O  STF e a anistia para os que atentam contra a democracia

Segundo um levantamento realizado pelo Congresso em Foco, há atualmente 11 Projetos de Lei protocolados no Congresso Nacional que tratam de anistia: 7 na Câmara dos Deputados e 4 no Senado (https://www.congressoemfoco.com.br/noticia/107337/congresso-tem-mais-de-dez-projetos-de-anistia-a-reus-pelo-8-de-janeiro).

Dentre esses, o mais discutido e com possibilidade de ser votado na Câmara dos Deputados é o PL 2858, protocolado em novembro de 2022, de autoria do deputado federal Major Victor Hugo (PL-GO) . O projeto “Concede anistia a todos os que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do território nacional do dia 30 de outubro de 2022 ao dia de entrada em vigor desta Lei, nas condições que especifica”.

Com os atos de vandalismo e as prisões (e condenações) de alguns dos envolvidos nos eventos do dia 8 de janeiro de 2023 (outros ainda aguardam julgamento), o PL foi ampliado para incluir os implicados nos crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. 

O projeto prevê a anistia para todos os que participaram de atos com motivação política ou eleitoral, ou que apoiaram por meio de doações ou publicações em mídias sociais. A medida não se limita aos presos e condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, mas se estende também aos envolvidos em eventos anteriores, como bloqueios de estradas e acampamentos em frente a quartéis que pediam intervenção militar.

Além disso, o PL beneficia aqueles que mobilizaram redes sociais em prol desses atos, estabelecendo a extinção das penas e a manutenção dos direitos políticos dos condenados e dos que ainda estão sob investigações.

A estratégia da oposição, especialmente dos parlamentares de extrema direita no Congresso, é aprovar o PL em regime de urgência (pulando as etapas de discussão em comissões), o que levaria o projeto diretamente para votação no plenário. Para isso, são necessários 257 votos, ou seja, maioria simples dos 513 deputados. 

Uma matéria publicada no jornal o Globo no dia 11 de abril de 2025 informa que o PL já tem as 257 assinaturas (e lista os 257 que assinaram). Destes, 143 são deputados de partidos da base aliada do governo: 21 do MDB, 23 do PSD, 26 do Republicanos, 34 do PP e 39 do União Brasil.

Embora nem todos os integrantes dos partidos da base aliada tenham assinado o projeto, o número expressivo de 143 deputados deve levar o governo a refletir sobre as motivações e a composição de sua base de apoio no Congresso Nacional, incluindo partidos que ocupam ministérios. 

Pela proposta, a concessão da anistia seria automática, sem a necessidade de os condenados solicitarem perdão à justiça. 

De acordo com um relatório do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente há 371 pessoas condenadas porcinco crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito; dano qualificado; golpe de Estado; deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa. Do total de presos, 527 admitiram a prática de crimes e, para esses, foi oferecido (e aceito) um acordo com o Ministério Público Federal, sob diversas exigências, para evitar processos. 

Vários aspectos devem ser considerados. Primeiro, o presidente da Câmara dos Deputados afirmou que o projeto não é prioritário no Congresso. Segundo, ele não tem obrigação de colocá-lo em pauta para votação, espacialmente após ter sido alvo de hostilidades por parte de organizadores e participantes do ato na Avenida Paulista em 6 de abril de 2025, além dos constantes ataques sofridos nas redes sociais por bolsonaristas.

O presidente da Câmara propôs a criação de um novo texto que abordasse a dosimetria das penas (processo pelo qual o  juiz determina a condenação adequada de um réu) e só então pautar a matéria. No entanto, a proposta foi rejeitada pela oposição.

Outro ponto relevante é que, mesmo que o PL seja aprovado no Congresso Nacional (pela Câmara e pelo Senado, em dois turnos), ele ainda precisará ser submetido à sanção presidencial (artigo 66 da Constituição Federal).  O presidente tem a prerrogativa de vetar total ou parcialmente o projeto, e dispõe de 15 dias úteis para fazê-lo. Se o veto for aplicado, o Congresso poderá derrubá-lo. Caso o Executivo não se manifeste, o PL é considerado sancionado. 

