Ocupação movimentou IFRN contra Temer e chegou à Zona Norte de Natal

A Agência Saiba Mais dá continuidade à série de reportagens intitulada “Primavera Secundarista: nossos sonhos são pra valer”, com histórias de cinco lideranças secundaristas que ocuparam os campi do IFRN em 2016 contra a PEC do Teto de Gastos, a Reforma do Ensino Médio e o projeto Escola sem Partido. Agora, seguimos com o perfil de Miranda Júnior, de 24 anos, que foi estudante do IFRN Natal-Zona Norte. Juninho, como também é conhecido, dirigia à época o grêmio do seu campos e presidiu, posteriormente, a Rede de Grêmios do IFRN (REGIF).

Juninho: “A gente ia organizar nossa galera para ir para a rua”

“Ocupar e resistir” era um dos lemas que movia Josivan Miranda da Silva Júnior, conhecido como Miranda Júnior, e outros estudantes quando ocupou o IFRN em 2016. Na época, ele estudava na unidade da Zona Norte e era diretor do Grêmio Estudantil Paulo Freire (GEPF) e da Federação Nacional dos Estudantes em Ensino Técnico (FENET), entidade dirigida majoritariamente pela União da Juventude Rebelião (UJR), que compunha no período.

Como um dos principais quadros da juventude naqueles tempos, e carregando a militância na veia — que não largou até hoje — ajudou a organizar a ocupação no IFRN Natal-Central. 

“É hora de irmos à rua e dar uma resposta a esse governo golpista que quer cortar os nossos direitos. Não é tempo de nos calar. É tempo de ocupar e resistir”, avisava o sorridente Júnior num vídeo gravado na noite de 29 de setembro nos corredores do Natal-Central, publicado na página do Facebook do GEPF.

Com tanto tempo que já se passou, hoje, os ex-ocupantes têm dificuldades de se lembrar quantos estudantes participaram daquele momento e quantos campi construíram a ação do fim de setembro. Pelas informações de Júnior, neste vídeo gravado, matriculados de 11 campi participaram da atividade.

Como outros daquela geração, ele entrou no IF em 2015, ano de mais greve. A primeira atividade do movimento estudantil do qual participou foi uma assembleia do grêmio da Zona Norte, em que o chamaram para alguma atividade do Sinasefe para discutir a greve na Reitoria. Curioso, queria se inteirar do que estava acontecendo e foi até a sede da Reitoria, que fica próxima ao campus central, no bairro do Tirol, Zona Sul da capital.

Miranda Júnior continuou militância e atualmente é filiado ao PT | Foto: Valcidney Soares

Assim, começou a se aproximar do pessoal do grêmio e, meses depois, se iniciou o processo de eleição de nova gestão da entidade, em que concorreu como coordenador de assuntos estudantis. Pouco depois, também entrou para a UJR, juventude do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

A instabilidade política no Brasil aumentava. Pouco depois do impeachment de Dilma, o deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ) — pivô da destituição da presidenta — foi afastado em maio de 2016 do seu mandato e, consequentemente, da presidência da Câmara dos Deputados.

Em uma viagem, Juninho, como também é chamado, participou de uma atividade com mais três pessoas na época que culminou com a queda de Cunha. Ao voltar para Natal, começou a discutir no boca a boca com os outros estudantes sobre o que estava acontecendo. A ideia de se mobilizar e fazer alguma coisa — ainda sem saber exatamente o quê — começou a partir de conversas entre os grêmios do Natal-Central, Zona Norte, Cidade Alta e São Gonçalo do Amarante. Também conversaram com a então estudante do IF Natal, Brisa Bracchi, militante da Kizomba [juventude da Democracia Socialista, tendência interna do PT] e à época diretora de mulheres da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). Hoje, Brisa é vereadora de Natal pelo PT. Outra reunião foi convocada, desta vez com mais grupos de juventude, para começar a organizar o que seria a ação no Natal-Central. “A gente pode puxar uma ocupação e fazer uma semana inteira de mobilização”, pensou o jovem Juninho.

A REGIF, recém-nascida naquele ano, ainda dava seus primeiros passos, mas “era muito mais organizativa para algumas coisas, e não era tão política”, lembra Miranda.

Presidentes eleitos da REGIF Período
Viviane Forte (Natal-Central) 2016-2017
Miranda Júnior (Zona Norte) 2017-2018
Maria Eduarda Neves (João Câmara) 2018-2019
Felipe Garcia (Zona Norte) 2019-2021
Karydja França (Mossoró) 2021-2022
José Alexandre Monteiro (Ceará-Mirim) 2022-2023
Vinícius Santos (Santa Cruz) 2024

“E aí teve uma grande participação dos movimentos na época, que eram a UJR, UJS [União da Juventude Socialista, juventude do PCdoB] e a Kizomba, que não necessariamente tinham uma grande quantidade de militantes que estudavam no IFRN, mas tinham uma forte atuação do movimento estudantil e botaram muito peso dentro dessa ocupação do campus Natal Central”, diz.

A sede do grêmio serviu como ponto de apoio, mas foi decidido que todos os ocupantes ficariam e colocariam as barracas na área das rosquinhas, região do pátio central, onde há maior circulação de pessoas.

Na época, o diretor do IF Natal-Central era José Arnóbio de Araújo Filho, atualmente reitor do Instituto. 

