Os novos caminhos de Júlia Arruda

Um dia depois de participar da sua última sessão na Câmara Municipal de Natal (CMN), a vereadora Júlia Arruda (PCdoB) ainda estava sob o impacto da emoção pelas homenagens recebidas, mensagens de apoio e reconhecimento pelos seus 16 anos de mandato representando a população da capital potiguar.

A despedida do parlamento, dos servidores e da equipe que a acompanhou nessa trajetória mexeu muito com ela, mas nada comparado à grande “ausência presente”, nas palavras dela, da sua maior referência de vida: o seu pai Leonardo Arruda Câmara, ex-deputado estadual, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte e ex-presidente do ABC Futebol Clube, uma de suas grandes paixões, além da política, que faleceu no dia 11 de maio de 2024, aos 76 anos de idade, depois de perder a luta contra um câncer.

Júlia recebeu nossa reportagem, na última sexta-feira (20), para fazer uma retrospectiva dos seus quatro mandatos de vereadora, falar sobre o legado que deixa para a cidade e conversar a respeito dos caminhos que pretende seguir após não conseguir se reeleger, mesmo tendo obtido mais de cinco mil votos nas eleições desse ano, tornando-se a primeira suplente da Federação PT, PV e PCdoB.

Foto: Assessoria Júlia Arruda

Em meio ao bate-papo sobre política, as dificuldades da campanha e como está lidando com a frustração do insucesso eleitoral, ela disse que não teve tempo sequer de “viver o luto” pela perda do pai.

“Passar por uma campanha nas circunstâncias normais já é pesado, mas é mais ainda diante de um luto, de uma dor que eu nunca tinha passado, de [perder] uma pessoa tão próxima”, disse, emocionada.

“Não foi uma pessoa qualquer, mas sim minha referência na política e na vida pessoal. O meu pai era uma pessoa presente em todos os momentos da minha vida. Então, assim, não imaginava a gente fazer o lançamento de uma eleição sem meu pai estar lá, sem ele participar. Ter passado por tudo isso foi muito difícil pra mim”, confidenciou.

Júlia ao lado do pai, Leonardo Arruda, sempre presente nas campanhas dela. Foto: Reprodução Facebook

Júlia contou que, após a perda do pai, traçou dois objetivos: o primeiro deles era “conseguir terminar a campanha de pé” e o segundo, “atingir o patamar dos cinco mil votos”. “Eu consegui os dois”, orgulhou-se, para em seguida lamentar que os 5.180 votos conquistados nas urnas não foram suficientes para renovar o seu mandato.

Até os 99% da apuração, Júlia estava garantindo sua cadeira na Câmara Municipal, mas no final perdeu a vaga para a vereadora eleita Samanda Alves (PT), que teve apenas nove votos a mais que ela.

“Eu digo que ter perdido por nove votos, ter conquistado 5.180 votos, eu acho que tem algum propósito para isso. De fato, não é por acaso. Hoje eu entendo que eu deveria ter passado por tudo isso”, refletiu.

Desde o resultado da eleição, o número nove passou a ter um efeito meio cabalístico na vida dela. Por ironia do destino, Júlia Arruda nasceu no dia 9 de março de 1982. Intuitiva, como uma boa pisciana, ela disse que tem esse lado “muito aflorado” e que espera “seguir os sinais” que a vida e o destino vão lhe reservar.

“Não tem como não ser [um sinal]: nasci no dia 9, foram 9 votos [de diferença] e o ano que vem é 9, porque se você somar 2025, o resultado é o número 9. Eu li tudo isso e vi que o 9 significa fim de ciclo e recomeço”, revelou, demonstrando seu interesse recente pela numerologia.

Frustração

Apesar de acreditar existe um propósito atrás de tudo, Júlia admite a frustração com o insucesso inesperado, mas o sentimento que mais pesa nesse momento é de “pena”, porque sente que as pautas que abraçou durante seus quatro mandatos ficaram órfãs de representação.

“O sentimento que as pessoas me passam é esse: ‘Como vai ser agora? Como vai ficar a minha associação, o meu projeto social? Quem é que estará aqui?’ Então é isso, interromper um trabalho que eu considero importante por tão pouco, fica esse sentimento”, lamentou.

Uma das coisas que a vereadora disse que vai levar com ela é a certeza de não ter “envergonhado o eleitor ao longo desse tempo”. Júlia não titubeia ao dizer que sua atuação política deixará um legado positivo para a população de Natal, especialmente para as mulheres, o público infantojuvenil e as pessoas com deficiência.

Ela cita, com orgulho, políticas públicas que viraram realidade através da iniciativa do seu mandato, como a criação da Patrulha Maria da Penha em Natal, cuja lei de sua autoria foi aprovada pela Câmara Municipal em março de 2016, mas vetada pelo então prefeito Carlos Eduardo.

