Entre livros e histórias: o papel dos sebos no incentivo à leitura em Natal

Nos labirintos de papel e histórias vivas, os sebos de Natal guardam mais que livros: resguardam fragmentos de memórias, revoluções silenciosas e encontros improváveis. Entre prateleiras abarrotadas e páginas amareladas pelo tempo, esses refúgios literários conectam gerações, mantendo viva a troca de cultura e o hábito da leitura em um mundo cada vez mais digital. Este universo foi retratado no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado “Entre Páginas e Universos”, de autoria de Luiza Eduarda da Fonseca, apresentado no curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A seguir, apresentamos uma síntese da conclusão desse trabalho, elaborada especialmente para a Agência SAIBA MAIS, que destaca as histórias, os desafios e a importância dos sebos de Natal/RN como espaços de preservação cultural, incentivo à leitura e resistência em tempos de transformações digitais.

Entre Página e Universos

Por Luiza Fonseca | Especial para a Agência SAIBA MAIS

Natal é uma cidade rica em história e cultura, e seus sebos desempenham um papel vital nesse cenário. Mais do que locais para compra e venda de livros usados, os sebos Rio Branco, Cata Livros e Gajeiro Curió representam espaços de resistência cultural e convivência. Esses estabelecimentos oferecem aos leitores uma conexão com o passado, uma alternativa acessível ao presente e uma contribuição significativa para o futuro da literatura na região. Em um Brasil onde a leitura enfrenta desafios — apenas 47% da população é considerada leitora, de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2024) — esses sebos reafirmam a importância do livro físico como instrumento de inclusão e transformação cultural.

Além disso, os sebos são verdadeiros refúgios para quem busca não apenas literatura, mas também o calor humano e o encanto da descoberta. Nas prateleiras abarrotadas, é possível encontrar desde edições raras até best-sellers contemporâneos, passando por obras esgotadas que já não se encontram em livrarias tradicionais. Ao entrar em um sebo, o visitante é recebido por um ambiente acolhedor, onde cada objeto parece contar uma história.

A fachada atual do Sebo Rio Branco (Foto: Luiza Fonseca)

R$1,99 e muito mais: o sebo que ajudou a formar médicos e escritores

Localizado na Avenida Rio Branco, o Sebo Rio Branco é administrado por Ronaldo Gurgel, que iniciou no ramo em 1984 inspirado pelo irmão. O sebo oferece desde gibis e romances até livros acadêmicos, atraindo um público diverso.

Ronaldo destaca as histórias marcantes que vivenciou, como a do cliente que comprou mil livros ao longo dos anos ou o ortodontista que financiou seus estudos com livros de R$ 1,99. “Ele me olhou e disse: ‘Seu Ronaldo, o senhor não está me reconhecendo, não? Eu sou cliente do senhor desde muito tempo, desde criança, e me formei em ortodontia comprando livro de R$ 1,99’”, relembra Ronaldo com orgulho.

A paixão pela leitura foi um fator crucial na trajetória de Ronaldo. “Eu gostava de ler muito na época. Então, já vamos dizer assim, junta o útil ao agradável”, conta. No início, o sebo ocupava uma pequena banca de revistas, mas, com o tempo, o negócio cresceu e se consolidou na loja atual. “Quarenta anos. Foi desde 1984 que a gente começou”, reflete Ronaldo sobre sua longa jornada.

O Sebo Rio Branco também se adaptou às mudanças tecnológicas, como o uso da Estante Virtual, uma plataforma que ampliou o alcance do sebo e atrai clientes de várias partes do Brasil. “Muita gente reclama por causa da internet, mas a gente vende livros pela internet. A gente consegue cliente pela internet”, comenta Ronaldo, demonstrando sua visão otimista em relação ao mercado digital.

Fachada do Sebo Cata Livros, que existe desde 1970 (Foto: Luiza Fonseca)

Arte, antiguidades e livros: o universo do Cata Livros

Fundado por Verônica e Jácio Torres, o Cata Livros está em Natal há mais de 50 anos. Com três unidades, o sebo mistura livros, máquinas de datilografia, discos de vinil e telefones antigos, criando um ambiente que encanta leitores de todas as idades. “Aqui, além dos livros, temos máquinas de datilografia, discos de vinil, telefones antigos. As crianças que vêm aqui ficam encantadas, porque nunca viram nada disso antes”, explica Verônica.

