Homem com H: erótico e poético, filme celebra a vida de um revolucionário

Levar para as telonas a intensa trajetória de um artista com um ímpeto libertário tão forte e que possui uma vida repleta de acontecimentos emblemáticos como Ney Matogrosso deve ter sido uma das tarefas mais desafiadoras da carreira do diretor Esmir Filho (Tapa na Pantera). Ele, que também é responsável pelo roteiro, entrega um trabalho sólido em boa parte de Homem com H, cinebiografia que deixa o pudor de lado para abraçar a imensidão de uma pessoa livre por natureza, mas, em determinados momentos, acaba não conseguindo dosar bem no filme tantos eventos que marcaram a vida dessa personalidade.

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Homem com H cobre a vida de Ney (Jesuíta Barbosa) desde a infância até sua consagração como uma das grandes figuras da música e cultura brasileiras. O filme mostra a origem dele em Bela Vista, Mato Grosso do Sul, os constantes embates com o pai, a saída dele de casa, a mudança para São Paulo, o início da sua carreira artística, o surgimento da banda Secos & Molhados, até sua consagração como ícone cultural. No entanto, ao optar por uma abordagem tão abrangente, Esmir Filho enfrenta desafios na fluidez do longa, que sofre com problemas de ritmo, principalmente no primeiro ato. Talvez, o resultado final teria sido mais assertivo se o roteirista tivesse focado uma determinada época da vida do artista.O texto também é afetado pelas constantes falas expositivas. Esse deslize é facilmente identificado em uma cena em que Ney conversa com João Ricardo, interpretado por Mauro Soares, dentro de um carro. Outros momentos — nos quais personagens falam como estão se sentindo — evidenciam ainda mais esse problema no roteiro.Por outro lado, Esmir Filho faz um bom trabalho em estabelecer e aprofundar as relações entre os personagens. Nesse aspecto, o destaque vai para as interações fortes e genuínas entre Ney e Cazuza, brilhantemente interpretado por Jullio Reis. São momentos carregados de intensidade e entrega por parte dos atores. Esses elogios também cabem ao que é feito na dinâmica entre o cantor e Marco de Maria, vivido por Bruno Montaleone. São resultados que não seriam possíveis sem a combinação eficaz de um texto bem escrito e boas atuações.

Jesuíta Barbosa é Ney Matogrosso em Homem com H

|  Foto: Divulgação

Homem com H tem êxito também na maneira provocativa com qual aborda a liberdade sexual e sexualidade de Ney Matogrosso. O teor erótico e a total ausência de pudor do filme é algo essencial para a narrativa e a construção do protagonista. As diversas cenas de sexo não estão lá à toa, elas têm uma função: reforçar como o biografado sempre foi uma “força da natureza” e buscou desbravar todas as coisas boas que a vida pode oferecer sem se importar com julgamentos — e, pasmem, o sexo é uma dessas coisa. É interessante observar, por exemplo, a montagem inteligente da sequência que intercala Ney no palco cantando a música que dá título ao filme com outro momento em que ele transa com o Marco. A mensagem é clara e direta, sem rodeios.O longa ganha ainda mais camadas quando decide abordar a epidemia de aids da década de 1980 e os impactos disso na comunidade LGBTQIA+, que na época foi estigmatizada e, erroneamente, associada à doença. O diretor e roteirista consegue levar esse debate para a sua obra em uma cena bastante emotiva e sagaz que se passa no quarto de Ney. Esmir abre a sequência mostrando uma cobra — animal comumente associado ao perigo — se aproximando da cama onde o protagonista está deitado com Marco enquanto passa na televisão uma notícia sobre o aumento de casos de aids no Brasil. A cena termina com um dos diálogos mais fortes de Homem com H e uma entrega fenomenal dos atores.O maior trunfo do filme é a escolha de Jesuíta Barbosa para interpretar Ney Matogrosso. O olhar, o trabalho corporal e a voz resultam em uma performance impactante e quase hipnotizante. Cada movimento e expressão facial do ator dão a impressão de que foi transferido do biografado para ele sem nenhum tipo de alteração. É uma atuação irretocável e poderosa. Os elogios se estendem também para Jullio Reis e Bruno Montaleone. Ambos se entregam e têm uma química com Jesuíta que contribuiu bastante para o enriquecimento da história. Esses fatores, somados à direção de arte primorosa de Thales Junqueira (Meu Nome é Gal e Bacurau), a alguns enquadramentos estilosos e sugestivos, e à trilha sonora repleta de clássicos como ‘Rosa de Hiroshima’ e ‘Sangue Latino’, resultam em um belo filme. Homem com H não é perfeito e tem coisas que poderiam facilmente ter sido retiradas sem causar prejuízos à narrativa, mas é uma excelente homenagem — ou, mais que isso, um mergulho poético na alma de Ney Matogrosso.Assista ao trailer de Homem com H:

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