Entre Reginas e Cássias

Em tempos de respeito à diversidade, confesso: sou um indivíduo criado em uma cultura heteronormativa, tenho amigos e familiares de orientação sexual diversa, mas, desde a infância, vendo a beleza de uma Sofia Loren, Cláudia Cardinalle, Brigitte Bardot ou a Sônia Braga, que meu pai admirava nos filmes, ou mesmo beldades como Xuxa, Luiza Brunet e Monique Evans nas capas de revistas masculinas, em meus tempos de puberdade, cheguei a uma conclusão: gosto, mas gosto muito, de mulher!

Entretanto, gosto de mulheres não apenas pela beleza, estética e apelo sexual. Gosto pelo pensamento e caráter, como de uma Rosa Luxemburgo, tristemente assasssinada por divergir de um movimento socialista (e de governos autoritários de direita, que acabaram assassinando-a). Gosto de uma certa Aleida March, revolucionária cubana, que, durante uma guerrilha, teve tempo de ser a amada companheira e mãe dos filhos de Che Guevara. Gosto de Leila Diniz, que de atriz de novelas na TV tornou-se um ícone cultural, do feminismo e da libertação feminina, morta precocemente num acidente de avião. Gosto da cantora Marina, que numa década de 1980, revelou-se não apenas uma irmã de um grande filósofo e poeta, mas uma artista completa, que com sua voz rouca, exortou o amor feminino, e porque não dizer lésbico, colocando, no lugar do preconceito, o afeto, elegância e sensualidade.

Desde criança, admirei a beleza negra e o talento artistico das estrelas afrodescendentes como Zezé Motta, interpretando no cinema Xica da Silva, assim como consigo me deleitar até hoje com a atuação e desempenho de uma mulher lindíssima como Taís Araújo (que, definitivamente, não é apenas a mulher do Lázaro Ramos).

Gosto de uma Bruna Lombardi dos meus tempos de moleque, que, de musa soube se reiventar como atriz e apresentadora. De uma brilhante Marília Gabriela, artista, jornalista, dando lugar a sucessoras de beleza, caráter e talento semelhante, como a (odiada por bolsonaristas) Andréia Sadi ou uma loiríssima, exuberante (e igualmente perseguida) repórter Natuza Nery.

Na música, eu que já ouvi muito Madonna, não curto a música, mas exorto a beleza e o destaque internacional de estrelas como Anitta. Assim como respeito cantoras e artistas como Ludmilla, Negra Li e tantas outras que vieram da quebrada.

Enfim. num pouco mais de meio século de existência, tive muitos colirios ao admirar a beleza e atitude femininas, na minha condição de macho (tentando sair da posição de opressor), mas tive algumas conjuntivites.

É impossível, ao menos na minha humilde leitura, ver o descompasso de trajetórias e de como o envelhecimento (ao menos mentalmente) faz mal a algumas mulheres do meio artístico e cultural, como o das atrizes Cássia Kiss e Regina Duarte.

Ambas, “namoradinhas do Brasil”, em períodos distintos de trajetória nas carreiras. Entretanto, a sexagenária Cássia e a septuagenária Regina, que antes ocupavam as manchetes de jornais pelo seu esplêndido desempenho em séries e novelas, parecem agora se destacar apenas pelas baixarias.
Nada contra o conservadorismo em si e o direito das pessoas, ideologicamente e politicamente, de serem radicais na defesa de suas posições. O que me incomoda é o exercício intolerante do incômodo, quando duas grandes mulheres, de contribuição irrefutável para a arte, resolvem rasgar seus currículos na velhice, e exercitar o que há de mais pérfido e alienante no universo ideológico.
Regina, dispensa apresentações. Apoiadora contumaz do ex-presidente, inelegível, a eterna Viúva Porcina de “Roque Santeiro” ou a que já foi a progressista “Malu Mulher”, agora, vive enrolada e endividada em processos judiciais, por conta das besteiras e absurdos reacionários que posta nas redes sociais.

Como uma tia velha do zap, na falta de papéis de relevo, diante de uma rede Globo que lhe fechou as portas, Regina parece colecionar desafetos (e cada vez mais o desprezo público), por cada conteúdo que, de forma consciente ou irresponsavelmente retuíta, seja na defesa da ditadura militar, ou nos ataques à esquerda em geral, ou movimentos sociais.

Cássia Kiss, por sua vez, é mais performática, pois, ao ser demitida da Globo, a atriz, assumidamente conservadora e católica, chegou a ser filmada participando de orações em praças, junto com militantes golpistas bolsonaristas, defendendo um golpe de Estado. Partindo pro moralismo carola e desbocado, sua última aparição foi numa confusão em um supermercado, quando, do nada, insurgiu-se e ameaçou expulsar aos gritos de um estabelecimento uma jovem, acompanhada de sua mãe, tão somente porque estava com pouca roupa, utilizando vestimenta (segundo ela) indevida num local público.

Simone de Beauvoir, filósofa francesa, autora do “Segundo Sexo”, uma das maiores pensadoras do século XX, dizia que a moral, é, sobretudo, escolha, e uma escolha que pode levar a um caminho de liberdade ou não. Em síntese, a moral que adoto tanto pode me levar a um caminho de condenação quanto a um de libertação, dependendo das escolhas que vc efetua.

Eu escolho gostar de mulher, mas, das escolhas que Cássia e Regina fizeram, eu escolho não gostar delas!

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