A escola, que deveria ser espaço de acolhimento e aprendizagem, ainda representa um ambiente hostil para adolescentes e jovens da comunidade LGBTI+. Uma pesquisa nacional aponta que a maior parte desses estudantes já foi vítima de agressões verbais, físicas ou simbólicas dentro das instituições de ensino. Em muitos casos, os ataques partem justamente de quem deveria proteger: professores, diretores e outros profissionais da educação.
O levantamento foi conduzido por uma organização da sociedade civil em parceria com uma instituição de pesquisa e ouviu mais de mil estudantes do ensino regular e da Educação de Jovens e Adultos. Os dados, colhidos em todas as regiões do país, traçam um cenário preocupante: 9 em cada 10 estudantes LGBTI+ relataram já ter sofrido algum tipo de violência verbal no ambiente escolar. O dado é da Pesquisa Nacional sobre o Bullying no Ambiente Educacional Brasileiro, apresentada do dia 16 de abril, na sede do Conselho Nacional de Educação (CNE), em Brasília.
As violências se expressam de formas diversas — desde insultos e humilhações até agressões físicas. Um terço dos jovens ouvidos relatou ter sido alvo de violência física dentro da escola. Para estudantes trans, travestis e pessoas negras, o número é ainda mais alto. Quase 40% afirmaram ter apanhado em razão de sua expressão de gênero, aparência ou orientação sexual.
Mesmo diante da gravidade dos episódios, poucas escolas atuam de forma efetiva. Apenas um terço dos estudantes procurou ajuda junto à gestão escolar após sofrer agressão — e, desses, a maioria disse que nenhuma providência foi tomada. Quando houve alguma medida, 86% consideraram que ela foi pouco ou nada eficaz.
A sensação de insegurança dentro das escolas é constante. A maioria dos estudantes LGBTI+ declarou sentir medo ou desconforto ao frequentar a instituição. Entre jovens trans, essa insegurança alcança quase a totalidade. Isso impacta diretamente o desempenho e a permanência nos estudos. Cerca de metade dos estudantes LGBTI+ já deixou de frequentar aulas por medo. Entre os trans, 57% faltaram pelo menos um dia no mês anterior à pesquisa por se sentirem ameaçados. E 18% faltaram seis dias ou mais, o que representa risco concreto de evasão escolar.
As consequências vão além das faltas. O impacto emocional é profundo. Quase todos os estudantes entrevistados relataram episódios de depressão. A maioria deles disse ter se sentido deprimida por mais de uma vez no mês anterior à pesquisa. Entre estudantes trans, os indicadores de saúde mental são ainda mais alarmantes.
Outro ponto preocupante é a origem das agressões. Embora colegas de turma apareçam como os principais agressores, uma parcela significativa das violências também vem de professores, gestores escolares e outros profissionais. Isso reforça o sentimento de abandono e normaliza a exclusão. Muitos jovens relataram que seus nomes sociais não são respeitados, mesmo quando registrados oficialmente. Quando a violência parte de um adulto em posição de poder, o recado que chega à comunidade escolar é de que o desrespeito está autorizado.
A pesquisa também trouxe dados sobre o silêncio. Quase 40% dos estudantes que sofreram bullying nunca conversaram com ninguém sobre o que aconteceu. O isolamento se soma à falta de políticas efetivas dentro das escolas e aprofunda o sofrimento.
Especialistas apontam que combater esse cenário exige mais do que ações pontuais. São necessárias políticas públicas estruturantes, formação continuada de professores, uso correto do nome social e a inclusão de temas como respeito à diversidade e enfrentamento das violências nos currículos escolares. Essas diretrizes já estão previstas em normas nacionais, como a Lei de Combate ao Bullying, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e pareceres do Conselho Nacional de Educação.
Mas as normas, sozinhas, não mudam a realidade. É preciso garantir que sejam aplicadas. A pesquisa reforça a importância de medidas que aproximem os estudantes LGBTI+ da escola, criando espaços de escuta, rodas de conversa e projetos pedagógicos voltados à convivência democrática.
A ausência de respostas não é um dado novo, mas os números deixam mais claro o que tantas mães, pais e educadores já sabem há anos: a violência contra a população LGBTI+ não se restringe às ruas. Ela também está nas salas de aula — e começa com o silêncio, com a omissão e com a falta de preparo de quem deveria educar.
Principais dados da pesquisa sobre violência escolar contra estudantes LGBTI+
- 90% dos estudantes LGBTI+ relataram ter sofrido violência verbal na escola.
- 34% disseram ter sido vítimas de violência física nas instituições de ensino.
- Entre estudantes trans, travestis e pessoas negras, o índice de violência física sobe para 38%.
- 86% dos estudantes LGBTI+ se sentem inseguros na escola por características pessoais (aparência, identidade de gênero, etc).
- Para estudantes trans, esse índice aumenta para 93%.
- A escola é considerada pouco ou nada segura por:
- 67% dos estudantes trans,
- 59% de meninos que não seguem padrões tradicionais de masculinidade,
- 49% de gays, lésbicas, bissexuais ou assexuais,
- 40% de meninas que não se enquadram em padrões femininos ou têm corpos “fora do padrão”.
Sobre os agressores
- 97% das agressões foram cometidas por outros estudantes.
- 34% dos agressores são docentes ou educadores.
- 16% são membros da gestão escolar.
- 10% são outros profissionais da escola.
Saúde mental dos estudantes
- 94% se sentiram deprimidos no mês anterior à pesquisa.
- 88% vivenciaram a depressão duas vezes ou mais no mesmo período.
- Estudantes trans apresentaram índices piores de saúde mental do que os estudantes cisgênero.
Evasão e ausência escolar
- 47% faltaram pelo menos um dia de aula no mês anterior por sentirem-se inseguros.
- Entre estudantes trans, esse número sobe para 57%.
- 18% dos jovens trans perderam seis dias ou mais de aula no mês anterior.
- Entre estudantes cis, esse índice foi de 12%.
Resposta das instituições
- 31% procuraram a escola após sofrerem agressão.
- Desses, 69% disseram que nenhuma medida foi tomada.
- Entre os que receberam algum tipo de resposta, 86% consideraram a ação ineficaz.
- 39% nunca conversaram com ninguém sobre as agressões sofridas.
- Apenas 10% buscaram apoio de familiares.
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