Documentário celebra centenário de Mãe Mirinha de Portão

Em 2016, o saxofonista e percussionista Emerson Kilendo era um estudante de graduação no curso de audiovisual em uma faculdade particular de Salvador, que precisava de um tema para produzir um curta-metragem. Pensou em documentar em cinco minutos a história e o cotidiano do Terreiro São Jorge Filho da Goméia, em Lauro de Freitas, que completaria 70 anos de fundação em 2018, e que tem como sacerdotisa Mameto Kamurici, que é neta da fundadora do terreiro, Mãe Mirinha de Portão.”A ideia era pegar o depoimento dos filhos mais velhos do terreiro e da própria Mameto, mas acabou tomando uma proporção muito maior”, explica o músico, que se tornou Tata Emerson. Na hierarquia do Candomblé de Angola, Tata é uma designação para o cargo de ogã na tradição ketu.Com a ampliação do escopo do filme, a equipe de produção aumentou e incluiu a muzenza [iaô] Ravena Maia, uma fotógrafa que era então professora de Emerson na faculdade, a professora Claudia Malenduka, que é kota [ebomi] no terreiro, e a designer e muzenza Lumena Adad. No começo das gravações, Ravena e Lumena ainda não eram iniciadas.O resultado do trabalho em grupo foi o documentário Raízes e Memórias do Terreiro São Jorge Filho da Goméia – 100 Anos de Mãe Mirinha de Portão, que foi apresentado na última quarta-feira no Colégio Estadual de Tempo Integral de Portão.PandemiaAs gravações foram concluídas em 2019, mas logo veio a pandemia de Covid-19 e o processo de conclusão do filme foi adiado. “Durante a pandemia, perdemos algumas pessoas. Alguns que inclusive deram depoimentos para o filme fizeram a passagem”, diz Ravena.Um ano depois que saiu a Lei Paulo Gustavo em 2022, em homenagem ao ator que foi vítima da Covid-19, a equipe inscreveu o projeto no edital de produção audiovisual da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e acabou sendo contemplado com recursos para montagem, narrativa e finalização do documentário. “São etapas que a gente não tem muito domínio técnico. A gente precisava de verba para demandar isso para outras pessoas”, explica Ravena.Sobre a produção em si, a muzenza afirma que foi um processo orgânico. “As gravações foram feitas todas dentro do terreiro, com as pessoas de lá”, afirma Ravena.Este ano, com os recursos do edital, foram acrescentadas algumas novas gravações no terreiro e logo iniciado o processo de finalização do documentário.Uma vitória enorme para um projeto que começou bem menos ambicioso. A equipe não tinha na época a dimensão do centenário de Mãe Mirinha, e a ideia era finalizar naquele momento.”Mas como o tempo da ancestralidade, o tempo dos orixás, não é muito o tempo nosso, agora a gente tem a noção de que esse filme, de fato, era para ser no centenário. São coisas que a gente, às vezes, só toma consciência do que era para ser quando elas acontecem”, diz a muzenza.Ravena não encara a dilatação do prazo de conclusão como um atraso, mas como um tempo de maturação do projeto. “Foi só no ano passado, quando a gente se inscreveu no edital, que a gente começou a moldá-lo na perspectiva do centenário. Mas o conteúdo já tinha esse sentido de contar a história de Mãe Mirinha”, atesta Ravena.LutaAltamira Maria Conceição Souza, a Mãe Mirinha de Portão, nasceu em 21 de dezembro de 1924 e foi iniciada no Candomblé por Joãozinho da Goméia. Ela ficou conhecida não apenas pela sua atividade espiritual, mas pela luta por inclusão social e resistência aos ataques ao modo de vida dentro das comunidades negras. Mãe Mirinha morreu em 18 de fevereiro de 1989.O terreiro de nação bantu, localizado na Rua Queira Deus, em Portão, foi fundado em 1948, originalmente na Rua da Gomeia, no bairro de São Caetano, e é da mesma tradição espiritual iniciada por Joãozinho da Gomeia, o mais famoso babalorixá do país. Com a mudança de Joãozinho para o Rio de Janeiro, Mãe Mirinha, levou o terreiro para Portão anos depois.A apresentação do filme esta semana marcou a data em que se comemorou o centenário de Mãe Mirinha, mas o filme só será lançado no ano que vem.O filme registra o conhecimento sagrado acumulado pelos membros da comunidade, como a própria Mameto Kamurici, que fala sobre a importância da avó para a comunidade. E também pessoas com experiência como a carioca Dona Elizete da Silva Gonzaga, filha de santo de Joãozinho da Goméia, que conheceu Mãe Mirinha no Rio de Janeiro, em uma festa de Oxóssi, e que durante a produção do documentário estava morando em Salvador. Outra filha de santo de Joãozinho da Goméia presente no filme é Dulcelina da Silva Lima.Ravena declara que os relatos feitos no documentário ratificam o que ela já tinha ouvido sobre Mãe Mirinha no terreiro: “Destaco a força que essa mãe de santo tinha e a forma como ela agregava a comunidade de Portão”.Para Emerson, um dos maiores méritos de Mãe Mirinha foi ter conseguido envolver a comunidade de Portão nas atividades do terreiro. “Isso é algo que Mameto também faz, para preservar o legado da casa. Seja no trato com as crianças, seja na ajuda às pessoas em busca de emprego ou em projetos para trazer melhorias à comunidade”, afirma o tata.Emerson passou a frequentar o terreiro em 2013, depois de tocar no Bankoma, bloco afro ligado ao santuário, criado no ano 2000. A sua confirmação como filho de santo aconteceu em 2015.
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