‘Inteligência artificial vai amplificar as competências do professor’

A nova geração de estudantes hiperconectados e o crescente uso da tecnologia na educação trouxeram novos desafios para as instituições de ensino e para os professores. “A experiência do estudante que chega à universidade é bombardeada por algoritmos que estimulam a curiosidade e o entretenimento”, explica o professor Janes Fidélis, vice-presidente acadêmico do Ecossistema Ânima, do qual a Unifacs faz parte.Nesta entrevista exclusiva ao A TARDE, Fidélis fala sobre como o ensino superior vem enfrentando os desafios da geração Z e incorporando novas tecnologias, como a Inteligência Artificial. Segundo ele, não se trata mais apenas de aprendizado. “É sobre a experiência da descoberta. Mais do que levar a descoberta escrita e pronta, é construí-la em cada cérebro na sala de aula.”Na conversa, ele também detalha como a Inteligência Artificial está presente em diversas estratégias do Ânima. Confira a entrevista a seguir.A maioria dos estudantes que estão nas universidades hoje é da geração Z. Eles são nativos digitais, hiperconectados. Quais são os desafios que essa geração traz para as universidades?Existem algumas abordagens que falam da geração dopamina. Ela tem experiências de liberação de dopamina, que dá certo grau de satisfação e prazer. Mas, com as redes sociais, esta dopamina vem fragmentada. A experiência desse nosso estudante que chega à universidade é bombardeada por algoritmos que estimulam a curiosidade e o entretenimento. Mas é um ‘nano entretenimento’ – um entretenimento de minutos, de segundos, e gera uma satisfação. Nós vemos que é uma geração, portanto, na qual você precisa ter uma dinâmica de atividades de aula e de metodologias muito mais ativa. Aquelas metodologias mais convencionais já não colam, como eles dizem, já não fazem tanto sentido para esse estudante.A própria neurociência já indica que aquela aula tradicional, com aquele acúmulo passivo de conhecimento durante muito tempo, não é eficaz. Como a neurociência dá suporte a esse argumento?Eu costumo falar que existem estratégias de didática e de matética. Didática é a ciência do ensinar. Matética, a arte do aprender. Nós vivemos um momento com a neurociência que nos permitiu identificar quais são os gatilhos de aprendizagem, as experiências que vão gerar o melhor engajamento. Qual é o storytelling, a estrutura que vai gerar o melhor sentido para estudar. Porque, se não faz sentido, não interessa. Essa estrutura da neurociência nos avisa o quanto é necessário ativarmos campos do cérebro para que a gente tenha o melhor engajamento, a melhor satisfação no processo. Você já ouviu falar de Arquimedes, que tem a experiência do Eureka, do descobrir. E a gente tem apostado muito em metodologias, com base na neurociência de aprendizagem ou também chamada de neuroaprendizagem, para que consigamos captar essa experiência da descoberta. Não é só aquela disciplina para estudar, porque isso já não funciona mais. E não é só sobre aprendizado. É sobre essa experiência da descoberta. Mais do que levar a descoberta escrita e pronta, é construir essa descoberta em cada cérebro na sala de aula.Tudo isso que o senhor está falando exige uma nova abordagem dos professores. Eles estão preparados para essa transformação?O professor é um eterno estudioso. A gente costuma dizer que quem não vive aprendendo, não sobrevive ensinando. Então, o professor é um investigador por natureza. Por isso, dentro do Ecossistema Ânima, na Unifacs, neste ano, nós concentramos a formação dos professores num evento chamado Simpósio Docente, em que justamente trabalhamos essas temáticas, como neurociência. Trouxemos (o cientista) Miguel Nicolelis para trazer um pouco da ponta dessas investigações e de como funciona o cérebro. Trouxemos temas sobre inteligência artificial para apoiar e estruturar esse professor na investigação que ele precisa fazer para se posicionar em sala de aula.O senhor falou da inteligência artificial, que tanto pode ser uma aliada, como pode ser uma adversária do processo de aprendizagem. Como o senhor vê a incorporação da inteligência artificial na educação?Eu daria exemplos históricos do prelo e da calculadora. O prelo foi a invenção de (Johannes) Gutenberg, a prensa de Gutenberg. Ela revolucionou de tal forma que, em 10 anos, ocorreram mais publicações no mundo do que em todo milênio anterior. Essa foi uma revolução de escrita que o Império Otomano se preocupou e disse: isso vai deturpar a capacidade da narrativa e memória da nossa cultura. O Império Otomano não permitiu por 100 anos a entrada da prensa. Ele ganhou com isso? Não ganhou. Ele só conservou e estagnou aquela sociedade. A discussão era o quanto as pessoas, tendo acesso à informação escrita, poderiam ter corrompido os seus princípios, as suas concepções religiosas, as suas concepções políticas. Mas a prensa democratizou o conhecimento. Na verdade, o que aconteceu foi que, com ela, a ciência evoluiu, a filosofia evoluiu, a arte evoluiu. Depois veio a