Ativistas trans e travestis potiguares criticam resolução do CFM

Em uma decisão que gerou revolta entre especialistas e movimentos LGBTQIAPN+, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma nova resolução que proíbe o bloqueio puberal para adolescentes trans, eleva a idade mínima para hormonização de 16 para 18 anos e restringe cirurgias de afirmação de gênero até os 21 anos. A medida, anunciada sem diálogo com entidades representativas, foi classificada por ativistas como um “ataque político disfarçado de protocolo médico” que ameaça vidas.

“Essa resolução representa uma violação gravíssima dos direitos das crianças e adolescentes trans, uma tentativa de silenciamento e apagamento sistemático de nossas existências desde a infância”, denuncia Luá Belli, presidenta da ONG Rede Inclusivah!. “Como militante e mulher travesti, vejo nisso um ataque direto à nossa autonomia, que perpetua a negligência institucional frente à nossa saúde e vida.”

No Rio Grande do Norte, vozes de ativistas do movimento trans e travesti no estado como a de Janaína Lima e Keslla Maria ecoam a preocupação. “O CFM age como se nossos corpos fossem territórios a serem controlados. Essa mesma instituição que liberou cloroquina sem comprovação científica agora se apega a um suposto rigor para nos negar direitos”, dispara Keslla, bióloga em formação e coordenadora do Coletivo Diversidade do Vale (CODIVA), em Ceará-Mirim.

O impacto no SUS preocupa. No RN, onde faltam especialistas, a restrição pode aprofundar desigualdades. “Muitos jovens já recorrem à automedicação, com essa bandeira, o acesso à saúde será mais difícil”, alerta Janaína. Famílias também são afetadas: “Transformaram nosso direito à saúde em debate moral. Isso é transfobia institucional.”

Para Luá Belli, a medida tem clara motivação política: “Em vez de evidências científicas, o CFM assume uma postura que atende a interesses morais e religiosos. É sobre controle de identidades dissidentes, não sobre saúde.” Ela critica o despreparo institucional: “O Brasil que mais mata pessoas trans no mundo não pode se dar ao luxo de políticas que negam direitos básicos.”

A justificativa do CFM – baseada em um alegado aumento de arrependimentos já é refutada por estudos. Pesquisa publicada na The Lancet em 2022, acompanhando 720 jovens trans por duas décadas, mostrou que 98% mantiveram o tratamento.

Diante do cenário, Luá Belli aponta caminhos: “Precisamos judicializar essa resolução, mobilizar conselhos de saúde, coletivos e ampliar a produção de conhecimento trans-específico.”

Para as ativistas, a batalha agora é lembrar ao CFM que a ciência de verdade não se faz sem ouvir quem vive as consequências dessas decisões na pele.

As entidades médicas como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) criticaram esse argumento, destacando que diversas publicações científicas apontam taxas muito baixas de arrependimento e evidenciam melhorias na qualidade de vida de quem passa pelo processo de transição. Em um documento assinado pel SBEM e outras instituições médicas é ressaltado que diretrizes internacionais indicam que a terapia hormonal pode ser iniciada a partir dos 16 anos, desde que o jovem tenha discernimento suficiente e esteja acompanhado por responsáveis legais. Segundo elas, adiar o início do tratamento sem justificativa científica pode agravar o sofrimento emocional e desencadear transtornos mentais. Outro risco apontado é o aumento da automedicação entre adolescentes trans, prática já recorrente diante das barreiras no acesso ao sistema de saúde.

A resolução também elevou de 18 para 21 anos a idade mínima para realização de procedimentos cirúrgicos que possam causar esterilidade. Estão entre eles a neovulvovaginoplastia (criação de uma vagina com remoção dos testículos para mulheres trans) e a histerectomia com ooforectomia bilateral (remoção do útero e ovários em homens trans). Câmara justificou a mudança com base na legislação que regula vasectomia e laqueadura, que também só podem ser feitas a partir dos 21 anos. No entanto, os grupos médicos apontam que, diferentemente dos casos mencionados, pessoas trans que buscam essas cirurgias já são legalmente adultas, têm acompanhamento médico há pelo menos um ano e plena capacidade de decidir sobre seus corpos.

Em nota, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) classificou a medida como parte de um movimento político alinhado à crescente onda antitrans ao redor do mundo, argumentando que a nova resolução ignora as evidências científicas e compromete os direitos e a dignidade da população trans. A organização denuncia que a revogação de protocolos de cuidado pode gerar consequências graves e irreversíveis, especialmente para jovens em processo de afirmação de gênero e que já tinham acesso, via SUS, ao bloqueio hormonal e à hormonioterapia cruzada. A entidade também menciona casos de jovens com 18 anos já programados para realizar cirurgias de redesignação.

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