Foto: Reprodução Facebook

Os vereadores derrubaram por unanimidade o veto do ex-prefeito, mas nem assim o projeto entrou em vigor. Júlia conta que, mesmo integrando a base governista naquela época, “foi até as últimas instâncias”, entrando inclusive com uma ação no Tribunal de Justiça do RN, para que a lei fosse colocada em prática. “Eu chamei a responsabilidade para mim”, orgulha-se.

Ela também comemorou o fato de ter conseguido ampliar o programa para outros municípios do Rio Grande do Norte quando se licenciou do cargo de vereadora para ocupar a Secretaria estadual das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (SEMJIDH), entre julho de 2021 e abril de 2022, na primeira gestão da governadora Fátima Bezerra (PT).

“Na minha passagem pela SEMJIDH, o meu primeiro ato foi articular com a Secretaria da Segurança Pública para interiorizar a Patrulha Maria da Penha. A gente levou para 12 municípios polos, que já estão repercutindo para o seu entorno. Então, isso é muito importante, é um legado que a gente deixa aí para as futuras gerações”, analisou.

Origens familiares

Júlia com a irmã Sílvia Arruda, o pai Leonardo Arruda e a mãe Graça Paiva. Foto: Reprodução Facebook.

Natalense de nascimento, Júlia vem de uma família com ramificações políticas espalhadas pelo interior do Rio Grande do Norte. O seu avô materno, Waldemar de Sousa Veras (1921-1993), foi deputado estadual e prefeito de Alexandria, na região do Alto Oeste. A avó Antônia de Paiva Sousa (1926-2010), conhecida como “Dona Toinha”, foi vereadora durante vários mandatos no mesmo município.

Wlademar passou o “bastão político” da família ao filho Demócrito de Sousa Paiva, que também foi eleito deputado estadual, mas morreu precocemente aos 36 anos de idade num acidente de carro em 1981.

A morte trágica de Demócrito abriu caminho para Leonardo, pai de Júlia Arruda, assumir a liderança política da família, elegendo-se deputado estadual pela primeira vez em 1982, à época pelo PDS. Ele ficou na Assembleia Legislativa durante 16 anos, encerrando sua vida legislativa após não conseguir a reeleição em 2002.

Antônia Paiva e Waldemar Veras, avós maternos de Júlia Arruda. Foto: Reprodução.

Nascido em João Pessoa (PB), Leonardo também veio de uma família de políticos que se estabeleceu em Nova Cruz, na região Agreste do Rio Grande do Norte, no ano de 1914, cinco anos antes da emancipação política da cidade.

O seu pai Lauro Arruda foi prefeito do município de 1948 a 1950 e deputado estadual de 1951 a 1955. Já sua mãe, Dona Joanita Arruda, também foi prefeita da mesma cidade de 1958 a 1963. O irmão, Cid Arruda Câmara, também administrou o município entre os anos 2001 e 2009 e de 2013 a 2016.

A carreira política de Leonardo se iniciou em 1970, quando se elegeu vereador de Nova Cruz, pelo antigo MDB, com pouco mais de 500 votos, atuando na legislatura 1971-1973.

Leonardo Arruda foi candidato a prefeito de Natal em 1996. Nas eleições seguintes, foi candidato a vice na chapa encabeçada pela então deputada federal Fátima Bezerra.

Obstáculos

Júlia nunca se envergonhou de vir de uma família política tradicional, mas desde cedo compreendeu que, para ser reconhecida, teria que construir sua própria história. No início da carreira parlamentar em 2008, quando se elegeu vereadora pela primeira vez, ela afirmou que foi “descredibilizada” muitas vezes por ser mulher, jovem e filha de político.

Foto: Reprodução

Diziam, segundo ela, que seria “uma vereadora de um mandato só”, além de outras adjetivações com o objetivo de diminuí-la. Vencer essa barreira foi o primeiro desafio, o que ela fez mostrando não ser “apenas mais uma filha que seguiria a carreira do pai na política”, até porque, como lembrou, as últimas experiências com o “filhotismo político” não haviam sido muito exitosas.

“Não basta ser filho [de pai político], tem que ter vocação. Isso eu só saberia no desempenho da minha atividade. Eu dizia muito que eu ou me decepcionaria ou me apaixonaria pela política, porque eu conhecia tanto as coisas boas da política quanto os bastidores da politicagem. A segunda opção foi a que venceu. Eu me envolvi de uma forma que, passados quatro mandatos, vi que realmente eu era realizada na atividade que desempenhava”, narrou.