“Aqui é um campus grande, então teve um reforço de segurança dentro do IFRN. Previamente, também combinamos os espaços que a gente ia utilizar para evitar qualquer problema. Nesse sentido, foi um pouco articulado com a direção. E a Reitoria, na época, não se mobilizou, não falou nada. A Reitoria só veio se manifestar dentro desse movimento de ocupação quando a gente ocupou a Reitoria, muitos meses depois”, conta.

Com todo o tempo passado, Juninho faz um balanço do que foram aquelas ocupações, em que desempenhou papel de liderança. Com as vivências e a leitura de mundo que tem hoje, diz que acharia aquela ocupação inviável, preferindo amadurecer a ideia. Na época, não. A Lei da Mordaça era uma ameaça presente, reforça.

“A gente entendia, enquanto movimento estudantil organizado e movimentos sociais, que aquilo poderia inclusive impedir a nossa organização enquanto grêmio estudantil que éramos na época, e a gente já tinha essa discussão de que a Lei da Mordaça era terrível”, avalia.

Os cortes orçamentários também não deixavam ninguém adormecer ou esquecer os perigos que se avizinhavam. As restrições no orçamento não eram novidades. Dilma já havia feito cortes profundos, mas tudo piorou a partir da PEC do Fim do Mundo: “Significaria uma diminuição na qualidade do ensino e da estrutura, que afetaria diretamente as nossas vidas”, atesta. 

Mas, como se mobilizar diante desta situação? Dilma já havia sofrido o golpe e o assunto era agitado, mas não era suficiente para insuflar um maior número de pessoas dentro do IF a se movimentar. A Lei da Mordaça e a reforma do ensino médio também não, na avaliação do ex-diretor da FENET, já que o IF possui seu próprio Projeto Político-Pedagógico (PPP).

“Quando veio o teto de gastos, que a galera já viu que, mesmo no governo Dilma, sem teto de gastos, já havia cortes, a galera fez: ‘Opa, agora mexeu com meu bolso aqui, vai ser menos aula de campo, vai ser menos Intercampi, vai ser menos viagem, vai ser menos projeto de pesquisa e extensão’. E a galera foi se convencendo. Muita gente se juntou ao movimento estudantil na época porque começou a sentir na pele, suas bolsas sendo cortadas, aulas de campo que eram programadas”, acredita.

Eram todos adolescentes, alguns já organizados politicamente e mais experientes, outros que davam seus primeiros passos em entidades, aqueles que descobriam ali, naquele momento, o que era fazer movimento estudantil. Era, acima de tudo, um processo de aprendizado coletivo, que via a Primavera Secundarista de São Paulo, no ano anterior, como uma inspiração.

“Aquilo dava um gás muito grande na gente. Principalmente, quando a gente via toda aquela repressão policial que teve nas ocupações de São Paulo, da galera cozinhando nas ocupações, da galera ocupando mesmo as escolas”, aponta Juninho.

Apesar de instigar, as realidades entre os dois estados eram diferentes, claro. Localmente, também havia muita diferença entre os campi do IFRN.

“É muito difícil se organizar aqui, até pela questão de arquitetura desse campus. Não tem como trancar o campus, por exemplo.” 

Já nos outros campi, seja da Região Metropolitana ou do interior, cada ocupação tomou seu próprio rumo.

“Acho que, inicialmente, teve essa inspiração [em SP], mas foi só no sentido de ‘olha, os meninos ocuparam lá, deu certo, e a gente também tem que dar continuidade na Primavera Secundarista daqui’. Mas era sempre uma praxe. A Primavera Secundarista 2.0, a gente brincava”, lembra.

Ainda no IFRN, Juninho rompeu com a UJR. Depois, passou a construir a Liberdade, Socialismo e Revolução (LSR), corrente interna do PSOL. Hoje, está na Articulação de Esquerda (AE), tendência do PT, e é assessor parlamentar do vereador Daniel Valença (PT). Hoje, o homem faz o balanço e diz ter orgulhos e arrependimentos daquela época.

“A ocupação foi o pontapé para a organização do movimento estudantil do IFRN num quesito mais político, organizado, para além das organizações políticas que tinham, mas até com o fortalecimento da própria REGIF, que, na época, não esteve nas ocupações enquanto entidade, mas aproximou muitos estudantes a se organizar, ampliou para outros estudantes que a gente não conseguia ter contato”, avalia.

Ocupações tinham atividades políticas e culturais | Foto: Site Sinasefe (autoria não identificada)

Ele reconhece que seria difícil travar as pautas do Congresso a partir das ocupações.

“A gente tinha essa noção de que não se podia fazer muito, mas, minimamente, a gente ia organizar nossa galera para ir para a rua. A partir disso, depois que a galera se juntou aos atos, teve uma boa participação. A gente organizava ato aqui [no Central] e, brincando, botava cinco mil estudantes na rua, de todos os outros campi, de outras escolas, e que eram organizados por um grupo muito pequeno”, conta.

Antes, diz, o movimento estudantil no Instituto era formado por “panelinhas”. Todo mundo se conhecia, da capital ao interior.

“Esse momento de ocupação foi muito bom para ampliar o movimento estudantil, consolidar importantes quadros do movimento a partir daqueles movimentos”, atesta o assessor.

No ano seguinte à “Primavera Secundarista 2.0”, ele foi eleito presidente da REGIF em congresso ocorrido em Currais Novos.

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