Após quase uma década de adiamentos e polêmicas, a licitação do transporte público de Natal volta ao centro do debate nesta segunda-feira (26), com a realização de mais uma audiência pública. O encontro, promovido pela Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU), pretende discutir as modificações no edital e responder aos questionamentos que vêm sendo levantados por entidades civis, órgãos de controle e pela população.
O processo licitatório, anunciado pela primeira vez em 2016, ainda não saiu do papel. Em duas tentativas realizadas em 2017, nenhuma empresa apresentou proposta. Desde então, a Prefeitura tem adiado o lançamento definitivo do edital, alegando necessidade de ajustes técnicos e impacto nos custos operacionais. A justificativa recorrente é que a tarifa paga pelo usuário, na época de R$ 3,90 não seria suficiente para sustentar o novo modelo proposto.
Em 2022, a gestão municipal voltou a adiar a publicação do edital e contratou, sem licitação, a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) para elaborar os estudos técnicos e acompanhar o processo. Foram dois contratos, somando quase R$ 2 milhões em recursos públicos. O primeiro, assinado em agosto de 2022, previa melhorias emergenciais e modicidade tarifária. O segundo, firmado em novembro de 2023, estendeu a consultoria por mais 12 meses, incluindo a elaboração do edital definitivo.
Em julho de 2024, uma nova tentativa de viabilizar o processo foi colocada em marcha. A STTU abriu consulta pública e recebeu quase 700 sugestões da população, além de críticas de permissionárias como a Transcoop Natal, que apontou a exclusão dos alternativos da proposta.
Entre os principais pontos de discordância está a ausência de retorno de linhas antigas, a falta de integração eficiente e a não inclusão de melhorias como ar-condicionado e wi-fi em todos os veículos. Uma das sugestões debatidas é a definição de tempo máximo de 30 minutos entre os ônibus em cada linha, para reduzir o tempo de espera.
Apesar da mobilização, o edital elaborado pela ANTP foi criticado duramente pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RN) em relatório divulgado em março deste ano. A corte apontou falhas na modelagem do contrato, ausência de estimativas de receitas financeiras e inconsistências na previsão de demanda. O relatório também questiona a legalidade do subsídio tarifário de R$ 60 milhões proposto pela Prefeitura — projeto que foi enviado à Câmara em janeiro, mas ainda não foi votado. O histórico de promessas não cumpridas e de contratos sem retorno concreto à população colocou em xeque a credibilidade do processo.
Prefeitura de Natal propôs tarifa de ônibus 43,3% mais cara para a Zona Norte
O relatório da Diretoria de Controle de Infraestrutura de Meio Ambiente (DIA) do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RN) que apontou uma série de inconsistências no edital de licitação dos transportes públicos da capital potiguar revelou também que a tarifa prevista pela Prefeitura de Natal para a Zona Norte seria 43,3% superior à da Zona Sul.
De acordo com o relatório, a tarifa operacional prevista no edital para a Zona Norte é de R$ 7,176, enquanto para a Zona Sul é de R$ 5,007. Essa diferença, segundo o relatório, se deve aos deslocamentos maiores entre a Zona Norte e as demais regiões de Natal.
Esse problema, apontam os auditores do TCE-RN, “poderia em muito ser melhorado com a integração com o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que faria o transporte ao longo destes quilômetros de forma mais ágil, veloz e com menor custo, resultando então, ao fim, em menor subsídio municipal”.
Falta de integração modal
A ausência de estudos no edital de licitação sobre as possibilidades de integração intermodal foi outra falha apontada pelo relatório do TCE-RN.
“Desta forma, embora nenhuma integração intermodal esteja prevista nesta contratação, a questão terá que ser enfrentada em um futuro próximo, principalmente tratando-se do transporte coletivo da cidade do Natal, que em muito seria beneficiado com a integração entre o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e o ônibus urbano, que poderia inclusive contribuir bastante para reduzir os custos operacionais do sistema, haja vista o VLT propiciar interligação entre a zona norte e as zonas centrais da capital”, comentam os auditores no relatório.
A falta de integração intermodal, segundo o relatório, é um dos fatores que contribuem para a previsão de uma tarifa maior para a Zona Norte.
A Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), contratada para elaborar os estudos e o edital de licitação, pelo valor de R$ 1,4 milhão propôs a adoção de subsídio tarifário para cobrir o déficit entre a tarifa pública e a tarifa técnica, evitando transferir todo o custo operacional para os passageiros.
Subsídio milionário para empresas de ônibus
Em 11 de janeiro de 2024, o ex-prefeito Álvaro Dias (Republicanos) enviou projeto de lei à Câmara Municipal propondo o subsídio de R$ 60 milhões às empresas de ônibus, que até o momento não foi aprovado pela Câmara Municipal de Natal.
A Zona Norte, aponta o relatório, é a grande responsável pelo “pesado subsídio a cargo da Prefeitura de Natal, haja vista representar o percentual de 78,2% dos valores projetados de subsídio anual, importando em torno de 47 milhões de reais de valor de subsídio”, enquanto o “Lote Sul importará em apenas 13 milhões de reais”.
Os auditores do TCE-RN criticaram a falta de “alternativas à modelagem proposta nos estudos contratados”, o que segundo a análise deles é uma situação “inadequada”.
Valor do subsídio pode aumentar de acordo com a demanda
A Prefeitura de Natal, apontam os auditores, deveria apresentar alternativas para que se analisasse que modelo “poderá trazer maiores ganhos sociais e se mostrar mais viável economicamente ao ente público ao longo dos anos que virão, haja vista que parte dos custos da prestação dos serviços serão arcados via subsídio pela municipalidade”.
“Desde já, deve-se observar que a presente contratação importará em despesas públicas anuais, via subsídio, da ordem de 60 milhões de reais, valor bastante significativo para as contas públicas municipais”, aponta o relatório.
Esse valor, no entanto, poderá ser ainda maior, segundo os auditores, porque “caso a demanda não se realize conforme estimada, a conta para a municipalidade será acrescida para cobrir os déficits produzidos pela menor procura do serviço pela população”.
O último aumento da tarifa de ônibus de Natal ocorreu em 29 de dezembro de 2024. A Prefeitura de Natal oficializou o reajuste de 40 centavos. O novo valor, fixado em R$ 4,90, foi publicado em decreto na edição extra do Diário Oficial do Município (DOM). Para as tarifas estudantil e social, o preço passou para R$ 2,45, disponível apenas para pagamento com cartão. As linhas de bairro passaram para tarifa inteira de R$ 4,30 e meia passagem a R$ 2,15.
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