Educação financeira: contas em atraso atormentam milhões de famílias brasileiras


Série especial de reportagens do Jornal Nacional mostra como é possível sair desse labirinto. Uma dica dos especialistas é prestar atenção nas taxas de juros. Confira a primeira reportagem da série sobre Educação Financeira
O Jornal Nacional abordou um assunto que afeta diretamente milhões de famílias. Aquelas que têm uma dificuldade enorme de equilibrar as contas do mês porque se endividam mais do que deveriam, que fazem compras por impulso ou porque não procuram formas de economizar dinheiro. Nas reportagens de Hélter Duarte, você vai ver que existe uma saída para esses brasileiros: a educação financeira.
Viver é uma luta diária. Manter família, filhos na escola, supermercado, remédios. Um desafio que fica ainda mais pesado quando o orçamento da casa sai dos trilhos. A vida dos irmãos Fabíola Belloni, cuidadora de idosos, e Fabrício Belloni, mototaxista de aplicativo, não está fácil. Eles tiveram que voltar a morar com a mãe para escapar do aluguel e de mais dívidas.
“Eu acredito que deve estar em torno de uns R$ 10 mil, R$ 12 mil. Em cartão de crédito, em empréstimo no banco. Tem contas pequenas com pessoas físicas”, diz Fabíola.
“Fui assaltado, tinha uma moto, onde eu pagava prestação da moto, que era R$ 700 por mês, e quando eu fui assaltado, não conseguia mais pagar a moto porque não tinha como trabalhar. A minha dívida nessa moto ficou na faixa de R$ 21 mil”, conta Fabrício.
Eles fazem parte de um grupo enorme que, em algum momento, perdeu o controle de suas finanças pessoais. Um levantamento da Confederação Nacional do Comércio mostra que quase oito em cada dez famílias brasileiras têm dívidas a pagar – boletos, financiamentos, prestações. E mais de 28% delas estão inadimplentes, com o pagamento dessas dívidas atrasado. As pessoas que têm menor renda são sempre as mais vulneráveis.
“Se esse orçamento não tem uma margem, qualquer distúrbio na economia, uma renda que deixou de entrar para o trabalhador informal, um custo com uma despesa de saúde, desequilibra muito fácil esse orçamento. E aí o sujeito entra naquela bola de neve, que ele vai se pendurando em várias dívidas, vai trocando de dívida e o banco vai percebendo isso e vai até emprestando, mas cobrando mais caro e vai ter um momento que ele não vai conseguir pagar”, afirma Fábio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio.
Educação financeira: contas em atraso atormentam milhões de famílias brasileiras
Jornal Nacional/ Reprodução
Foi exatamente o que aconteceu. Os bandidos levaram a moto que o Fabrício tinha comprado em 60 vezes – cinco anos.
“Estou correndo atrás para isso. Hoje, eu trabalho com uma moto alugada. Pago R$ 1,2 mil de aluguel, porque é R$ 300 por semana”.
Já a Fabíola perdeu o emprego que tinha como vendedora e ficou quatro anos sem trabalhar. Nesse período, fez um curso de cuidadora de idosos, a nova profissão.
“Eu faço dois plantões. Eu faço um plantão de 12 horas, aí outro dia vou para outra casa, faço outro plantão de 12 horas e assim vai. É exaustivo. Mas sou mãe. Então, eu tenho que aguentar”, diz Fabíola.
É triste ver e ouvir um depoimento como o da Fabíola, né? Ninguém deveria passar por tanto sufoco. Mas por que tantos brasileiros tomam caminhos que levam ao endividamento? São vários os motivos: coisas que vão acontecendo ao longo de nossas vidas e também escolhas que vamos fazendo sem pensar com cuidado.
Uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (14) mostra que, nessa rota, a inadimplência no cartão de crédito continua sendo a principal causa de nome negativado na praça. Seja cartão de banco, loja ou alguma outra instituição.
Repórter: Quantos cartões?
Fabíola: Mais de cinco.
Repórter: Mais de cinco?
Fabíola: Mais de cinco porque tenho de duas bandeiras, tem cartões online que te dão essa facilidade e aí você se enrola, e tenho cartões de lojas pessoais, entendeu?
Em segundo lugar nesse ranking vem o empréstimo em banco ou financeira. O próximo: crediário – o famoso carnê de loja. Em quarto lugar, o cheque especial. A pesquisa, feita em todo o país, revela um padrão de comportamento em mais da metade dos devedores.
