Alinhamento: uma praga semântica da sociedade paliativa

Foi o filósofo coreano Byung-Chul Han quem denominou as características sociais, políticas, estéticas e subjetivas próprias de uma sociedade paliativa – aquela que se orienta pela busca desesperada da positividade por parte dos sujeitos. Sem conflitos, sem dores, sem debates públicos democráticos e, também, sem dor ontológica. Isto é, uma sociedade composta por sujeitos que não querem se perguntar sobre si ou sobre seu ser, pois perguntar dói.

Afinal de contas, Kant apregoa: “O que posso saber? Que devo fazer? O que me é permitido esperar?”. São pressupostos éticos fundamentais para a existência, que exigem questionamentos, críticas e indeterminação. Pois bem, viver na positividade é procurar uma dinâmica existencial movida pela falsa ideia da ausência de caos e de conflitos, o que resulta, portanto, numa sociedade mediada pela lógica política do alinhamento, na qual os conflitos devem ser sempre aplacados.

Uma sociedade do alinhamento é desprovida de negatividade. Como em um ambiente de UTI ou de um shopping, tudo deve ser liso, límpido e indoors. Todos devem sentir o mesmo cheiro, estar sob uma iluminação única, na qual o tempo não distingue noite e dia. Como na espacialidade e na textura do digital, todos se encontram no inferno do igual. Nada é estriado.

Além disso, a semântica dos indivíduos assenta-se na obsessão pelo consenso. Os textos produzidos devem organizar consoantes e vogais de forma a não “ferir”. Devem sempre apresentar palavras “fofas”. Observando alguns ambientes do presente, percebe-se que tais textos e formas de linguagem abundam no mundo das assessorias políticas e na linguagem dos próprios parlamentares e governantes. E, também, no mundo empresarial e das consultorias.

Destacadamente, nas universidades — pasmem! — temos vivenciado tal semântica. O lugar que deveria sempre zelar pela gramática civilizatória e por explicitar um vocabulário diverso também tem sido contagiado pela linguagem do alinhamento. Claro, a mediação e a busca de consensos a partir do diálogo resultam em uma sociedade mais democrática. No entanto, buscar entendimentos não deve levar à diluição ou eliminação do dissenso.

Afinal de contas, como diz a música de Caetano Veloso:
“Eu não espero pelo dia
Em que todos os homens concordem
Apenas sei de diversas
Harmonias bonitas
Possíveis sem juízo final
Alguma coisa está fora da ordem.”

The post Alinhamento: uma praga semântica da sociedade paliativa appeared first on Saiba Mais.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.