Big techs, liberdade de expressão e fascismo

No dia 7 de janeiro de 2025 Mark Zuckerberg, dono da META – que controla as plataformas Instagram, Facebook, WhatsApp e Threads – comunicou em um vídeo que a empresa encerrará o programa de checagem (fact checking), nos Estados Unidos, anunciando mudanças na política de moderação e de diretrizes de conteúdos das plataformas, revelando o alinhamento da Meta com o governo de Donald Trump. Em texto divulgado depois, também flexibiliza regras que protegiam contra discursos de ódios, grupos como imigrantes, pessoas negras, mulheres e a população LGTBQIA+ e como o X de Elon Musk também substituiu a verificação de fatos por “Notas de comunidade”, transferindo para os usuários a tarefa de serem eles mesmos os verificadores, ou seja, de definirem o que é verdade ou mentira.

Até então a Meta tinha uma equipe de checadores de informações e contava com observadores externos que julgam se as postagens eram ilegais, ofensivas ou falsas. No comunicado, alegou que esses checadores se mostraram “politicamente tendenciosos”, como se a sua adesão a Trump fosse isento de tendenciosidade política.

A decisão da Meta segue a mesma lógica das big techs de conter as tentativas de regulação que as plataformas vêm enfrentando, especialmente na Europa. Em julho de 2021, conforme o Observatório Legislativo do Parlamento Europeu foram aprovados dois atos legislativos, com um conjunto de regras para os países da Europa que têm importante significado no cenário digital: As Leis de Mercados e a dos Serviços Digitais. O objetivo é o de tornar o ambiente digital mais seguro e transparente, e entre outras medidas, a de proibir publicidade aos menores de idade, assim como a utilização de dados considerados sensíveis, como orientação sexual, religião ou a etnia.

A questão central é? Que impacto terá em outros países, como o Brasil? Será que, como pretende a extrema direita dos Estados Unidos e do Brasil também, não haverá mais qualquer regulação dessas plataformas? 

Em relação à decisão do dono da Meta, no artigo Zuckerberg: corrupto ou covarde? Publicado no dia 11 de janeiro de 2025 no jornal Folha de S. Paulo, o sociólogo Celso de Barros afirma que só há duas explicações possíveis para a mudança: “Ou Zuckerberg está com medo ou é corrupto” e “Elas podem ser verdade ao mesmo tempo”. E que o bilionário “mudou de posição para puxar o saco de Donald Trump” e que entre outras afirmativas no anúncio sobre as mudanças das plataformas “mentiu ao se referir a cortes secretas” que “ecoa a reivindicação da extrema direita brasileira sobre a atuação do STF contra os golpistas de Bolsonaro”. 

Na realidade, o que a extrema direita (não apenas brasileira) quer é usar livremente as plataformas digitais para espalhar, impunemente, mentiras, como no caso do Brasil , de fraudes nas urnas eletrônicas (“foi com argumentos como esses que tentaram dar um golpe para acabar com a democracia no país”).

No anúncio Mark Zuckerberg se referiu a censura de governos a conteúdos e criticou tribunais da América Latina no sentido de que eles emitiram “ordens secretas”. Não especificou, mas certamente é uma referência ao que ocorreu no Brasil em relação ao X de Elon Musk, que embora afirmasse que não ia obedecer às leis no país, terminou cedendo, depois de uma multa e suspensão do X. Não foi nada secreto e a decisão do STF estava de acordo com a Constituição. 

O argumento da plataforma é o de “garantir à liberdade de expressão”.  Mas, que liberdade de expressão pretende? Publicar o que querem? É o lucro, resultado de maior engajamento nas redes, e não a liberdade de expressão que na realidade é o que importa ao “conglomerado monopolista global comandado por Mark Zuckerberg”.

O que as big techs pretendem é se livrarem das responsabilidades que seu uso pode acarretar ao permitirem o cometimento de crimes. E é justamete isso que explica o avanço na Europa de leis que tem por objetivo estabelecer um novo padrão para a governança digital com obrigações tanto para usuários como para as empresas.

E foi com base nesta lei que em novembro de 2024, a Meta foi, foi multada em 798 milhões de euros (cerca de R$ 4,8 bilhões) pela União Europeia por práticas anticompetitivas no mercado de publicidade na internet. (https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2024/11/14/meta-e-multada-na-uniao-europeia-por-vincular-servico-de-classificados-ao-facebook.ghtml).

Em relação ao fascismo, no artigo As ’big techs’ e o fascismo publicado no jornal o Estado de S.Paulo no dia 9 de janeiro de 2025, Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP) ao se referir ao anúncio de Mark Zuckerberg de se aliar a Donald Trump para “combater os projetos de regulação das plataformas” afirma que “não dá mais para disfarçar: seguindo o exemplo de Elon Musk, dono do “X” (…) subiu na carroceria do caminhão extremista do trumpismo”. Para ele, a Meta saiu do “seu armário de silício para entrar no fanatismo desvairado”. 