O impulso é um grande vilão. A gente percebe pelos dados da pesquisa que o brasileiro tem essa necessidade da auto recompensa emocional, acaba comprando para se satisfazer diante de algum momento adverso. E, por isso, acaba gastando mais do que pode”, afirma Daniel Sakamoto, gerente-executivo da CNDL.
“Meu problema hoje é cartão de crédito. Eu acho que é o meu calcanhar de Aquiles. Hoje, eu estou morando com meu namorado. Então entra naquele ponto de ter que mobiliar a casa. Então, a gente começa a querer comprar várias coisas e a forma que a gente tem é o cartão de crédito”, diz o analista de importação marítima Wendel Oliveira Bandeira.
Wendel não está inadimplente, mas ele vem parcelando a fatura, com juros altos, cobrados pelo cartão.
“Eu faço as simulações, qual vai ser o melhor cenário para eu conseguir administrar”, conta.
“Da mesma forma como o consumidor pesquisa o preço no comércio às vésperas do Natal, o preço de um serviço, ele busca a concorrência para pagar menos, um consumidor mais instruído financeiramente ia pesquisar melhor o preço do dinheiro, que é a taxa de juros. Ele ia entender que às vezes 0,5% em uma taxa faz muita diferença se esse empréstimo for longo”, explica Fábio Bentes, economista sênior da CNC.
Taxas de juros
Jornal Nacional/ Reprodução
O Banco Central faz um levantamento dos juros cobrados no país. Veja a disparidade: as taxas para o parcelamento da fatura variam de 34% a mais de 700% ao ano, dependendo da administradora do cartão de crédito. No rotativo – pagar o mínimo da fatura -, o pior dos cenários. A diferença é ainda maior: de mais de 67% a quase 1.000% ao ano. Cheque especial: de mais de 19% a quase 300%. Crédito pessoal: de mais de 16% chegando perto dos 1.000% ao ano, dependendo do banco ou da financeira.
“Uma dívida no cartão de crédito dobra quatro, cinco vezes na média. Existem cartões em que a dívida dobra em três meses. Ou seja, um problema de curto prazo até para quem está desequilibrado”, afirma o economista Fábio Bentes.
“O brasileiro precisa ficar atento nas taxas que estão envolvidas nos empréstimos, que não é só o valor da parcela em si que você tem que avaliar, tem que avaliar o quanto vai te custar esse empréstimo para que você realmente consiga organizar seu fluxo financeiro”, diz Daniel Sakamoto.
Repórter: Você já chegou a olhar qual o cartão cobra os juros mais alto dos cinco que você tem?Fabíola: Nunca olhei, nunca tive essa percepção. Eu sempre olho o total e tento ir pelo que está mais barato. Mais baixo, que é o que eu acho que vou conseguir pagar tudo.
Repórter: Mais barato valor total?
Fabíola: Valor total, e não juros. Eu nunca olho para os juros.
Repórter: Tem que olhar, menina.
Apesar do cenário, a gente tem que ressaltar dois aspectos muito importantes. Nas famílias com menor rendimento está o maior índice de brasileiros que querem pagar as contas em atraso. E o segundo ponto: nem toda dívida é ruim.
“Alguns produtos, alguns bens só são adquiridos mediante endividamento. Quem no Brasil pode comprar um eletrodoméstico, um automóvel ou um imóvel sem recorrer a um endividamento? O que é ruim é a dívida desequilibrada, é dívida não sincronizada com orçamento. Isso, sim, cria um problema chamado inadimplência. Isso é ruim até para própria economia”, explica Fábio Bentes, economista sênior da CNC.
“O impacto acaba sendo um impacto muito mais do que apenas financeiro. A gente tem um impacto social e emocional muito grande nessa inadimplência”, afirma Daniel Sakamoto, gerente executivo da CNDL.
Na reportagem desta terça-feira (15), o Jornal Nacional vai mostrar caminhos e dicas simples que têm ajudado muita gente a sair das dívidas. Depois de ficar anos no vermelho, a Sandra já está com quase tudo resolvido; e como conseguir ajuda de graça.
LEIA TAMBÉM
Quanto, quando e onde investir para ter pelo menos R$ 1 mil em 2025?
Cheque especial: quando usar e quando evitar a modalidade de crédito?
Reserva de emergência: como se organizar e o que levar em consideração antes de começar
Adicionar aos favoritos o Link permanente.