A nova ordem digital: tecnologia, extremismo e dominação política

Por Alex Galeno e José Germano, professores da UFRN

Foi o general prussiano Carl von Clausewitz quem vaticinou um dos sentidos trágicos da política em seu livro Da Guerra: “A política é a continuação da guerra por outros meios”. Para o autor, mesmo numa democracia, a política é concebida como confronto e, portanto, torna-se legítimo o uso da força. Tal concepção data do século XIX, durante as guerras napoleônicas, mas, ao observarmos as formas de governo de algumas nações na atualidade, percebemos sua pertinência.

Os governos de Israel (Sharon), Hungria (Órban), Índia (Modi), Argentina (Milei), EUA (Trump) e Venezuela (Maduro) têm combinado o uso da força com a propagação da desinformação. Assim, articulam coerção e linguagem. Não são ditaduras clássicas, pois há uma ambivalência entre essas formas de governar. As instituições funcionam, há imprensa e justiça “livres”, e os parlamentos não foram fechados. A cientista política americana Barbara Walter denomina tais governos de anocracia.

Além da afinidade entre coerção e linguagem, esses governos compartilham também visões tecnocráticas, nas quais o suposto cálculo racional e o poderio tecnológico suplantam a voz e o poder do povo. As Big Techs assumem, assim, uma suposta supremacia do “Governo dos Sábios”, impondo condições políticas, tecnológicas e econômicas às nações. Concretiza-se uma aliança entre governos conservadores e magnatas para o domínio global.

Um exemplo dessa aliança ocorreu na posse de Donald Trump, quando Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google), Tim Cook (Apple) e Elon Musk (X e Tesla) se assentaram nos melhores lugares do recinto para oferecer ao presidente sua lealdade e conceder-lhe as bênçãos do mundo digital. Esse mundo, por sua vez, se corporifica pelo labor e pelo tempo de inúmeros trabalhadores do chamado Terceiro Mundo.

É por essa via que também se fortalece a extrema-direita brasileira, representada por Jair Bolsonaro e seus defensores. O lucro das Big Techs está baseado, entre outros fatores, no domínio da atenção dos usuários em suas plataformas. O extremismo político reforça esse domínio ou retenção, pois estimula as pessoas a permanecerem cada vez mais tempo nas redes, produzindo e compartilhando conteúdos – especialmente aqueles que geram grandes impactos emocionais e fortalecem comunidades de pertencimento e crenças homogêneas.

Enfrentar essa realidade de dominação e fúria napoleônica dos governos conservadores e das Big Techs exigirá uma inversão do paradigma político de Clausewitz. Em vez de concebê-la como a continuação da guerra por outros meios, devemos concordar com o sentido inverso proposto por Michel Foucault, quando defendeu, no livro Em Defesa da Sociedade, que “a guerra deve ser a continuação da política por outros meios”.

Nesse sentido, a política passa a ser concebida, sobretudo, como a garantia de direitos e da autonomia entre as nações. Mais ainda, se concordarmos com Hannah Arendt, a política será exercida como a pluralidade de diálogos que garantam seu sentido máximo: a liberdade.

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