E em relação às big techs – e não apenas a Meta – afirma que “são usinas de propaganda e manipulação a serviço do autoritarismo (…) laboratórios que sintetiza a mentalidade obscurantista, as pulsões violentas, os vetores do ódio, a intolerância, ou, sejamos precisos, o fascismo em suas roupagens pós-mussolínicas”.

E se refere a Donald Trump como “um fascista extemporâneo, tardio e piorado”. E nesse sentido “é preciso dar nome às coisas”. E se refere ao historiador norte-americano Robert Paxton “um dos que resistiram a empregar a palavra (fascismo) em relação aos Estados Unidos mas reviu sua posição e admitiu que o que está acontecendo “precisa, sim, ser qualificado como fascismo”. Professor aposentado da Universidade de Columbia, publicou o livro Anatomia do fascismo (no Brasil foi publicado em 2007 pela Editora Paz e Terra).  No capítulo VIII “O que é o fascismo” afirma após rastrear sua trajetória, sabemos que para se tornar enraizado, o fascismo não necessita de uma ‘marcha’ de dimensões espetaculares sobre alguma capital” (Alusão a Marcha sobre Roma em 1922 que levou Mussolini ao poder). No dia 11 de janeiro de 2021 ele publicou um artigo na revista Newsweek no qual afirma que o incitamento de Trump à invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021 removeu sua objeção ao rótulo de fascista e que o seu encorajamento aberto à violência por não aceitar a derrota na eleição “cruza uma linha vermelha” e que o rótulo agora “não parece apenas aceitável, mas necessário” (https:/newsweek.com/robert-paxton-trump-fascist-1560652termo.ghtml).

A questão é como essa decisão em relação aos Estados Unidos, de abandonar qualquer tipo de filtragem, mudanças no ambiente das redes sociais poderá afetar outros países e o Brasil em particular. Apoiadores de Donald Trump e a rede global da extrema direita e seus adeptos-  inclusive no Brasil – atuantes nas redes sociais, celebraram a decisão da Meta. Acham que agora não haverá mais qualquer tipo de controle  do que eles postam nas redes sociais.  Ledo engano, como afirmou o ministro do STF, Alexandre de Moraes, o Brasil não é uma “terra de ninguém”, que as plataformas devem respeitar a legislação brasileira, alertando para os riscos da desinformação e os que cometerem crimes serão responsabilizados.

A decisão também levou o presidente Lula a se pronunciar a respeito, se referindo à soberania do país: “Eu acho que é extremamente grave as pessoas quererem que a comunicação digital não tenha a mesma responsabilidade de quem comete um crime na imprensa escrita”. Nesse sentido, o objetivo é o de equiparar a responsabilidade das big techs com a imprensa tradicional, que podem ser responsabilizadas criminalmente pelo que publicam. Por que não as plataformas e usuários das redes sociais? Em nome de uma pretensa liberdade de expressão, podem cometer crimes impunemente?

Depois de se reunir com integrantes do governo, para discutir o tema “para que as redes não virem uma barbárie digital”, no dia 12 de janeiro de 2025, o presidente Lula pediu que a Advocacia-Geral da União notificasse a Meta (notificação extrajudicial), com um prazo de 72 horas para ela explicar sobre as mudanças no sistema de checagem de informação, que medidas irão adotar para o Brasil no combate a crimes como violência de gênero, racismo e homofobia nas suas plataformas (como canais para registro de denúncias de violações de direitos e se haverá divulgação de relatórios de transparência sobre a checagem dos fatos pelos usuários etc.). 

A empresa entregou um documento com as respostas na noite de segunda-feira (13/01), a poucas horas do prazo estabelecido e agora serão analisadas pela AGU junto com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e os ministérios da Justiça e Segurança Pública e Direitos Humanos e Cidadania.

Em relação à verificação dos fatos pela Meta, em artigo publicado no jornal The Guardian no dia 10 de janeiro de 2025, intitulado Meta never cared about factchecking. Whats it friction-free oligarchy, a professora de jornalismo da Universidade de Boston, Joan Donavan (fundadora do Critical Internet Studies Institute) afirma o que o título resume: que a Meta nunca se importou com a verificação de fatos. O que pretende é o que ela chamou de uma “oligarquia livre de qualquer atrito” (e restrições). E que as duas principais vitimas da decisão da Meta são os imigrantes (denigrate immigrants) a comunidade LBGTQI+ (As novas diretrizes permitem que usuários associem doenças mentais a gênero ou orientação sexual, como consta explicitamente no documento da Meta).  

