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Antes de sermos atingidos por aquela realidade amarga, alguns símbolos são inseridos em um ponto inicial. Os mesmos até causam uma ilusão de pureza e afeto, como quando o personagem do pai (vivido com coragem por Rômulo Braga) oferece à filha lições de como mexer na espingarda (o que ressoará futuramente em uma rima temática precisa) e a mesma se encanta com aquela suposta demonstração de carinho paterno.São momentos como aquele em que o pai parece encantar a filha com uma simples bala que o homem lhe oferece de presente entre sorrisos que parecem genuínos, ou quando a família compartilha o tradicional açaí com farinha que ajuda a nutrir todos eles diariamente dentro daquela vida de limitações. A percepção desses atos como um teatro forçado tornam aquela desilusão ainda mais asquerosa diante do choque de percepção do público.Em outro momento, Tielle e a irmã brincam com o pai no rio, e o mesmo usa a lama do fundo das águas para fingir ser um monstro a assustar as crianças. Aqui, uma outra rima visual precisa com outro momento definitivo da história se faz valer ao desenhar a verdadeira face de Marcílio.Mas é no convite para caçar que ele faz a Tielle, quando a alegria genuína da criança se perde de modo chocante; quando o silêncio da floresta contrasta assustadoramente com a ofegante presença de um predador humano; quando a menina nota uma proximidade física incomum e estranha do pai que faz seu mundo se estilhaçar, que Manas traz seu ponto de virada e de dilacerante desilusão e perda de qualquer fé na humanidade tanto para Tielle quanto para nós, espectadores.E é a partir daquele ponto que a percepção de um comportamento distante do sorriso pueril visto no começo, quando a expectativa de um simples beijo na novela (que a dona da TV evita mostrar às adolescentes que assistem) demonstrava uma saudável descoberta da vida pela pré-adolescente, se confirma com a chegada de uma nova e infeliz personalidade de Tielle. A menina assume uma postura de olhar endurecido e de comportamento desconfiado.A fuga de sua irmã mais velha para outra cidade e presença de uma caçula que Tielle precisa proteger a faz olhar para sua realidade com outros olhos.Jamilli Correa, atriz estreante, transmite com exatidão essa dureza que transparece a partir do trauma de sua personagem e da maturidade forçada que ela precisa tentar entender e lidar.Nessa tentativa, outros símbolos eficientes são inseridos, como quando a menina busca consertar a própria rede para que não precise dividir com o pai a mesma cama. Chegando a comprar fiado cordas novas para consertar a rede, a criança tem nessa busca um grito de socorro que ninguém escuta.O momento em que ela chora dizendo que quer dormir em sua própria rede é de deixar um nó na garganta diante de tamanho desespero.
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Hipocrisia social
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Tendo sua origem como uma proposta de documentário, o filme de Marianna Brennand traz um foco denunciatório dos casos de exploração sexual de adolescentes nas balsas do Rio Tajapuru, na Ilha de Marajó (Pará). Com um roteiro ficcional, mas cujos fatos abordados se baseiam em situações reais vividas por famílias locais, Manas constrói uma narrativa áspera, sem final feliz.Nessa construção, a trama traz uma personagem como a de Danielle (que a atriz Fátima Macedo ergue com um olhar de conformismo e aceitação), a jovem mãe que é obrigada a não reagir diante da monstruosidade de Marcílio. Seu comportamento, porém, não é de omissão.A ilusão de ter sido resgatada pelo marido de uma situação semelhante anos antes denota justamente um desespero inerte e um conformismo diante da ideia de uma repetição da mesma história.Cega pelo desespero, afirma para a menina que seu pai é um homem bom. O mesmo se intitula temente a Deus. Frequentador da igreja, tal comportamento apenas afirma a hipocrisia social que se esconde atrás de rótulos religiosos.Manas é um filme sobre desesperança, mas, também, sobre atitudes enérgicas contra um comportamento estóico. Uma pena que um extirpar violento da melhor fase da vida de um ser humano foi necessário acontecer para isso. Corrigindo o que foi dito acima, a fé na humanidade ainda segue. O problema não é a humanidade, mas, sim, o indivíduo.Manas / De: Marianna Brennand / Com Jamilli Correa, Fátima Macedo, Rômulo Braga, Dira Paes, Ingrid Trigueiro, Clébia Souza / Salas e horários: cinema.atarde.com.br