calculadora. E, acredite, na Escócia houve manifestações para abolir a calculadora da sala de aula, porque se entendia que ela suprimiria a capacidade cognitiva dos alunos de calcular. Hoje temos a inteligência artificial. É fato que ela pode vir com viés. Mas, se a universidade não tratar, se a escola não tratar, se o professor não dominar, e se o professor não trouxer os crivos éticos e as referências de como utilizar para o bom estudo e boa aprendizagem, estaremos adiando uma evolução necessária, inclusive na educação.O uso da inteligência artificial está ainda num processo de debate ou já está sendo incorporada na aprendizagem?Nós, no Ânima, acreditamos na prática que precisamos incorporá-la. Ela já está presente em várias estratégias. E quando a gente fala do professor-estudante, nós estamos inaugurando o que chamamos de assistente docente, que é o ‘mind mentor’, e um agente de aprendizagem, que é a Iara, Inteligência Artificial para o nosso estudante. O que isto vai compor? Uma das questões que me fizeram muitas vezes foi: a inteligência artificial vai substituir o professor? Não é sobre isso. A inteligência artificial vai amplificar as competências do professor. Significa que, para fazer um plano de aula, compor a estrutura das competências, eleger as habilidades, entender as atitudes esperadas, fazer todo esse planejamento, este agente assistente do professor facilitará seu trabalho. É uma interface que auxilia o professor na preparação do seu plano de aula. Para o estudante, é um auxiliar no processo de aprendizagem, para tirar dúvidas. Porque tem estudantes que, na madrugada, se dedicam a estudar, ou em horários que não teriam um atendimento acadêmico, além da sala de aula. Eles têm a oportunidade de ter a assistente alocada dentro do seu ambiente virtual de aprendizagem de forma que ele consiga tirar dúvidas e potencializar o seu aprendizado.O estudante da geração Z, mostra os estudos, quer uma educação personalizada por competências, seguindo sua área de interesse. As universidades estão prontas para oferecer esse tipo de ensino?Nosso projeto acadêmico contempla a aprendizagem por competências. Para cada curso, nós elegemos quais são as competências esperadas para o mercado de trabalho daquela formação. A partir disso, as unidades curriculares e o conteúdo programático são pensados e estruturados para desenvolver essas competências. Nossas avaliações serão capazes de capturar não só a capacidade de memória ou de entendimento, mas também de diagnosticar a latência da competência do estudante. Em curto prazo, o Ânima conseguirá aferir a latência dessa competência. E, além da nota das disciplinas, o estudante terá um diagnóstico das competências profissionais que está desenvolvendo ao longo do curso.Isso inclui as chamadas ‘soft skills’, como flexibilidade, resiliência?Exatamente. Didaticamente se fala em soft skill e em hard skills, ou tech skills. E nós começamos a identificar que o desenvolvimento das competências socioemocionais e as profissionais não são desenvolvidas em separado. Elas são combinadas. Imagine que um estudante de administração está se preparando para ser um gestor. E, sendo gestor, ele está desenvolvendo a competência de resolução de problemas. Quando eu estou diante de um problema, várias emoções se apresentam. É concomitante. A nossa estratégia acadêmica é de desenvolvimento das competências socioemocionais e profissionais de forma holística, não em separado.A universidade pensa também em preparar o aluno para o empreendedorismo?A gente tem os termos empreendedorismo e empregabilidade. Nós estamos adotando a concepção de trabalhabilidade. Porque se você for empreendedor ou empregado ou empregador, você vai ter que ter as competências do trabalho, da trabalhabilidade, das habilidades de trabalho. Dessa forma, nós acreditamos muito em uma estratégia que chamamos de ‘Dual’. É uma estratégia adotada pelas universidades europeias, em especial a Alemanha, em que nós traduzimos para a nossa cultura brasileira e estamos buscando parcerias com empresas. O grupo Ânima hoje tem convênio com mais de 500 empresas. O que significa isso? Derrubar o muro da relação universidade-empresa e aproximá-las. Levar o estudante para dentro da empresa e a empresa para dentro da sala de aula. Com problemas reais, com desafios reais, para que os estudantes, ao longo da sua jornada de aprendizagem, estejam em contato com executivos daquela empresa, identifiquem as oportunidades de melhoria, desenvolvimento, saneamento e proponham soluções orientadas pelo professor. E, com isso, o Ânima se tornou uma referência em colocação profissional e em desenvolvimento de carreira. Com isso, a gente conseguiu aproximar o nosso estudante do seu futuro trabalho. E muitas empresas, no final dessa experiência, acabam contratando os estudantes que participaram do ‘Dual’.Parte do mercado enxerga essa geração Z, de certa forma, como pouco comprometida com o trabalho. Como o senhor vê as características da geração Z?O desafio é ativar o estudante para a satisfação