplicadas nela a semiótica e a contextualidade, nada é tão simples. É bem claro que trata-se de uma resposta, digamos, patriota, ao boné vermelho usado por políticos de direita para celebrar a eleição do presidente dos EUA, Donald Trump, com a frase “Make America great again” (Faça a América grande novamente).

Como o diabo mora nos detalhes, comecemos com as particularidades infernais. O boné trumpista faz menção à maneira agressiva de fazer política do mandatário, priorizando totalmente seu país, como repetiu à exaustão na campanha. Ou seja, a frase indica que seu governo fará o país tornar-se poderoso como era antes, na visão deles, custe o que custar, deduzimos.

Já a frase da esquerda brasileira remete a um patriotismo quase romântico, a lá Gonçalves Dias e Ary Barroso, e ao mesmo tempo de reafirmação: o país pertence ao povo que aqui nasce e mora, que vive suas dores e delícias. Em um subtexto, registra que interesses estrangeiros não podem ou devem ter vez no nosso país. O que é um raciocínio bem patriota, inclusive.

Daí meu choque, embora nenhuma surpresa, com a reação destemperada da extrema-direita à frase no boné. O deputado federal Eduardo Bolsonaro escreveuem seu perfil do X (antigo Twitter), que o uso do boné, ao qual se referiu como “anti-Trump”, representa uma “política anti-americana” com “razão meramente ideológica” e que pode prejudicar as relações entre Brasil e EUA.

Espera aí. Então, celebrar o próprio país e insistir que ele pertence à sua gente é “ideológico” ou “anti-americano”? Trump dizer que fará a América grande novamente é algo nobre e belo e ministros de Lula dizerem que o Brasil é dos brasileiros é algo errado e condenável?

Trata-se de uma passada de recibo, para dizer o mínimo, de como pensam e do que querem políticos de extrema-direita. Há anos, são “patriotas” que celebram EUA e Israel, com Jair Bolsonaro já tendo feito continência para uma bandeira dos EUA, inclusive. Nesse raciocínio tosco, a frase do boné azul é ofensiva sim. Afinal, para eles, o Brasil não é dos brasileiros e sim de uma casta (a deles) e dos “parças”, ou seja, dos estadunidenses.

Lembremos que numa reunião de cúpula do G20 logo no início do mandato, Bolsonaro em uma constrangedora conversa com o ex-vice-presidente americano Al Gore, deixou claro que esperava que os EUA se apossassem na Amazônia. O mesmo Bolsonaro que disse “I love you” para Trump, possivelmente no único registro de uma declaração de amor de um chefe de estado para outro, pelo menos em público.

A extrema-direita requentou o velho viralatismo que durante décadas aqui no país tropical apregoou que “o que é bom para os EUA é bom para o Brasil”. Um viralatismo que tem origem e os dois pés fincados no militarismo tupiniquim, lembrando que, inclusive, o Golpe Militar de 1964 só foi possível com a benção e recursos do Tio Sam.

Viralatismo cultural e político sempre teve força no Brasil. A extrema-direita institucionalizou esse modus operandi como prática política. Pregam patriotismo para o país dos outros. Para eles, como já foi dito, o Brasil não é para os brasileiros, e, como tentou Bolsonaro em Davos com Gore, por eles, entregariam a nação aos EUA por uns espelhinhos e umas jóias (ops).

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