Para rejeitar um veto, é necessária a maioria absoluta dos votos dos deputados (257) e senadores (41). 

No entanto, o aspecto mais importante é que se o projeto for aprovado pelo Congresso,  caberá ao STF avaliar sua constitucionalidade, sendo essa a decisão final.  

Vale destacar que a maioria da população se posiciona contra a anistiam conforme revelado por institutos de pesquisa como o Quaest, que em 6 de abril de 2025,  mostrou que 56% dos brasileiros são contrários ao perdão dos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023.

No STF, o entendimento sobre a inconstitucionalidade da anistia já está consolidado. Um exemplo é o caso do ex-deputado Daniel Silveira (atualmente preso), condenado pelo STF em  20 abril de 2022 a 8 anos e 9 meses de prisão. No dia seguinte, recebeu um indulto do então presidente da República. 

Ao discutir o tema, no artigo Por que anistia para os golpistas é inconstitucional, publicado no jornal O Globo no dia 8 de abril de 2025, o jurista Lênio Streck ao defendeu que o PL é inconstitucional e afirmou que esse será o entendimento majoritário do STF. Ele criticou a interpretação textualista usada por alguns para justificar a constitucionalidade do projeto, citando o caso de Daniel Silveira. Ao julgar o caso, o STF decidiu, por maioria, que o indulto concedido contrariava a Constituição. 

Condenado na Ação Penal 1044 em regime inicial fechado, por crimes de ameaças ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo (incluindo ameaças a ministros), Silveira teve seu indulto questionado em quatro Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, apresentadas pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), Cidadania e pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

Em julgamento realizado em 4 de maio de 2023, o colegiado do STF entendeu, por maioria, que houve “desvio de finalidade” na concessão do beneficio e anulou o decreto do ex-presidente. A relatora, a então presidente do STF, ministra Rosa Weber, distinguiu liberdade de expressão de crime e afirmou que, embora o indulto individual seja um ato político privativo do presidente da República, sua concessão pode ser revisada pelo Judiciário para verificar sua conformidade com as normas constitucionais. No caso, argumentou que o decreto feriu os princípios da constitucionalidade, impessoalidade e da moralidade administrativa.

O ministro Gilmar Mendes, em seu voto, afirmou que o decreto foi assinado sem nenhuma motivação idônea. Para ele, a concessão do indulto fez parte de uma campanha contra os poderes constitucionais, incluindo ameaças à vida e à segurança de integrantes do STF, e classificou o decreto como “peça vulgar de puro proselitismo político, cujo efeito prático e o de validar expedientes subversivos praticados pelo agraciado em detrimento do funcionamento de instituições centrais da democracia”. 

Ao discutir sobre anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023, o ministro Alexandre de Moraes questionou: “seria possível o STF aceitar indulto coletivo para todos aqueles que eventualmente vieram a ser condenados pelos atos de 8 de janeiro atentando contra a própria democracia, contra a própria Coinstituição”?

 A resposta é não.

O entendimento do STF, aplicável a todos os implicados nos atos de 8 de janeiro de 2023 é que a Constituição não admite perdão (indulto ou anistia) para quem atenta contra o Estado Democrático de Direito.

Como afirmou a ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Gleisi Hoffmann, ao classificar o projeto de anistia de vergonhoso: “Plantaram bomba no aeroporto, queimaram ônibus e sede da PF, depredaram Congresso, STF e Planalto e ainda querem que o Brasil esqueça seus crimes, começando pelos do chefe”.

Portanto, mesmo que o PL seja aprovado no Congresso Nacional, mesmo que o veto presidencial seja derrubado (como deverá ocorrer caso seja aprovado), o STF não deverá aprová-lo. O tribunal já decidiu que é inconstitucional conceder anistia a quem comete crimes contra o Estado Democrático de Direito. O Congresso Nacional não pode se colocar acima do Poder Judiciário, pois isso violaria a separação e a independência entre os poderes. Assim, o PL é inconstitucional.

Conclusão: não haverá anistia para os golpistas.

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