A história do Cata Livros é marcada por desafios e superação. Um incêndio em uma das lojas quase destruiu o acervo, mas a solidariedade da comunidade foi essencial para o recomeço. “As doações de livros vieram de todos os lados – de crianças trazendo seus gibis favoritos até adultos que contribuíram com suas coleções pessoais”, relembra Verônica. Essa rede de apoio reforça o papel do sebo como um espaço de troca cultural e afetiva.

O sebo também se destaca por sua atuação ambiental. “Cada tonelada de papel reciclado equivale a uma árvore preservada”, destaca Verônica, ressaltando a contribuição dos sebos para a sustentabilidade. Além disso, a Estante Virtual ajudou a ampliar o alcance do Cata Livros, permitindo que o acervo chegasse a leitores de outras regiões.

Gajeiro Curió: homenagem a um artista da terra

Fundado em 2016 por Oreny Júnior, o Gajeiro Curió é tanto uma homenagem ao escritor Newton Navarro quanto um símbolo de resistência cultural. “Gajeiro” remete ao marinheiro que avista o horizonte e anuncia “terra à vista”, enquanto “Curió” é uma referência ao apelido de um personagem da obra Como se perdeu o Gajeiro Curió, publicada por Navarro. “O sebo dá continuidade à vida dos livros, e isso é algo muito especial”, afirma Oreny.

O Gajeiro Curió é conhecido por sua dedicação à literatura potiguar, com uma seção especial para autores locais. Além disso, o sebo organiza feiras literárias trimestrais que reúnem leitores, escritores e entusiastas da leitura. “O coletivo surgiu da necessidade de voltar com as feiras de sebos, que aconteciam antigamente na Praça André de Albuquerque. Hoje, realizamos quatro feiras por ano, e cada edição é um sucesso”, conta Oreny, que também é o organizador do Coletivo de Sebos do RN.

Assim como os outros sebos, o Gajeiro Curió utiliza a Estante Virtual para alcançar um público mais amplo, mas mantém o foco na interação pessoal. “O cliente chega, conversa, pede indicações. Isso é insubstituível”, ressalta Oreny. Além disso, o sebo promove encontros culturais, como lançamentos de livros e rodas de conversa, fortalecendo a comunidade literária local.

Para Angélica, o melhor do mundo está nos livros (Foto: Luiza Fonseca)

O  olhar dos frequentadores

Os sebos também são moldados por seus frequentadores. Antônio Galdino, estudante de Filosofia, relembra como seu primeiro livro comprado em um sebo, “As Viagens de Gulliver”, despertou sua paixão pela leitura. “Aqui a gente encontra livros baratos, de bom estado, e é um passatempo também”, comenta Antônio.

Mariana Aparecida, estudante de Ciências Contábeis, valoriza o papel inclusivo dos sebos, que democratizam o acesso à leitura com preços acessíveis. “Hoje é muito caro comprar livros novos. Os sebos são uma alternativa, uma forma de democratizar o acesso à leitura”, reflete Mariana. Ela também compartilha como descobriu novos gêneros literários que ampliaram seu horizonte cultural.

Essas experiências reforçam que os sebos são mais que lojas: são espaços de convivência e aprendizado, onde cada visita é única. Frequentadores também mencionam como os sebos ajudam a manter vivas as histórias por trás de cada livro, desde dedicatórias antigas até notas encontradas entre as páginas. Para muitos, é nesse ambiente que se encontram não apenas livros, mas também pequenos fragmentos de suas próprias memórias.

Lugares de saber e de memória

Em um mundo cada vez mais digital, os sebos reafirmam seu valor como guardiões da cultura impressa. Espaços como Rio Branco, Cata Livros e Gajeiro Curió mostram que o livro físico, carregado de memórias e histórias, continua essencial. Ao conectar gerações, esses sebos fortalecem laços culturais e promovem uma experiência única para todos que cruzam suas portas.

O impacto dos sebos vai além da leitura; eles contribuem para a preservação da história e da identidade cultural. Para frequentadores e proprietários, os sebos simbolizam resistência em um mundo que, embora digital, ainda encontra conforto e valor nas páginas impressas. Esses espaços, muitas vezes negligenciados, são essenciais para que a tradição literária permaneça viva, garantindo que as futuras gerações tenham acesso não apenas ao conteúdo, mas à experiência tangível de um livro em mãos.

Por isso, preservar os sebos significa preservar não apenas o hábito da leitura, mas também um pedaço da memória coletiva, onde cada livro carrega consigo as marcas do tempo e as histórias de quem o leu e amou.

Leia o texto completo do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado “Entre Páginas e Universos”, de autoria de Luiza Eduarda da Fonseca:

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