Amorim avalia que Ucrânia terá que ceder a Crimeia e o ingresso na OTAN para acordo com Putin

O assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, avalia que a Ucrânia terá de abrir mão de vez da Crimeia e discutir a situação dos territórios ocupados pela Rússia do Donbass, Kherson e Zaporizhzhia, além de abandonar a ideia de adesão na aliança militar OTAN, para atingir um acordo de paz com a Rússia.Antes de deixar a capital russa, neste sábado, dia 10, o principal conselheiro de política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva compartilhou sua avaliação a jornalistas. O ex-chanceler ressaltou que a leitura de cenário é dele, não do presidente, e que não faz juízo moral da situação. Amorim indicou uma visão pragmática para encaminhar o fim da guerra e disse que é preciso trabalhar com a “paz possível” de ser alcançada e que a “paz ideal” pode nunca chegar.”Algumas coisas nunca não resolvidas em definitivo”, ponderou o ex-chanceler. “A Crimeia eu acho que não tem dúvida que vai passar (para a Rússia). Não estou dizendo que é justo, certo ou errado. E não entrar para a OTAN, mas ter outro tipo de proteção, ser parte da União Europeia. As garantias terão que ser mútuas e isso não é muito simples”, disse o ex-ministro.O assessor de Lula disse ainda que podem ser previstos plebiscitos em prazos como cinco ou dez anos nos territórios disputados.Para Celso Amorim, é possível prever que essa será a questão em disputa e o cenário não se alterará, mesmo que a guerra se prolongue por mais cinco anos, ao custo de milhares vidas humanas. Por isso, o conflito pode se tornar “fútil” e “triste”.Ele havia participado na véspera da conversa entre Lula e o presidente russo, Vladimir Putin. A reunião ocorreu no Salão da Ordem de St. Catherine, no Kremlin. Amorim estava à mesa e foi destacado por Lula como um “velho amigo” de Putin. Ele tem uma longa história de trabalho também ao lado do chanceler russo, Serguei Lavrov.Amorim disse que detalhes não foram abordados e que a conversa foi mais geral e focada em temas bilaterais.Como o Estadão revelou, Lula atendeu a um pedido do governo Volodmir Zelenski e pediu a Putin que aceitasse um cessar-fogo de 30 dias na guerra. O mesmo apelo foi feito pelo ucraniano ao chinês Xi Jinping. O petista sugeriu que Putin prolongasse a pausa de três dias que decretou para celebrações do fim da Segunda Guerra Mundial em Moscou. Putin indicou que avaliaria o caso, sem dar uma resposta conclusiva.Horas depois, o líder russo se disse disposto a retomar conversas diretas de paz com a Ucrânia, na Turquia, a partir de 15 de maio. Ele afirmou que não haveria condições prévias. Autoridades do Kremlin disseram que a Rússia avaliaria a ideia do cessar-fogo de 30 dias, mas tem uma posição própria para um acordo.O americano Donald Trump vinha liderando conversas e chegou a um entendimento com esse mesmo prazo com Zelenski, mas não com Putin. Líderes políticos da França, Reino Unido, Polônia e Alemanha desembarcaram em Kiev e prometeram aumentar pressão sobre Putin para que acatasse os 30 dias de trégua.Para o ex-chanceler brasileiro, a Europa não possui condições financeiras de prestar um apoio duradouro à Ucrânia, apesar das promessas, principalmente encabeçadas pelo Reino Unido e pela França.No fim de março, uma conferência de suporte a Kiev foi sediada em Paris e o presidente Emmanuel Macron chefou a anunciar um reforço imediato de 2 bilhões de euros. Após consultas entre lideranças, somente dois países – França e Reino Unido – se prontificaram a enviar contingentes militares para ficar na Ucrânia no terreno como garantia de longo prazo, numa modalidade nova, em caso de um acordo de paz, após estabelecidas garantias de segurança em caso de cessar-fogo.O desenho inicial previa cerca de 20 mil homens, numa espécie de retaguarda em zonas determinadas da Ucrânia, em suporte às Forças Armadas ucranianas. Elas não iriam em princípio para a fronteira. Mas nenhum outro país europeu se prontificou a participar.Amorim, no entanto, avalia que os países não possuem recursos suficientes e teriam dificuldades com excessos de gastos previdenciários, assim como questões complexas internas, como a imigração.”A grande responsabilidade é dos europeus. Eles estão dando a impressão que vão dar um apoio sem limites, e não creio que isso ocorrerá. Eles não têm força, têm problemas internos, mal conseguem lidar com a questão dos imigrantes, com a previdência social… Você acha que a França vai gastar 4% do PIB dela em armamento? Lembra dos coletes amarelos? Acho improvável que ocorra isso”, considerou Amorim.Ele disse que não gostaria de comentar sobre a política interna ucraniana, quando questionado se um acordo assim poderia ser alcançado com Zelenski no poder. Ele já se disse disposto até a renunciar em troca da paz e do ingresso na OTAN.”É difícil imaginar que os russos vão aceitar isso. Não é uma questão moral, mas eles sempre viram uma parte da Ucrânia oriental como parte da Rússia e foi o trajeto natural para Hitler e Napoleão entrarem aqui. Acho muito difícil de ser aceito a entrada da Ucrânia na OTAN”, afirmou o conselheiro petista.A respeito da proposta sino-brasileira, ele afirmou que não só países do Sul Global demonstraram simpatia, mas agora Eslováquia e Hungria. Com seis pontos, o documento que ele chama de “Amorim-Wang Yi (chanceler da China)”, nome dos autores, havia sido muito criticada pelos ucranianos e elogiada pelos russos. Depois de Trump, a aceitação mudou.Mas, a depender da evolução das negociações e das posturas de Trump, definido por ele como um “real state agent” (corretor de imóveis, em inglês), pode levar Kiev a reconsiderar a sugestão. Para ele, Trump também agiu em busca da paz possível, o que o aproxima da posição brasileira, mas interessado em minerais críticos e negócios.Amorim disse que, por isso, o Brasil não deve reagir às críticas dos ucranianos à visita de Lula a Moscou. O ex-ministro das Relações Exteriores negou que haja desgaste de imagem a Lula ou perda de credibilidade para ajudar a mediação, por ter feito um gesto ao lado russo.Segundo Amorim, Lula não discutiu com Putin se o Brasil seria aceito numa missão de paz vinculada à ONU, para a Ucrânia. A ideia vem sendo ventilada nos bastidores da diplomacia em Nova York, e países europeus consideravam que a Rússia aceitaria se Brasil e China participassem com militares. Segundo ele, o País pode se preparar se houver tempo.
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