Com ‘O Brutalista’, o cineasta imagina a vida de um arquiteto húngaro refugiado nos EUA

Depois de escapar de um campo de concentração nos anos finais da Segunda Guerra, o arquiteto húngaro e judeu László Tóth consegue fugir para os Estados Unidos, onde busca refazer a vida e ainda poder reencontrar a esposa e a sobrinha que permaneceram na Europa. Primeiro, recebe o apoio do primo, que lhe dá todo suporte na chegada, e depois cai nas graças de um rico e ambicioso benfeitor que lhe contrata para idealizar e erguer um monumento arquitetônico na sua propriedade.Tóth não existiu de verdade tal qual o homem genial e idealista retratado no filme, mas a arquitetura brutalista é uma realidade, em parte associada ao que se desenvolvia nos países socialistas do leste europeu e que, nos anos 1960 e 1970, ganhou notoriedade e execução em outras partes do mundo.O diretor Brady Corbet encaixa o protagonista dentro de um curso histórico bem demarcado. Mas vai se decepcionar quem espera de O Brutalista o acompanhar da trajetória de um arquiteto que levou o estilo sem curvas e de formas geometricamente rígidas para os Estados Unidos, querendo provar sua genialidade e competência diante do trabalho braçal, que é só o que seu contratante enxerga.Essa história até pode estar contida no filme, perdida nas 3h20 de duração (dividido em duas partes, o longa está sendo exibido com um intervalo de 15 minutos). Porém, o que O Brutalista faz de melhor, sem grandes novidades nesse campo, é mostrar um judeu imigrante em uma América arrasadora, dita terra de oportunidades, mas no fundo cruel e intimidadora.Adrien Brody mais uma vez protagoniza a história de um fugitivo do Holocausto (como o fez em O Pianista, de Roman Polanski) e sua jornada de renascimento nos Estados Unidos segue o arco narrativo da redenção através do enfrentamento de barreiras sociais e do trabalho duro.Talvez por isso, o filme tenha encontrado certo sucesso na temporada de premiações – a despeito da sua longa duração –, já que Hollywood adora não só o tema relacionado ao antissemitismo, quanto as histórias de superação no coração da América.Visionário e comumTóth pode até ser visionário e arquiteto precursor – ele já era um profissional de sucesso em seu país –, mas grande parte do filme se dedica a mostrar sua ascensão, em status e um pouco em termos financeiros, menos pelo viés da genialidade e grandiloquência de seu trabalho e mais como indivíduo comum tentando recuperar alguma dignidade após a tragédia do Holocausto.E essa é uma batalha difícil de travar, a despeito da maneira como é recebido no país – é desde já icônica a cena inicial do filme em que, ao sair de um barco lotado na sua chegada aos Estados Unidos, o personagem dá de cara com a Estátua da Liberdade de ponta cabeça, simbolismo perfeito para o que encontram ali os imigrantes e refugiados desamparados – daquele tempo e do nosso também.Van Buren (Guy Pearce), magnata todo poderoso, entra em cena já derramando toda sua ira, preconceito e desprezo pelas pessoas que estão reformando sua casa (trabalho temporário que Tóth encontrou a fim de se sustentar), a mando de seu filho e sem o seu conhecimento. Só mais tarde ele enxergará em Tóth o profissional capaz de topar a louca empreitada arquitetônica em que quer investir em sua propriedade rural.Ainda assim, não há no filme nenhum momento em que Tóth expõe suas ambições profissionais e/ou artísticas, uma visão de mundo que reflita seu trabalho, uma linha de pensamento ou defesa que busca seguir em seu ofício.Ou seja, a ideia de uma mente brilhante tentando fazer prevalecer sua genialidade está mais no campo das expectativas do que algo que se concretiza de fato na trama. O filme nos mostra o arquiteto querendo apenas sobreviver e refazer o núcleo familiar.Surpreende que um filme tão longo encontre dificuldades em sustentar as intenções de seu protagonista. O caminho mais fácil é apostar na trama do imigrante humilhado, do judeu errante que deu sangue e suor, sendo retribuído com violência e desprezo.Corbet filma com certo sentido de grandeza, mas evita apuros estéticos arrojados (como ele já demonstrou em filmes anteriores, sobretudo na sua estreia, com A Infância de um Líder), apostando em uma condução mais clássica e direta, o que coloca em questão o prêmio de Melhor Direção conquistado no último Festival de Veneza – algo que ele pode repetir no próximo Oscar.Homem de famíliaDividido em duas partes, supõem-se que na segunda metade o tom do filme fosse mais imponente, eloquente, pelo crescendo que se estabelece na primeira, mas não é isso o que acontece. Para quem se dedica a falar sobre o brutalismo, a encenação do filme poderia ser mais imponente, até mesmo mais arriscada (como se vê na cena inicial).Nesse segundo momento, ao menos, entra em cena a esposa de Tóth, Erzsébet (interpretada por uma ótima Felicity Jones), antevista anteriormente como uma lembrança vaga, mas que se revela muito mais impositiva e consciente do que se passa com o marido, sabendo ler as entrelinhas no ar.As relações entre Tóth, sua família e os familiares e funcionários de Van Buren, seu empregador e apoiador, tornam-se cada vez mais tensas e arredias, ainda que o filme não consiga desenhar com muita profundidade tais embates. Sobram farpas trocadas entre eles e algum sentido de drama interpessoal que se sobressaem em cenas de brigas e gritaria que não levam a lugar nenhum.Com isso, O Brutalista soa ambicioso, inventa com habilidade a biografia de alguém que criou algo marcante na paisagem urbana, mas não consegue dar conta das implicações de sua presença e atuação naquela sociedade. Básico pensar no brutalismo como alusão à própria experiência de querer prosperar na América, fazendo prevalecer a dureza e a imponência do concreto, alquebrando-se a si próprio no processo.O Brutalista (The Brutalist) / Dir.: Brady Corbet / Com Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce, Joe Alwyn, Raffey Cassidy, Emma Laird, Stacy Martin, Vanessa Kirby, Alessandro Nivola / Salas e horários: cinema.atarde.com.br
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