Rio Pitimbu: poluição e desmatamento ameaçam abastecimento de Natal

Responsável por cerca de 30% do abastecimento de água para a população de Natal, o Rio Pitimbu e os seus recursos hídricos são importantes, mas ameaçados por fatores socioambientais que chamam a atenção. Nesse sentido, associações e coletivos voltados à proteção do meio ambiente buscam soluções para despoluir, reflorestar e reverter a situação do rio, além de cobrar ações concretas do poder público.

O rio, que abrange partes dos municípios de Natal, Parnamirim e Macaíba, deságua na Lagoa do Jiqui e a partir dela abastece residências natalenses, sendo um dos principais reservatórios da capital potiguar. Contudo, o rio se insere em um contexto de poluição, desmatamento, assoreamento e degradação que se arrasta há anos.

A lagoa, no entanto, foi identificada por um projeto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como a que mais tinha concentração do íon nitrato entre os corpos d’água analisados, em 2024. Segundo a ação “Monitoramento de íons nitrito em águas de lagoas da região metropolitana de Natal/RN”, o despejo de resíduos químicos na água é uma das principais fontes de poluição em rios e em oceanos, causando danos à saúde humana e morte de animais e plantas marinhos.

Trecho do Rio Pitimbu – Vídeo: cedido

Lucas Redko é nascido e criado no bairro Pitimbu, tendo convivido no rio e se interessado por ele a nível de pesquisa durante a graduação em Gestão Pública, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O potiguar pesquisou os desafios socioambientais na região abrangida pelo rio e fez parte da associação Horto Florestal do Parque das Serras. Atualmente, integra a Associação Potiguar Amigos da Natureza, projeto que desenvolve ações de limpeza e tentativa de reflorestamento no Rio Pitimbu.

Plantar árvores em áreas ameaçadas ajuda a preservar natureza – Foto: cedida

“O Rio Pitimbu é muito importante, tanto o rio quanto a base hidrográfica que está em volta do rio, para a recarga do lençol freático que abastece Natal e a região metropolitana de forma geral, pelos poços artesianos da Caern (Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte)”, destaca.

Segundo Redko, um dos maiores desafios da região é a crescente urbanização, que ameaça até mesmo zonas de proteção. O Rio Pitimbu é Faixa de Preservação Ambiental do RN e está na Zona de Proteção Ambiental 3, em Natal.

“Ter um rio saudável, vivo, que não esteja poluído, garante que a água que vai chegar lá na Lagoa do Jiqui e toda a água da extensão seja potável para o uso das pessoas e de toda a fauna”, explica.

Mas, de acordo com informações da professora Iaçonara Albuquerque, a saúde do rio está ameaçada por processos como o assoreamento e o crescimento de plantas que naturalmente não deveriam nascer nas águas, o que indica um mau estado do rio. 

Para Albuquerque, que é voluntária em projetos de reflorestamento, a sujeira e a poluição também se fazem presentes no rio. “Ele é responsável por 75% da água que vai para a Lagoa do Jiqui”, pontua. 

Nos próximos dias, diz ela, haverá uma ação para recolher materiais que foram descartados no rio indevidamente e para chamar a atenção da população e das instituições sobre o uso das redondezas do Pitimbu. O mutirão é uma forma de contribuir para a limpeza da região.

Comunidade e pessoas engajadas realizam ações na área do Rio Pitimbu – Foto: cedida

Ronaldo Araújo, um dos guardiões do Horto, também conversou com a reportagem da Agência Saiba Mais a respeito do rio Pitimbu. Para ele, é importante não só que seja despertada uma consciência ecológica nas pessoas, mas também que a população conheça o rio e sua importância.

Araújo cita diversos problemas, inclusive fazendo um alerta para o assoreamento, que ameaça deixar o rio mais raso e seco. Se isso acontecesse, segundo ele, o abastecimento na capital entraria em colapso.

Envolvimento da comunidade

Lucas Redko chama a atenção para a gestão de resíduos orgânicos no bairro Pitimbu. “Não tem ainda uma rede de esgotos aqui na nossa comunidade. Está sendo construída e só vai realmente acabar daqui a alguns anos. Enquanto isso, tem essas contaminações de nitrato, do lençol freático e também jogam direto para o rio”, afirma.

Quanto a esgotos, porém, a Caern afirmou à reportagem que “se há esgoto chegando lá, é algo clandestino”.

“Isso faz com que tenha cada vez mais matéria orgânica no rio, que cresçam mais plantas que precisam dessa matéria orgânica para crescer, e o rio fique mais parado. Ele não é mais um rio fluido, é um rio que tem muita planta, o que também afasta muitas pessoas de irem para o rio, e a qualidade da água também diminui”, analisa. 

Outro desafio é o desmatamento e as queimadas no entorno do Pitimbu. Para Lucas, faltam políticas públicas a níveis municipal e estadual, ou uma melhor comunicação dessas políticas.

“Somente iniciativas pontuais, como a nossa associação faz, de limpar o rio, de reflorestar, acaba que é muito tímido. A gente não tem o poder dos recursos que o Estado tem de preservar e de fato reflorestar. É um trabalho de enxugar gelo”, considera.

Ele afirma que há parcerias, inclusive com o Conselho Comunitário do bairro e os escoteiros, no sentido da conservação. O envolvimento comunitário é importante, diz Redko, mas a falta de saneamento e de projetos de educação ambiental e políticas públicas integradas dificultam a redução dos danos ao rio.

“Tem pouca gestão participativa, na minha opinião”. Para ele, é necessário mais diálogo com a comunidade e audiências públicas.

