Como devem ser os processos de demolição e remoção de pessoas em áreas que serão reurbanizadas


Impasse entre União e a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) sobre a Favela do Moinho jogou luz sobre o tema em São Paulo. O g1 conversou com especialistas para entender como deveriam acontecer desocupações urbanas. Governo começa a demolir casas na Favela do Moinho
O processo remoção de pessoas em áreas que serão reurbanizadas envolve a desocupação do território e, muitas vezes, a demolição das moradias existentes para dar lugar a novas estruturas planejadas — como habitações regulares, parques ou vias — que tragam algum benefício para a sociedade.
O tema ganhou destaque nesta semana após o impasse entre a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o governo federal sobre a área onde está localizada a Favela do Moinho, no Centro de São Paulo.
O governo paulista tenta obter a posse do terreno, que pertence à União, para remover a favela que considera um obstáculo no combate ao crime organizado e na revitalização da região central. A gestão pretende construir um parque e transferir sua sede.
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Na quinta-feira (15), a União anunciou que fechou um acordo com o estado de São Paulo sobre o processo de desocupação do local, garantido moradia sem endividamento às pessoas, ou seja, apartamentos subsidiados tanto pelo governo federal quanto pelo estado de São Paulo às famílias com renda de até R$ 4,7 mil.
A notícia foi comemorada por parte dos moradores da comunidade. Especialistas ouvidos pelo g1 alertam que a remoção planejada é fundamental para garantir que o processo não viole direitos humanos e sociais.
O que você encontrar nesta matéria?
Diálogo com moradores
Garantias à população
Demolições seguras
Minimizar riscos
Especulação imobiliária
Diálogo com moradores
Para o urbanista Celso Aparecido Sampaio, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, os processos de remoções têm que ser muito bem articulados.
Segundo ele, é necessário diálogo com vários setores, tanto da sociedade quanto da administração pública, além dos moradores que residem no local e no entorno da área que será reurbanizada.
“É muito importante que a gente desenvolva instrumentos para ouvir esses moradores, suas vontades e o que efetivamente querem. Querem permanecer ali? Querem ir para as imediações? Qual é o tipo de moradia que atende suas necessidades? Só assim vamos oferecer reais oportunidades de remoção.”
O professor ressalta que deve haver articulação com outros programas municipais, estaduais e federais. “Essas famílias têm carência de moradia, mas também de outros tipos de necessidades”.
“Um trabalho social forte e efetivo nesses territórios possibilita mapear as necessidades das famílias para além da moradia. Aí conseguimos, de fato, investir em outros programas sociais. Só assim você tem a chance de fazer uma alavancagem da condição social dessas famílias. A concessão da moradia é a garantia de um primeiro direito.”
Favela do Moinho, localizada na região do Bom Retiro, Centro de São Paulo.
Reprodução/TV Globo
Garantias à população
A arquiteta e urbanista Rayssa Cortez, especialista em planejamento e gestão do território, acredita que a desocupação definitiva das pessoas depende de uma série de garantias, como não serem removidas à força.
“Quando o processo é levado da maneira correta, as pessoas sabem para onde vão e todas as famílias de uma comunidade já terão aceitado sair do local que será entregue”, afirma.
“É a partir daí, quando todos estiverem em suas novas casas, que dá para demolir sem ninguém circulando no local.”
Demolições x descaracterização
Nesta semana, moradores da Favela do Moinho protestaram justamente após a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) realizar demolições na área. Os manifestantes colocaram fogo em objetos na linha do trem, que cruza a comunidade.
O governo federal alega que autorizou somente a descaracterização dos imóveis, ou seja, alterar as casas removendo elementos originais como fachadas, janelas, telhados, pisos.
No caso de uma demolição, o imóvel é derrubado completamente, destruindo sua estrutura física.
Moradores da Favela do Moinho, em Campos Elí¬sios, Centro de São Paulo, realizam protesto contra a desapropriação de suas casas, na manhã desta terça-feira, 22 de abril de 2025, e têm o governador Tarcísio de Freitas (Republicano) como alvo.
ROBERTO SUNGI/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Segundo Rayssa, que tem experiência em assistência técnica para habitação de interesse social, a descaracterização de casas como na Favela do Moinho, que possuí construções de alvenaria, mas também barracos construídos com madeira, pode causar riscos para a população.
“[Na Favela do Moinho] a descaracterização está sendo feita em etapas, ou seja, as casas estão perdendo gradualmente suas características, como portas e janelas. Acredito que pode causar riscos para as pessoas porque as camadas de tijolo podem ficar soltas e, se bate um vento, se bate uma bola de crianças brincando, é mais fácil de cair”, conta.
Por isso a importância de não haver pessoas no local no momento de uma desocupação. “É uma situação agravante em um contexto habitacional.”
Minimizando riscos
Quando as etapas de uma desocupação não são respeitadas, as demolições agravam os problemas sociais de uma área em um processo de reurbanização, segundo a doutoranda em planejamento urbano e regional Débora Ungaretti.
“Fazem a demolição e deixam os escombros no local. O resultado, que também faz parte de uma estratégia, é um cenário de guerra na favela. Os escombros geram riscos para as crianças que brincam nas ruas, empoça água, gerando problemas de infestação de pernilongo ou bichos peçonhentos”, avalia.
“Tudo isso aumenta dos problemas sociais que existem na favela, deixando inviável para as famílias continuarem naquele cenário. Então o Estado vai criando uma cena de fato consumada, de que a favela vai ser demolida, de que as pessoas têm que sair quanto antes.”
Especulação imobiliária
Em 2024, o preço de venda de imóveis residenciais na cidade de São Paulo apresentou uma alta de 6,56%, o maior número desde 2014, quando o acumulado anual foi de 7,33%. Os dados são do Índice FipeZAP.
No mesmo ano, a Prefeitura de São Paulo divulgou Censo de Cortiços da Região Central de São Paulo e identificou um total de 1.080 cortiços na cidade.
Funcionários da CDHU iniciam remoção de famílias da Favela do Moinho, no Centro de SP, na manhã desta terça-feira (22).
TABA BENEDICTO/ESTADÃO CONTEÚDO
O número, no entanto, pode ser maior, já que o perímetro da pesquisa abrange integralmente apenas os distritos Sé, República e Brás, e parcialmente os distritos Santa Cecília, Consolação, Bela Vista, Liberdade, Cambuci, Pari e Bom Retiro.
O professor Celso Aparecido Sampaio defende o aumento de investimento em habitação para a população de baixa renda na cidade.
“A gente tem uma legislação em São Paulo que favorece a entrada do setor imobiliário, que tem crescido e ampliado o ‘retrofit’ no centro da cidade”, referindo-se a um esforço coordenado para revitalizar edifícios antigos, especialmente no centro da capital, enquanto os adaptam para usos comerciais ou até mesmo residências.
No entanto, esses imóveis nem sempre são acessíveis. “A gente precisa de um investimento grande, um investimento forte, um investimento maciço para que talvez a gente dê uma oportunidade para pequenas construtoras se aliarem a movimentos sociais e talvez possa transformar essas grandes ocupações em moradias dignas.”
Segundo o professor, um dos caminhos é ouvir os movimentos sociais que têm propostas para cortiços, favelas e ocupações.
“A Prefeitura de São Paulo tem levantamentos recentes. Agora precisam atuar também essas ocupações, onde moram três, cinco mil famílias, e transformá-las em moradias com qualidade. Espero que a gente aumente o investimento em habitação, para a área central e para o restante da cidade.”
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