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Potência do territórioPor meio da força das danças negras baianas e de memórias que atravessam o corpo, o artista multilinguagem Bruno de Jesus apresenta o espetáculo Sample neste sábado, 17, no festival. A obra, como ele define, é um reencontro com mestres e mestras da dança afro-brasileira e uma celebração da ancestralidade viva que pulsa nos territórios populares. “Sample é uma reunião de memórias e referências das danças negras na Bahia”, conta Bruno. “Como homem negro da periferia, reuni artistas que passaram pela minha trajetória. Selecionei trechos de cenas e sequências coreográficas que me marcaram, de mestres e mestras que foram importantes para mim”.Com mais de 12 criações coreográficas no currículo, Bruno traz em Sample um corpo que se constrói a partir de outros corpos: “A ideia do sample, que vem da música – aquela técnica de repetir sons com modificações, eu trago para a dança: uso rastros e trechos de memórias que ficaram no meu corpo para construir um novo corpo, um corpo coletivo”.Para o artista, o festival representa mais do que uma apresentação. É um gesto político de valorização dos territórios. “Esse festival tem uma importância enorme por projetar a cadeia de produção artística de Salvador, especialmente das periferias. Cajazeiras é um território com grande relevância histórica e cultural, com um número significativo de artistas periféricos”.Bruno ressalta a potência de iniciativas que reconhecem a arte como direito coletivo e dão visibilidade aos artistas locais. “Quando você reconhece sua história, consegue se projetar para o futuro. O festival se reconhece como parte de Salvador e mostra para a cidade, e até para o estado, que existe uma cadeia produtiva efervescente, viva, potente”.No sábado seguinte, às 16h, a rua vira palco. A coreografia Malemolência, do Grupo Jeitus de Dança, convida o público a repensar o que se entende por “ser baiano”. Longe dos estereótipos de preguiça e malícia atribuídos à malemolência, a obra exalta a inteligência corporal e a fluidez de quem resiste com leveza.O encerramento da programação artística acontece no dia 31 de maio, com a Mostra Movimenta, que selecionará 10 trabalhos em dança, solos, duos ou grupos, por meio de convocatória aberta, especialmente pessoas pretas e LGBTQIA+ a partir dos 16 anos. Wellington Trindade, dançarino e produtor cultural, também compõe a programação com o solo inédito 12 Novembros. A obra discute o genocídio de estudantes negros na periferia e marca o envolvimento histórico do artista com a comunidade. “Já trabalho há muitos anos com Cajazeiras. Estar nesse festival é reafirmar a urgência da arte como denúncia, como voz e como cura”, pontua.“O título propõe que a consciência negra não se restrinja ao dia 20 de novembro, mas seja vivida o ano todo, de novembro a novembro”, explica. “Cada ‘novembro’ simboliza um mês de resistência e celebração da cultura negra”, diz Trindade. A obra também reúne fragmentos de reportagens, trilha sonora brasileira e poesia. “Incluo ainda relatos de mulheres negras e trechos de um poema de Lucas Penteado, que implora para que o policial não mate mais um jovem negro. É um solo curto, com três minutos, mas de grande intensidade dramática”.A potência da presença negra nos palcos, segundo Wellington, também cumpre um papel educativo. “A arte tem o poder de despertar a consciência. A minha presença negra no palco serve de referência para jovens periféricos que já sofreram racismo. Mostra que somos protagonistas da própria história e fortalece o posicionamento coletivo”.Segundo os organizadores, o Movimenta Cajazeiras é, acima de tudo, um movimento de dentro para fora, um processo construído coletivamente ao longo dos anos, com escuta, paciência e compromisso. “Queremos que o festival cresça, sim, mas com os pés no chão. Que siga refletindo os desejos e as necessidades do território. E que continue sendo esse lugar de encontro entre o que já é feito aqui e o que ainda sonhamos construir”, resume Marcos Ferreira.*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.