Envolvimento da população em atividades que defendem a preservação podem reduzir os danos ao rio, como a poluição | Fotos: cedidas

“Quando a gente não conhece a natureza, quando a gente não se sente parte, não se reconhece como sendo membro desse ecossistema maior, a gente acaba que não quer se aproximar. Eu acho que isso é muito também uma dificuldade que nós temos na comunidade de proteger as áreas verdes e reconhecê-las”, reflete.

Lucas defende ainda que a sociedade potiguar deve manter diálogos de educação ambiental, para entender a importância cultural e ecológica dos territórios, e pressionar o poder público na conservação dos recursos naturais.

Adjunto da Semarh explica ações

O secretário adjunto da Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do RN (Semarh), Auricélio Costa, também conversou com a reportagem. Ele reforçou a importância do Rio Pitimbu para o presente e para o futuro da Grande Natal, e reconheceu os desafios que o rio enfrenta nos últimos anos.

“Ele deságua na Lagoa do Jiqui e a Caern faz a captação da água, inclusive grande parte dessa água é usada no abastecimento da cidade de Natal. [O rio] contribui, inclusive, para diluir a água aqueles poços que têm um teor mais elevado de nitrato”, diz.

Costa afirma que a água do Pitimbu é uma “água livre de nitrato. É uma água que tem algum nível de poluição, digamos assim, de lixo, alguma coisa de matéria orgânica, mas é uma água limpa ainda”. 

“Nós temos consciência de que o rio [sofre] uma pressão imobiliária. Vai cercando o rio, apertando alguns danos que o rio vem sofrendo, mas há todo um trabalho em prol de reverter essa essa situação”, diz.

Segundo ele, o Governo do Estado tem ações junto ao Ministério Público sobre o desassoreamento do rio. “Está para ser contratado”, garante. O secretário adjunto também cita ações de limpeza de resíduos sólidos no entorno do rio.

Costa afirma que o problema de lixo no rio também se relaciona aos municípios, pois, segundo ele, muitas vezes o lixo pode não ser coletado nas ruas e parar no rio. 

O desassoreamento, informa, é um projeto do Instituto de Gestão das Águas do Estado do RN (Igarn), mas essa questão já é discutida há anos. “Isso vem com todo esse período, e a gente reconhece essa dificuldade, inclusive, para fazer essa intervenção no rio, porque precisa de projeto, precisa de autorização do Idema [Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente]. Mas a gente espera que isso realmente possa ser executado e traga benefícios para o rio”.

“Eu diria que os desafios para  mitigar os problemas do Rio Pitimbu passam muito pela questão da conscientização da população, porque muitas vezes pessoas jogam o lixo ali, passa pelos municípios que estão no entorno do rio, para fazerem a coleta dos resíduos”.

Costa lembra, ainda, que nesta semana comemora-se a Semana da Água – o Dia Mundial da Água é dia 22 de março – e que Natal é uma cidade com riqueza de recursos hídricos.

Para Ronaldo Araújo, é preciso conhecer melhor o rio

O Rio Pitimbu e olheiros naturais alimentam a Lagoa do Jiqui, sendo quase três terços dessa alimentação uma responsabilidade do rio. Entretanto, moradores reiteram que o Pitimbu é ameaçado por diversos problemas. 

“Um dos maiores problemas da gente, além do descaso, desmatamento e incêndio próximo à margem do Rio, em que você está eliminando toda a arborização, é o interesse imobiliário”, diz Ronaldo Araújo. 

Mas, segundo ele, “o principal problema de todos esses, fora a poluição, fora o desmatamento, fora as queimadas, é justamente o desconhecimento da importância do rio”. 

Em três dias, quase 30% do abastecimento de Natal estaria comprometido se o rio secasse, alerta. O morador de Natal cita poluidores do rio, desde agrotóxicos na nascente, em Macaíba, até indústrias no comprimento das margens do Pitimbu.

Uma das consequências, frisa ele, é que as plantas tomaram grande parte do rio: “É o primeiro sinal de nitrito e nitrato. Nós temos problemas de assoreamento, temos problemas de lixo dentro do rio, e ainda é muito forte isso”.

Ele reforça a importância de acionar uma consciência ambiental nas pessoas, mas acredita que “as autoridades” não fizeram nada de concreto, além de plantios que não vingaram.

“Só se ama aquilo que se conhece e jamais se esquece daquilo que se ama”: Ronaldo lembrou dessa frase e disse que faz trilhas com colégios, pessoas e grupos para que conheçam e se apaixonem pelo rio.

“Quem abastece o rio Pitimbu, além das chuvas, é o lençol freático. Um outro problema que não se pode trabalhar separado é a questão das construções e de desmatamento no próprio bairro e a impermeabilização do solo. Os poços aqui do Pitimbu estão num grau de poluição. Grande parte é pela questão que a contaminação está além do que é aceito pela Organização Mundial da Saúde”, alerta.

Araújo chegou ao bairro em 1982, e desde 1983 visita o no rio Pitimbu e o defende. Para ele, até o banho nas águas do rio ficou comprometido com o passar dos anos. Ele afirma que o movimento de defesa do rio ganhou fôlego ainda nos anos 1990, com a criação do movimento Pró Pitimbu. 

E conclui que, apesar dos desafios, da poluição, do desmatamento, das queimadas e da especulação imobiliária, “é um rio vivo. Tem peixe, tem vida. Precisamos começar a levantar soluções e fazer grandes mobilizações”, diz.

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