Para Donavan o que Zuckerberg está lançando são as bases para que aqueles com mais poder e influência não precisem mais lidar “com fatos ou correções” e fiquem livres de qualquer tipo de regulação e que com o novo governo Trump e sua aliança com bilionários “estamos diante da criação de um estado mafioso” (O artigo está disponível em https://www.pressreader.com/usa/the-guardian-usa/20250111/282419879899077).

Em relação ao Brasil, além da notificação extrajudicial da AGU, há projetos importantes que está parado (engavetado por Artur Lira) na Câmara dos Deputados (já  aprovado no Senado) como o PL 2630/2020- o das fake news – e decisões como essas da Meta mostra a necessidade do PL ser votado e aprovado para que o país tenha instrumentos legais para lidar com as fake news e discursos de ódio nas redes.

Da mesma forma, uma decisão do STF que no momento julga o artigo 19 do Marco Civil da Internet (aprovado em 2014) e sua constitucionalidade. Trata-se do julgamento de três ações que começou no dia 27 de novembro de 2024 que questionam a regulamentação das redes sociais.  O artigo 19 que estabelece que provedores só possam ser responsabilizados por conteúdos após ordem judicial especifica determinando sua remoção. Até o momento, votaram dois relatores das ações, ministros Dias Toffoli e Luiz Fux (o artigo, para os dois, é inconstitucional) e o presidente do STF Ministro Luis Barroso (cujo parecer foi de que o artigo é “parcialmente inconstitucional”).

 No dia 18 de dezembro de 2024, o ministro André Mendonça pediu vista e o julgamento deverá ser retomado em fevereiro de 2025, após o recesso do judiciário.

É necessária e urgente também a retomada do julgamento pelo STF do Inquérito das fake news (n.4.781/2019) que completa seis anos neste ano e ainda está para ser julgado. 

A disseminação de discursos de ódio, as fake news etc. nas plataformas digitais colocam em risco não apenas as pessoas (inclusive suas vidas, como ocorreu com as mentiras sobre vacinas durante a pandemia, o negacionismo,  teorias malucas da conspiração (como chips nas vacinas e outras imbecilidades), indicação de remédios sem qualquer eficácia para a Covid-19 (como cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectrina etc.), a farsa do tal  tratamento precoce o kit covid etc., defendidos e divulgados pela extrema direita nas redes sociais.

Como analisou o cientista e professor da Unicamp Luiz Carlos Dias no livro Não há mundo seguro sem ciência. A luta de um cientista contra as pseudociências (Editora Paraquedas, 2024), que reuniu seus escritos de combate à insanidade durante a pandemia no país, cujo resultado das insanidades foram mais de 750 mil mortes, à maioria evitáveis, e milhões de infectados . São artigos “contra o negacionismo científico e o obscurantismo intelectual de um governo populista de extrema direita que, desde o início da pandemia, deu às costas à ciência e a sua população e se tornou o melhor amigo do vírus e contribuiu para o espalhamento da doença”(p.23) e  não menos relevante, que contou com a colaboração de plataformas digitais que se tornaram “terra de ninguém”, permitindo todo tipo de barbaridades.

E algo importante a ser respondido: como enfrentar com eficácia essas plataformas e suas estratégias? É possível enfrentar os algoritmos – que podem ser direcionados conforme os interesses das plataformas?  Como afirmou o Advogado-Geral da União, Jorge Messias “Os algoritmos favorecem determinados perfis e postagens em busca de engajamento e ganhos financeiros. Isso escancara o cinismo do argumento de que elas não podem ser responsabilizadas por publicações de terceiros” (Desarmando as bombas de ódio nas redes sociais, artigo publicado antes da decisão da Meta no  Jornal O Globo, dia 27 novembro de 2024).

Assim como também taxação das plataformas, como o que está ocorrendo na Austrália (um dos países que criticou as decisões da Meta) que quer decidir que as grandes empresas como Meta e Google, por exemplo, paguem pelas noticias compartilhadas em suas plataformas.

Para responder o título do artigo, as decisões da Meta estão muito mais conectadas com a extrema direita, portanto, com o fascismo no cenário atual, do que com a democracia. Esta sim, precisa criar mecanismos (eficazes) para combater, em sua defesa e sobrevivência, decisões como a de acabar com qualquer tipo de checagem de fatos de plataformas gigantescas (e influentes) e é justamente o que o Brasil precisa e deve fazer. Fundamentalmente, como muitos especialistas tem analisado, a decisão do dono da Meta irá favorecer a produção e divulgação de noticias falsas, mentiras, discursos de ódio, intolerância etc. como parte integrante da estratégia da extrema direita, do fascismo, contra a democracia.

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