Donald Trump, as mentiras e o fascismo

Existe alguma relação entre Donald Trump, às mentiras e o fascismo? Se existe, que relação? Vejamos. Em uma matéria publicada no dia 20 de janeiro de 2025 na CNN por Daniel Dale, com a colaboração de Bryan Mena, Alicia Wallace, Phil Mattingly, Michael Rios e Elizabeth Gonzalez, intitulada “CNN verifica: Trump hizo más de 20 afirmaciones falsas en su discurso de toma de posesión”. 

Como o título explicita Donald Trump fez mais de 20 afirmações falsas (mentiras) em seu discurso de posse “Principalmente mantendo retórica vaga, alegações subjetivas e promessas de ação que não podem ser verificadas”. E que ele “embarcou em uma série de mentiras” que foram ditas também em outros discursos como o segundo discurso improvisado, dirigido a apoiadores que se reuniram na Sala de Emancipação do Centro de Visitantes do Capitólio “sobre eleições, imigração e tumultos no Capitólio em 6 de janeiro de 2021, entre outras questões” E continuou mentindo na Capital One Arena, em Washington “ao falar com repórteres quando assinou ordens executivas no Salão Oval”. 

E na exposição do conjunto das mentiras (apenas nos discursos, que foram antecedidas no curso da campanha eleitoral) da verificação que fizeram, eis algumas das mentiras: Em relação à economia, e mais especificamente sobre a China: “No Salão Oval, Trump repetiu sua falsa alegação de que os EUA receberam centenas de bilhões de dólares da China – através das tarifas que ele impôs durante sua primeira presidência”.  

Na realidade, como afirmam, os importadores dos EUA fazem os pagamentos de tarifas, não a China e que diversos estudos mostram que “os americanos atraíam a grande maioria do custo das tarifas de Trump para a China e que “é fácil encontrar exemplos concretos de empresas que transferiram o custo das tarifas para os consumidores americanos”, ou seja, os custos foram repassados para os consumidores americanos.

Afirmam que Trump repetiu sua frequente alegação falsa de que nenhum presidente anterior havia imposto tarifas sobre as importações chinesas, dizendo que até ele chegar, a China nunca pagou 10 centavos aos Estados Unidos. Além do fato de que os importadores dos EUA pagam tarifas, os EUA estavam realmente gerando bilhões por ano em receita com tarifas sobre as importações chinesas antes de Trump assumir o cargo “na verdade, os Estados Unidos têm tarifas sobre as importações chinesas desde 1789”. E o antecessor de Trump (no primeiro mandato, Barack Obama) “impôs tarifas adicionais sobre produtos chineses”. 

Em síntese: “As tarifas impostas pelo governo dos EUA são pagas por importadores americanos, não por países estrangeiros”. 

Ele também alegou falsamente que os EUA experimentaram inflação recorde durante o governo Biden. O Recorde histórico foi em 1920, quando atingiu 23,7%”. E a taxa despencou desde então. A taxa de inflação de dezembro de 2024 foi de 2,9% . 

Em relação à Imigração e Fronteiras ele falou em seus discursos que os imigrantes que chegaram aos EUA de prisões estrangeiras e instituições mentais sob a presidência de Joe Biden (mentiras que usou em sua campanha eleitoral). Como são milhões de pessoas, de muitos países (inclusive do Brasil) ele não apresentou qualquer prova de que isso fosse verdade, ou seja, que países tenham feito isso propositalmente. Afirmou inclusive que “membros de gangues que são retirados das ruas da Venezuela e depositados em nosso país”, e que “eles pegaram seus criminosos e os deram a nós através de uma política de fronteira aberta do governo anterior”, sem apresentar qualquer prova nesse sentido. Só retórica para enganar incautos.

Além disso, afirmou que a população carcerária do mundo caiu, quando foi o contrário “A população carcerária registrada no mundo aumentou de outubro de 2021 para abril de 2024, de cerca de 10,77 milhões de pessoas para cerca de 10,99 milhões de acordo com a Lista Mundial de População Prisional compilada por especialistas do Reino Unido”. Como diz a matéria, especialistas disseram à CNN, PolicticFact e FactCkeck.org. que não conhecem nenhuma evidência nesse sentido. 

Outra mentira foi a de que ele havia construído 911,7 quilômetros de muro na fronteira sul durante sua primeira administração. Só que “os dados oficiais do governo mostram que 736 quilômetros foram construídos sob o mandato de Trump, incluindo ambos os muros construídos onde anteriormente não havia barreiras e muros construídos para substituir as barreiras anteriores”. 

