Drumonianas 1

Diz Drummond que “Lutar com palavras/ é a luta mais vã…/ São muitas, eu pouco./ Algumas tão fortes…” Ele escreve isso em seu poema O lutador. Revela-nos, o poeta, o quão elas, as palavras, são poderosas sobre nós e o quanto se agigantam e nos atravessam o corpo e a alma nesse campo de batalha que é a vida se estiverem reunidas em um poema: esse exército catártico.

Como leitora precoce e amante da poesia, sobretudo aquela feita por esse mineirinho de Itabira, descobri ainda criança a soberania da palavra e seu poder avassalador nos versos de um poema.

Poesia é flor que fura o asfalto, Drummond já escreveu isso. E esse verso me toca, sempre. Me sinto flor rompendo asfaltos, leis, conceitos, estereótipos, destinos pré-traçados… O poema de onde extraí essa beleza provocou em mim um brotar de bons sentimentos, um alento no caos. Poesia é flor, mesmo sendo, às vezes, feia, é flor que rompe “o tédio, o nojo, o ódio.” Disso tenho certeza!

Ela, a poesia, nos faz lembrar que “A vida escorre da boca,/ lambuza as mãos, a calçada.” A vida é abundante de belezas e sentimentalidades. Alerta-nos para que, mesmo findo o primeiro, o segundo, o terceiro… tantos amores, “o coração continua”. E que “… o tempo presente, os homens presentes,/ a vida presente” são inspirações para a poesia, para o poeta e para a palavra.

Fazer tudo isso pode soar perigoso para os autoritários e insensíveis. E livros são condenados, exilados, queimados. Nesse instante, chora o poema, chora o livro em que ele foi escrito, chora a poesia que dele se sente, chora a palavra, chora quem foi um dia tocado/a/e por ela…, porém “Em vão assassinaram a poesia nos livros” e em outros lugares onde costumávamos vê-la, lê-la, ouvi-la… A poesia resiste e sobrevive. Ela se instala dentro, muito profundamente em quem um dia a conheceu.

A poesia nos alimenta. Alimenta almas, bois, gentes, cidadezinhas, rios e mares, arranha-céus, grotas, pores-do-sol, vilarejos, veredas, travessias… Alimenta corações, mesmo que eles sejam pequenos. Afinal, “o coração também pode crescer.” Crescer e explodir e preencher esse “mundo enorme e parado.” “O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar.” – escreveu Carlos.

“O presente é tão grande” e tão cheio de hiatos que, deveríamos, sim, empachá-lo com delicadezas e arrebatamentos, com poesia e com palavras. Porém, a maioria de nós prefere recheá-lo com centenas de coisas inúteis, banalidades, brutalidades, ideologias frágeis, julgamentos infundados e (auto)proibições “incabidas”. Tudo tão antipoético!

Podendo, nós, taparmos essas brechas com flores que furam asfaltos; com a serenidade ruminante de bois pastando; com amores: esses bichos instruídos que, às vezes, se estrepam; com canções, mares e serras; com a calmaria de uma “Cidadezinha qualquer”; com nossos “instantes de febre”, de “gula e prazer”, de “incoerências”, que só a poesia pode nos sacudir.

Preciso dizer que discordo do poeta: a luta com as palavras não é vã como ele disse. Afinal, mesmo perdendo, somos nós, os vencidos, quem saímos vencedores: ganhamos, de medalha, como troféu ou coroa de louros, a poesia, o sonho, as borboletas, os fogos de artifício queimando e brilhando por dentro, as palavras que encontram dentro de nós um cantinho para se eternizarem.

Diz Drummond que “O poema, no sonho, te persegue/ e, servo, ao acordar, ele te segue.” Que assim seja! E que nesse combate, seja eu a que volte pra casa cheia de cicatrizes feitas pela poesia, sendo seguida por ela, espionada e pronta para, a qualquer momento, ser alvejada por ela.

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