Quando Júlia chegou pela primeira vez à Câmara Municipal, há algumas legislaturas não havia nenhuma representação das mulheres. Era uma época em que a sociedade naturalizava o senso comum que pregava que “política não é coisa para mulher”. Essa visão machista, felizmente, mudou com o tempo, apesar do fato de as mulheres ainda serem sub-representadas em todos os níveis políticos.

Ela acredita que sua chegada ao Legislativo de Natal, após tantos anos sem uma representação das mulheres, contribuiu para virar o jogo, ampliando a bancada feminina nos anos seguintes na Câmara Municipal.

“Representatividade é muito importante. Eu acho que mostramos que estávamos ali para fazer história, porque fui a primeira vereadora mulher reeleita em Natal, a primeira mulher a ocupar interinamente a Presidência da Câmara Municipal e contribui para a participação efetiva dos mandatos femininos”, disse, sem nenhuma falsa modéstia.

Política é missão

Para Júlia, publicitária de formação, política “é uma missão” que não é possível ser desempenhada sem “me envolver e sem sentir tudo que eu senti ao longo desse tempo”.

Foto: Francisco de Assis (CMN)

“Eu senti as emoções escancaradas, o arrepio, a indignação de não me calar e ser uma voz em defesa principalmente daquelas pessoas que eu considero mais invisíveis, mais vulneráveis. Eu não imagino estar nessa atividade sem sentir tudo isso que eu senti ao longo dos anos e não tenho dúvidas que eu saio dessa atividade muito melhor do que eu entrei”, disse, com brilho nos olhos.

Os quatro mandatos provocaram nela uma verdadeira transformação como “pessoa humana” ao fazê-la conhecer realidades que não imaginava que existiam fora da sua zona de conforto.

“Eu tenho certeza que meu círculo de amizades, um determinado círculo de amizades, não sabe nem que existe essa cidade que eu conheci tão profundamente”, ressaltou, acrescentando ter consciência que, para conhecer essa cidade real, foi preciso “sair da bolha” dos privilegiados.

Júlia assegura que, hoje em dia, se sente muito mais à vontade em um evento comunitário do que “em um evento da sociedade”, referindo-se aos convescotes da “high society” natalense. “Eu hoje escolho com quem eu quero estar”, declarou.

Parte dessa transformação de valores também se deveu a sua filiação ao PCdoB. A entrada no partido de esquerda, onde ela disse que foi muito bem acolhida, lhe permitiu “assumir frentes com a militância” que ela não tinha anteriormente, citando principalmente a importância da juventude orgânica da legenda na construção coletiva do seu mandato.

Novos caminhos

Júlia confidenciou que, depois do baque do resultado da eleição, com um “insucesso que não estava no roteiro”, o primeiro pensamento foi de “encerramento de ciclo”.

“Pensei em dar uma mergulhada, avaliar, respirar”, disse, admitindo que cogitou voltar para a publicidade, sua área de formação, mas depois, com o passar dos dias, refletiu melhor, pensou nos projetos iniciados que não poderiam parar e concluiu que o “senso de responsabilidade” era maior.

“Foram 5.180 pessoas que sonharam junto com a gente. É um capital eleitoral significativo. Isso faz com que eu reavalie, porque no primeiro momento eu disse mesmo ‘fechou o ciclo, eu vou partir para a minha vida’”, detalhou.

Júlia assegura que ainda não houve nenhuma conversa no sentido de ocupar algum espaço no Governo do Estado, ponderando que vem dialogando apenas com o PCdoB sobre os cenários possíveis a partir de janeiro do ano que vem.

O momento, segundo ela, é de “amadurecer” sobre o rumo a ser seguido, mas acrescentou que, efetivamente, não há nada concreto quanto a voltar a integrar a gestão da governadora Fátima Bezerra.

Em relação a uma possível candidatura a deputada estadual em 2026, cargo a que ela concorreu em 2022, Júlia não se fecha à ideia, mas condiciona o projeto ao que vai acontecer em 2025.

“Eu aprendi uma coisa esse ano, que é viver um dia de cada vez. Eu vi esse ano que de um dia para o outro você pode virar de ponta cabeça e tudo mudar, então de fato eu estou vivendo um dia de cada vez”, resignou-se. “O pior é a incerteza”, admitiu.

O “turbilhão de emoções” de 2024, com a campanha em meio ao luto do pai, ainda não foi plenamente assimilado pela vereadora. Ela quer, agora, um tempo, ainda que breve, para “respirar”. Uma das coisas que tem em mente é retomar uma mania adquirida durante o confinamento da pandemia de Covid-19: organizar álbuns de família. “Jé tem um monte de fotos separadas”, brincou.

Da mesma forma que se referiu ao pai como uma “ausência presente”, cuja falta nunca será preenchida, Júlia certamente será uma das ausências mais sentidas a partir de janeiro de 2025 na Câmara Municipal de Natal.

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