Sobre os ‘desordeiros do Capitólio’, os manifestantes de 6 de janeiro de 2021 que queriam na realidade era  pavimentar o caminho para um golpe de Estado  e que ele anistiou no primeiro dia de mandato,  em discursos anteriores alimentou uma teoria da conspiração de que os responsáveis pelo ataque ao Capitólio eram membros da esquerda antifa (considerados como radicais de esquerda), como se as mais de 1.500 pessoas identificadas, presas, julgadas e condenadas com base em provas – e muitas  ainda estavam cumprindo penas – não eram apoiadoras dele. 

Outra foi em relação à legitimidade das eleições de 2020: mais uma vez voltou à sua mentira de que as eleições de 2020 foram totalmente manipuladas. 

Além de ameaçar anexar o Canadá e a Groenlândia, retirar o país do Acordo de Paris, como parte do desmonte da política ambiental, a saída da Organização Mundial da Saúde, o obscurantismo se estende à política contra os imigrantes, a declaração de emergência nacional na fronteira com o México (pretende mobilizar o exército para atuar na região) e retomar o controle do Canal do Panamá. E em mais uma mentira, se referiu à China alegando falsamente que ela controla o Canal e que havia a presença de soldados chineses operando no Panamá. O canal é administrado pela Autoridade do Canal do Panamá “que decide quais empresas obtêm os contratos para gerenciar os portos do canal. E outros portos de canal são administrados por empresas não chinesas, incluindo uma administrada por uma joint venture EUA-Panamá”. 

Além das mentiras, uma informação elementar que um presidente de um país como os Estados Unidos não deveria desconhecer: ele afirmou no Salão Oval, que a Espanha é membro dos BRICS. Nunca foi. Na formação inicial eram Brasil, Rússia, Índia e China e tinha a sigla Bric. Em 2010 a África do Sul passou a fazer parte e a sigla mudou para Brics. Em 17 de janeiro de 2025 foi anunciada a entrada de mais nove países parceiros: Cuba, Bolívia, Belarus, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. (A matéria completa sobre as mentiras de Trump está disponível em https://cnnespanol.cnn.com/2025/01/20/eeuu/cnn-verifica-segundo-discurso-trump-investidura-trax).

No entanto, as mentiras de Trump antecedem a posse. No livro de Michiko Katutani – crítica literária do The New York Times e ganhadora do prêmio Pulitzer – A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump (The Death of Truth) publicado no Brasil pela editora Íntriseca em 2018 (tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte), ela mostra, com base em dados e pesquisas, que Trump é um mentiroso contumaz, um mitômano. Ele “mente de forma tão prolífica e com tamanha velocidade que o The Washington Post contabilizou que, apenas no primeiro ano de governo, ele fez 2.140 alegações falsas ou enganosas – uma média de quase 5,9 por dia”. 

De acordo com Kakutani, as mentiras de Trump “sobre absolutamente tudo” vão desde as investigações sobre a interferência russa nas eleições, atacando sistematicamente a imprensa, o sistema de justiça, as agências de inteligência, o sistema eleitoral, enfim, ataques às instituições democráticas e normas vigentes, adotando táticas fascistas, com base em mentiras, para minar a democracia nos Estados Unidos. 

Em relação à interferência russa nas eleições, como mostra o professor de História da Universidade de Yale Timothy Snyder no livro Na contramão da liberdade: a guinada autoritária nas democracias contemporâneas (Editora Companhia das Letras, 2019, no capítulo 6 – Igualdade ou oligarquia), a máquina midiática russa trabalhou ativamente a favor de Trump.

E as mentiras, como se sabe, sempre foram uma aliada estratégica indispensável do fascismo (ver o livro Uma breve história das mentiras fascistas, de Federico Finchelstein, publicado no Brasil pela Editora Prestígio em 2020, com tradução de Mauro Pinheiro). 

O livro A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump tem 270 páginas, e é mais amplo e fundamentado. São nove capítulos no qual detalha a forma como se dá o que ela chamou de “a morte da verdade” nos Estados Unidos com Donald Trump à frente: o declínio e queda da razão; as novas guerras culturais; ‘moi’ e a escalada da subjetividade; o desaparecimento da realidade; a apropriação da linguagem; filtros, bolhas e tribos; déficit de atenção; propaganda e fake news e a felicidade dos trolls com a desgraça alheia.

