“O valor dos aliados” – uma análise do novo governo Trump

Nuno Vasconcellos:

“… A diplomacia comercial norte-americana prioriza os relacionamentos bilaterais ao invés de, como é a tendência do Brasil, procurar se entender com blocos econômicos. Trump, especialmente, não gosta de lidar com blocos, nem mesmo com aqueles que contam com a participação de seu país. Em seu primeiro mandato, ele pôs fim ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês). Firmado no governo do democrata Bill Clinton, em 1993, o Nafta pouco avançou nas gestões de George W. Bush e de Barack Obama, mas sobreviveu até ser formalmente extinto por Trump em 2018.

Pela lógica da diplomacia comercial norte-americana, e desde que se leve em conta os interesses dos dois lados, qualquer país — independente da ideologia de seu governo, do porte de sua economia ou de sua localização no mapa mundi — pode obter vantagens em seu relacionamento comercial com os Estados Unidos. O caso mais exemplar nesse sentido é o do Chile. Com um PIB de US$ 335 bilhões, o país mantém com os Estados Unidos um Acordo de Livre Comércio que completará 20 anos no próximo mês de junho. Bom para os dois lados, o tratado nunca foi posto em xeque nem sofreu alterações.

Quando o pacto foi assinado, em 2005, o Chile era governado pela socialista Michele Bachelet e os Estados Unidos, pelo republicano George W. Bush. É importante chamar atenção para esse ponto: a ideologia esquerdista de Bachelet não impediu que ela percebesse a importância de se relacionar comercialmente com a maior potência do mundo. E Bush, por mais conservador que fosse, não dificultou o entendimento. Quando Trump chegou à Casa Branca pela primeira vez, em 2017, Bachelet estava concluindo sua segunda passagem pelo Palácio de la Moneda, e o acordo prosseguiu sem qualquer sobressalto.

E qual é o papel do Brasil nessa história?

Bem… à primeira vista, nada do que aconteceu até o presente momento indica uma mudança significativa nas relações comerciais entre os dois países. Brasil e Estados Unidos mantêm um fluxo de comércio bilateral importante demais para ser ameaçado por picuinhas ideológicas. No ano passado, esse fluxo somou pouco mais de US$ 80 bilhões. O valor é dividido meio a meio, com uma vantagem mínima para o lado norte-americano. Enquanto o Brasil exportou US$ 40,33 bi para os Estados Unidos em 2024, os Estados Unidos exportaram US$ 40,58 bilhões para o Brasil.

As exportações brasileiras para os Estados Unidos são compostas por aviões, suco de laranja, petróleo, artefatos de ferro, aço, café e carne. Já as exportações para a China, o maior parceiro comercial do Brasil, alcançaram US$ 116 bilhões no ano passado e têm como principal mercadoria a soja.

É aí que está o xis da questão: embora liderem as exportações brasileiras para a maioria dos parceiros, os grãos do agronegócio não constam da pauta de produtos vendidos à maior economia do mundo. Por quê? Bem… a afirmação de que o mundo precisa dos alimentos produzidos pelo agronegócio brasileiro pode valer para a China, para o Japão, para a Alemanha e para um monte de lugares. Mas não vale para os Estados Unidos. No que diz respeito aos produtos do agronegócio, os Estados Unidos não são clientes. São concorrentes. E essa concorrência, que já era pesada nos últimos anos, ficará ainda mais forte daqui por diante.

Trump nomeou para o Departamento da Agricultura dos Estados Unidos a advogada Brooke Rollins. Ela nasceu e cresceu numa fazenda e, antes de obter seu diploma em direito pela Universidade do Texas, se graduou em desenvolvimento agrícola na prestigiada A&M University. Trata-se de um centro fundado no final do Século 19 que se firmou como um dos principais centros de conhecimento do agronegócio mundial.

Brooke Rollins integrou o staff da Casa Branca na primeira administração Trump, como uma das conselheiras para assuntos políticos mais próximas do presidente. Nos quatro anos da administração Biden, liderou uma organização chamada America First Policy Institute (AFPI) que, numa tradução livre, significa Instituto de Políticas para a América em Primeiro Lugar. Dessa posição, e sempre em contato com o chefe, ela foi responsável pelo desenvolvimento de parte da estratégia que reconduziu Trump à presidência.

No texto em que apresentou a nova secretária, Trump ressaltou o compromisso de ‘Brooke em apoiar o fazendeiro americano’ e a ‘defesa da autossuficiência alimentar dos Estados Unidos’.

O que isso significa? Bem… significa que a chance de o maior país do mundo, que disputa com o Brasil a condição de maior potência agrícola do mundo, abrir suas fronteiras para produtos agrícolas brasileiros é zero. Absolutamente zero.

Pior: os Estados Unidos daqui por diante certamente avançarão sobre os mercados que o Brasil já conquistou. Ninguém deve se espantar, por exemplo, se o novo acordo comercial que Washington negociará com a China estabelecer condições preferenciais para a soja norte-americana em relação à brasileira.

Numa circunstância como essa, ao invés de continuar hostilizando os produtores rurais, como sempre fez, seria bom que o atual governo passasse a defender com mais afinco o agronegócio brasileiro. Nem que seja apenas para impedir que o país perca as vantagens que já conquistou nessa área.”

 
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