em trabalhar. Aquelas gerações disciplinadas, ordeiras, que se submetiam a cargas de trabalho e tinham uma resiliência para suportar aquilo, e viveram uma história inteira de 20, 30 anos na mesma empresa, são muito raras hoje. O estudante de hoje procura a realização, tanto no processo de aprendizagem, quanto na sua relação com o trabalho. Por isso, as empresas também estão mudando a sua relação com esse novo colaborador. É um colaborador que precisa viver a dinâmica da empresa e não apenas estar subordinado a uma tarefa rotineira. Isso significa dizer que ele não tem capacidade de cumprir rotinas? Não. Mas se ele não souber o propósito, o para quê, e se ele não puder participar, inclusive, da opinião de melhoria daquilo que faz, ele se frustra. E aí ele perde o engajamento.O senhor falou que as empresas estão mudando. Mas muitas novas profissões estão sendo criadas também. Como o grupo trabalha essa questão no seu planejamento a longo prazo?Nós, por termos um conjunto de universidades, como é a Unifacs, temos autonomia junto ao Ministério da Educação para criar e propor novos cursos de graduação. Faculdades que ainda não existem, mas que o mercado está exigindo. Além dos cursos clássicos, históricos e permanentes, existem de fato novas profissões. E nós estamos espiando para esse mercado e lançando cursos como mecânica automotiva de carros elétricos, por exemplo. Estamos olhando para termos dentro das estruturas curriculares de todos os cursos, inteligência artificial, e outras discussões que vão trazer para a experiência do estudante a aproximação dos novos cenários profissionais, de mercado e de ciência e tecnologia.Dentro desse contexto, como o senhor vê a educação híbrida e a educação à distância? O Ministério da Educação ficou de revisar o marco regulatório da educação à distância. Como o senhor vê essas questões?Um novo marco regulatório para a educação à distância está com data para março. Tem uma moratória que congelou, digamos assim, todas as instituições do Brasil a lançarem novos cursos e ela vence em março. Disso se fez uma discussão muito grande com grupos de trabalho, especialistas, das quais também pudemos participar dando sugestões. Existe uma convergência entre o que o MEC quer e o que as instituições querem, que é uma educação de qualidade, uma educação atualizada e que consiga preparar para o mercado de trabalho. E no Ânima entendemos que as variações de presencialidade, hibridez e EAD são composições que vão atender diferentes estudantes que vivem em tempos, espaços e movimentos que precisam ter uma oferta adequada a essa realidade. Hoje, no nosso portfólio de cursos, nós cobrimos todas as modalidades, de forma que o estudante aqui vai encontrar um espaço que seja adequado para ele.Professor, para concluir, além de educador, o senhor é filósofo também, e tem a famosa frase de Sócrates que diz ‘Só sei que nada sei’. O senhor considera que habilidade de aprender é uma das mais importantes no mundo de hoje?‘Só sei que nada sei, certamente sei bem mais que aqueles que supõem saber alguma coisa e não sabem que nada sabem’. E é fantástica a sua pergunta porque, quando olhamos para essa referência do aprender, estamos falando de competências socioemocionais e profissionais. E nós estamos discutindo muito sobre as competências do aprender. O que me habilita para ter uma boa jornada universitária? Se eu sei aprender a aprender. Porque alguns universitários, embora tenham tido êxito no Ensino Médio, chegam à sala de aula sem saber aprender. Ah, mas como assim? Veja só. Muitos estudantes passam por experiências de memorização. É uma estrutura do aprender, mas a memória mecânica para uma prova se esvazia no dia seguinte da prova. Então, a gente está falando de aprendizagem profunda. Aprendizagem ao longo da vida. E uma estrutura importante é ter a competência de aprender. Se eu pudesse dar um conselho a todo estudante que esteja lendo essa matéria, ou pais de estudantes, é que você precisa desenvolver e atentar para as competências de interpretação e raciocínio lógico. Várias pesquisas que nós fizemos com dados do Brasil inteiro, do resultado do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), comprovam que se você não desenvolver bem essas competências, o seu aprendizado é raso. São muito básicas, mas são fundamentais para uma vida universitária exitosa e profissional de sucesso.Raio-XJanes Fidélis Tomelin é vice-presidente acadêmico da Ânima. Mestre em Educação, formado em Filosofia e especialista em História Social, já atuou como professor no ensino fundamental, médio, superior e na pós-graduação. No ensino superior, ocupou diversos cargos de liderança, incluindo coordenador de curso, pró-reitor de ensino, reitor da Uniasselvi e diretor executivo acadêmico da Unicesumar. Entre suas experiências, destaca-se a atuação como diretor acadêmico nacional da Laureate Brasil, o que lhe proporcionou amplo conhecimento sobre as instituições que integram o Ecossistema Ânima.
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