Com mais quatro anos pela frente, o livro possivelmente será atualizado.

Em relação à Trump e o fascismo Timothy Snyder, o já referido autor do livro “Na contramão da liberdade. A guinada autoritária nas democracias contemporâneas” publicou um artigo com este título na revista Piauí (n. 219, dezembro de 2024), portanto depois da vitória eleitoral de Trump em novembro de 2024 e antes da posse (20 de janeiro de 2025). Entre seus argumentos, a afirmativa de que Donald Trump de fato, é um fascista (opinião compartilhada por outro estudioso do fascismo, citado na matéria, Robert Paxton) e também por muitos outros,  inclusive brasileiros como Eugênio Bucci, professor da área de comunicação da ECA (USP)  em dois artigos recentes: As ’big techs’ e o fascismo publicado no jornal o Estado de S.Paulo no dia 9 de janeiro de 2025 e Donald Trump é fascista? Publicado no dia 26 de janeiro de 2025 no site A Terra é redonda. Para ele,  Donald Trump “é um fascista extemporâneo, tardio e piorado”. E que “Sim, é preciso chamar Donald Trump de fascista. Ele restaura e impulsiona o fascismo”. 

Mas um aspecto importante, salientado por Snyder é que hoje,  diferente do fascismo das décadas de 1920 e 1930, há o uso da internet. Se antes foi o rádio e o cinema, agora é a internet que potencializa as mentiras, a disseminação de desinformação e difusão de teorias da conspiração (e a indispensável formação de “bolhas” imunes a checagens e argumentos racionais). O uso da internet é parte da estratégia do que se tem chamado de a oligarquia digital que apoia a extrema direita, o fascismo e conta com o dinheiro e a adesão de bilionários (e seus asseclas) a Donald Trump como Mark Zuckerberg e Elon Musk que controlam grandes plataformas, respectivamente a Meta, proprietária do Facebook, Instagram e WhatsApp e X, ampliando o seu já enorme poder para manipular as pessoas pela internet e proliferação de discursos de ódio.

Para Snyder os algoritmos da internet “nos abrem para Trump e o seu fascismo verborrágico” e que a internet não só espalha teorias conspiratórias, mas nos predispõe a elas. 

Como disse Umberto Eco em 2015 em uma cerimônia na Universidade de Torino (Itália) a internet deu voz a uma legião de imbecis. E que tem sido usada pelos fascistas para ampliar seu alcance. 

O fato é que desde o diagnóstico de Umberto Eco, a mentira fascista na internet só se ampliou e faz com que milhões de pessoas sejam vítimas do negacionismo – sobre vacinas, aquecimento global, etc., explorados politicamente e com seus efeitos devastadores (para as pessoas e o meio ambiente).

No essencial, o que os fascistas pretendem é acabar com a democracia, e impor uma ditadura e que com o crescimento da extrema direita em diversos países, é uma ameaça constante à democracia e sua sobrevivência. Com o retorno de Donald Trump, passaram a ter um poderoso aliado no mundo.

Ao ignorar o fascismo, permitimos que ele se fortaleça e fascistas sejam eleitos. E pior, é que suas potenciais vítimas, como os pobres, manipulados e enganados, só ajudam a reforçar (os chamados pobres de direita), assim como os que se dizem apolíticas, sujeitos à influência de difusão de irracionalidades (onde navegam as teorias da conspiração). Como no fascismo clássico, o que se quer é acostumar às pessoas a violência, a destruição das instituições democráticas e torná-las cúmplices.

Como diz Timothy Snyder, o fascismo pode ser derrotado, mas não quando estamos do seu lado, e sim quando guiados pela razão e do sentimento antifascista. Para ele, “as democracias morrem quando as pessoas deixam de acreditar na importância do voto. Não se trata só de ter eleições, mas de que sejam livres e limpas. Quando isso ocorre, a democracia produz uma noção de tempo, uma expectativa do futuro que acalma o presente. O significado de cada eleição democrática é a promessa da próxima. Se temos certeza de que outra eleição legítima ocorrerá, sabemos que da próxima vez será possível corrigir nossos erros pelos quais, até lá, culpamos as pessoas que elegemos (…) se passarmos a acreditar que as eleições são apenas um ritual repetitivo de apoio, a democracia perde o significado” (Na contramão da liberdade, p.304).

A eleição de um fascista em um país como os Estados Unidos, representa uma ameaça clara à liberdade e à estabilidade democrática não apenas no país, como em escala global.

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