De graça! Festival Movimenta Cajazeiras promove espetáculos de dança

Com foco em artistas locais, o Festival Movimenta Cajazeiras acontece aos sábados deste mês no Espaço Boca de Brasa, em Cajazeiras, Salvador. O evento promove espetáculos de dança de forma gratuita para a comunidade e busca valorizar a cena cultural periférica, oferecendo uma plataforma para os artistas da região e propondo uma reflexão sobre a produção artística nas periferias de Salvador.Idealizado por Marcos Ferreira, Leonardo Santos e Tyara Gomes, o Festival Movimenta Cajazeiras chega à sua segunda edição. Há quase dez anos, o trio promove ações de dança e outras manifestações culturais na comunidade, com o objetivo de valorizar artistas locais. O festival, que começou com oficinas em praças públicas e rodas de conversa, sem palco nem estrutura, hoje se consolida como um dos principais eventos da cena cultural de Salvador.“A gente sonhava com um festival desde a época em que não havia espaço para ensaiar. Produzíamos com o que tínhamos. Agora, temos estrutura, apoio e, sobretudo, comunidade, que sempre esteve com a gente. O Festival Movimenta Cajazeiras nasce da escassez, mas também da abundância de talento, de criatividade, de coletividade”, afirma Marcos.Segundo ele, uma das ambições dos organizadores é a proposta de crescer com escuta e sensibilidade, respeitando as urgências e possibilidades do território. “Queremos fazer mais, fazer melhor, dialogando com os desejos da comunidade”, diz.“Desde o início, o festival já nasceu com um objetivo claro: ser uma ação contínua, calendarizada, parte fixa do calendário cultural da cidade. Esse desejo de continuidade não é à toa. Existe uma demanda real por isso. Cajazeiras precisa desse festival. Ele é importante não apenas para a classe artística, mas para toda a comunidade. Todas as atividades oferecidas são gratuitas — não só para artistas, mas para qualquer morador ou moradora que deseje ter uma experiência com a dança, com a arte, com o conhecimento”, complementa Marcos.A programação começou no dia 10, com o espetáculo Nós por nós, do grupo Uzarte, que celebra uma década de existência e propõe, por meio da dança, um olhar afrofuturista sobre o corpo negro em movimento. “O objetivo de realizar esse festival sempre foi mostrar a potência que essa comunidade tem – a potência artística, criativa, diversa. Cajazeiras vem investindo em dança há muito tempo. Temos uma produção consolidada, com grupos tradicionais e artistas com trajetórias sérias e consistentes”, diz Marcos.

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Potência do territórioPor meio da força das danças negras baianas e de memórias que atravessam o corpo, o artista multilinguagem Bruno de Jesus apresenta o espetáculo Sample neste sábado, 17, no festival. A obra, como ele define, é um reencontro com mestres e mestras da dança afro-brasileira e uma celebração da ancestralidade viva que pulsa nos territórios populares. “Sample é uma reunião de memórias e referências das danças negras na Bahia”, conta Bruno. “Como homem negro da periferia, reuni artistas que passaram pela minha trajetória. Selecionei trechos de cenas e sequências coreográficas que me marcaram, de mestres e mestras que foram importantes para mim”.Com mais de 12 criações coreográficas no currículo, Bruno traz em Sample um corpo que se constrói a partir de outros corpos: “A ideia do sample, que vem da música – aquela técnica de repetir sons com modificações, eu trago para a dança: uso rastros e trechos de memórias que ficaram no meu corpo para construir um novo corpo, um corpo coletivo”.Para o artista, o festival representa mais do que uma apresentação. É um gesto político de valorização dos territórios. “Esse festival tem uma importância enorme por projetar a cadeia de produção artística de Salvador, especialmente das periferias. Cajazeiras é um território com grande relevância histórica e cultural, com um número significativo de artistas periféricos”.Bruno ressalta a potência de iniciativas que reconhecem a arte como direito coletivo e dão visibilidade aos artistas locais. “Quando você reconhece sua história, consegue se projetar para o futuro. O festival se reconhece como parte de Salvador e mostra para a cidade, e até para o estado, que existe uma cadeia produtiva efervescente, viva, potente”.No sábado seguinte, às 16h, a rua vira palco. A coreografia Malemolência, do Grupo Jeitus de Dança, convida o público a repensar o que se entende por “ser baiano”. Longe dos estereótipos de preguiça e malícia atribuídos à malemolência, a obra exalta a inteligência corporal e a fluidez de quem resiste com leveza.O encerramento da programação artística acontece no dia 31 de maio, com a Mostra Movimenta, que selecionará 10 trabalhos em dança, solos, duos ou grupos, por meio de convocatória aberta, especialmente pessoas pretas e LGBTQIA+ a partir dos 16 anos. Wellington Trindade, dançarino e produtor cultural, também compõe a programação com o solo inédito 12 Novembros. A obra discute o genocídio de estudantes negros na periferia e marca o envolvimento histórico do artista com a comunidade. “Já trabalho há muitos anos com Cajazeiras. Estar nesse festival é reafirmar a urgência da arte como denúncia, como voz e como cura”, pontua.“O título propõe que a consciência negra não se restrinja ao dia 20 de novembro, mas seja vivida o ano todo, de novembro a novembro”, explica. “Cada ‘novembro’ simboliza um mês de resistência e celebração da cultura negra”, diz Trindade. A obra também reúne fragmentos de reportagens, trilha sonora brasileira e poesia. “Incluo ainda relatos de mulheres negras e trechos de um poema de Lucas Penteado, que implora para que o policial não mate mais um jovem negro. É um solo curto, com três minutos, mas de grande intensidade dramática”.A potência da presença negra nos palcos, segundo Wellington, também cumpre um papel educativo. “A arte tem o poder de despertar a consciência. A minha presença negra no palco serve de referência para jovens periféricos que já sofreram racismo. Mostra que somos protagonistas da própria história e fortalece o posicionamento coletivo”.Segundo os organizadores, o Movimenta Cajazeiras é, acima de tudo, um movimento de dentro para fora, um processo construído coletivamente ao longo dos anos, com escuta, paciência e compromisso. “Queremos que o festival cresça, sim, mas com os pés no chão. Que siga refletindo os desejos e as necessidades do território. E que continue sendo esse lugar de encontro entre o que já é feito aqui e o que ainda sonhamos construir”, resume Marcos Ferreira.*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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